A POLÍTICA, ESSA SENHORA TÃO MALTRATADA (Carta de Caracas)


Olha aí a foto fatal: Lula, Haddad e Maluf (Foto: Adriana Spaca/Ag.Estado)
Minha amiga, estou aqui nesta cidade de trânsito louco e barulhento (os “motorizados”, motoqueiros, continuam furando o sinal vermelho, adoidadamente), respirando muita agitação política (viva o Comandante Hugo Chávez, viva o socialismo, ou abaixo o “tirano” Hugo Chávez), e espiando pela blogosfera o rumoroso caso Erundina/Maluf/Lula/Haddad. (Estão postadas abaixo duas visões conflitantes sobre o episódio).

Estava torcendo para que a nossa brava Erundina, mesmo esculhambando, com toda razão, o “beija mão” de Lula/Maluf, se mantivesse na chapa petista, porque a combativa nordestina numa disputa eleitoral é fator seguro de elevação do nível político e ideológico do debate.

Porque, no Brasil de hoje, é disso que se trata: elevar o nível do debate político, resgatar a política do limbo a que foi atirada pelos monopólios dos meios de comunicação (a velha mídia) e seus aparentados, que se locupletam graças à “sujeira” da dita atividade política (na linha de fogo, estão quase sempre os que detém ou buscam mandatos eletivos: “Fulano é candidato...”, alguém diz logo: “Iiiiiiih, mais um pra roubar...”).

Amiga, é preciso tirar a política - essa velha senhora tão maltratada, inclusive pela maioria dos que são carimbados como políticos – desse pântano de moralismo, hipocrisia e desinformação. Carimbados sim, porque todos, de fato, de fato, somos políticos, todos estamos, para o bem e para o mal, exercitando um papel na política, tanto os que dizem gostar dela, como os que dizem odiá-la.

Se vivemos sob o aparente jugo da mentira e do cinismo (tem coisa mais mentirosa e cínica do que o “beba com moderação” das propagandas de bebida alcoólica?), então é o caso do deputado perguntar: “Só eu sou corrupto!? E o empresário não é não? E o jornalista? E o juiz? E o padre? E o pastor? E o artista? E quem não é?”

(Uma vez eu estava discutindo com meu irmão Stimison – aquele rapaz sonhador que queria mudar as coisas em favor da ética e dos pobres fazendo política no antigo PFL, você o conhece bem. Pois é, estávamos discutindo sobre a corrupção: eu, do alto da suposta autoridade de jornalista, dizia que a mais corrupta é a imprensa, porque ela tem a obrigação de combater as injustiças sociais e não o faz; ele rebateu: “Não, a mais corrupta é a Justiça, porque, além de tudo, eles são vitalícios”).
Lustosa é o terceiro, com Paulo, Goiano e Edelson, todos foram do movimento bancário
Agora, minha amiga, dou a palavra a Valdimiro Lustosa, nosso amigo Lustosinha, antigo companheiro de lutas sindicais desde a década de 70; participou da direção do Sindicato dos Bancários da Bahia a partir da derrubada dos pelegos da ditadura, em 1981. Fez o seguinte comentário neste meu blog:

“Meu caro Jadson, verdadeiramente, como você me disse, a saída é pela via política, porém as pessoas que se elegem não são capazes de mudar o sistema, ou seja, o modelo continua o mesmíssimo. Então, os eleitos vão apenas referendar o modelo e fazer alianças, na maioria das vezes espúrias, em nome da governabilidade. Isto interessa ao povo? Claro que não. Por conta disso é que eu não acredito mais nos políticos que se esmeram na perpetuação do "status quo". Ninguém dos eleitos ousa tentar uma proposta diferente. Fazer meros discursos vazios não resolve absolutamente nada. O povo não participa de nada, a não ser para votar”.

OK, companheiro, creio que tem muito de verdade nas suas sinceras queixas contra os políticos brasileiros. Afinal, sonhamos ingenuamente que tudo seria diferente depois que a ditadura se fosse (não vou dizer, como gostaria, “depois que a ditadura fosse derrubada”, porque hoje, criticamente, acho que não seria uma expressão rigorosamente correta).

Mas, insisto, como vamos avançar se não for atuando através da política? Política, bem entendido, não apenas via os processos eleitorais para o Legislativo ou o Executivo, mas no seu sentido amplo: a luta também dos chamados movimentos sociais (aí cabe tudo), com a combinação das diversas formas e níveis, sem torcer o nariz para lutas inventadas pelos jovens, como o caso dos “indignados” e suas redes sociais da Internet.

E, minha amiga, quando digo avançar (sei que você não compartilha do que enxerga como sonho, ah!, você sabe, quão chato é um mundo sem utopia!), digo avançar rumo a um saneamento da atividade política, rumo a uma democracia popular, participativa, rumo a algum tipo de socialismo.

Como dizem estudiosos mais lúcidos: é possível, o capitalismo está podre, porém ele não cai de podre, ele tem que ser derrubado e para isso o povo e suas lideranças têm de construir alternativas. E, vamos sonhar com os pés no chão, só avançaremos com mobilização popular, o que é um ingrediente raríssimo no cardápio da política brasileira. O povo na rua pode não ser a panaceia, mas é metade do caminho.
Everaldo na campanha "Quero mais ciclovias" em Salvador (Foto: Manoel Porto)
Ernesto numa feijoada no Bar Postudo, no Rio Vermelho/Salvador (Foto: Paula Fróes)
Bem, minha amiga, esse papo vai longe, mas não quero abusar tanto da sua tolerância. Aproveito para registrar aqui nossas últimas andanças pouco antes de eu embarcar para esta terra bolivariana, participando aí na Bahia de preparativos de dois amigos que vão se jogar na campanha pela vereança na Câmara de Salvador.

São dois militantes do movimento social que certamente continuarão contribuindo, eleitos ou não, para a elevação do padrão do fazer política, comprometidos que são com as causas democráticas e populares. Um é o professor Everaldo Augusto, do PC do B, já com passagem pela Câmara dos Vereadores e conhecido dirigente sindical dos bancários. O outro é o jornalista Ernesto Marques, do PT, vice-presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e também atuante na área sindical. Se eleitos, estou certo que os baianos da capital vão ganhar dois bons representantes e o movimento popular terá mais duas vozes confiáveis.

Até mais, beijo. Não sei bem por que, mas sempre que lhe escrevo me lembro de Assunção, acho que foi de onde mais lhe escrevi. Saudades mil.

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