Fernando Lugo (Foto: Agências) |
“Por que 60 ou 70% dos pobres votam em Chávez? Porque seus problemas vão sendo resolvidos, receberam moradias, se implementam uma cesta barata de alimentos e tratamento de saúde gratuito. E o que fez Lugo, a exemplo de tais iniciativas? Nada”.
“O
presidente Lugo vinha combinando políticas com os golpistas, com os latifundiários,
vinha freando os campesinos, desalojando-os de todas as ocupações”.
Entrevista de James Petras (sociólogo e analista político norte-americano, estudioso sobre o imperialismo e a América Latina) a Chury Iribarne, da Rádio Centenário, de Montevideo (Uruguai), através de www.radio36.com.uy (Do portal aporrea.org, postagem de 28/06/2012; reproduzida apenas a parte referente ao golpe de Estado no Paraguai).
James
Petras: Há vários ângulos que devemos
tratar. Primeiro, é certo que o golpe parlamentar contra o presidente (Fernando)
Lugo é parte de um esforço dos Estados Unidos de recuperar influência, junto a
seus sócios oligárquicos na América Latina, como no caso de Honduras onde tiveram
êxito. Mas este golpe surge pelas debilidades de Lugo. Temos que considerar que
nos últimos quatro anos o presidente Fernando Lugo vinha combinando políticas
com os golpistas, com os latifundiários, vinha freando os campesinos, desalojando-os
de todas as ocupações. De maneira tal que a oligarquia pode aproveitar de seu
desprestígio diante do choque armado que deixou 50 feridos e 11 campesinos mortos,
para atacá-lo no momento em que Lugo está envolvido. Inclusive seu ministro do
Interior renunciou depois dos assassinatos; com isto abre caminho para que a direita
tome o poder.
Discordo totalmente de todas as forças progressistas que estão pintando Lugo como ‘grande amigo da democracia e das mudanças sociais’ na América Latina. O que é correto, até certo ponto, é que o Paraguai participou no Mercosul, colaborou com o Brasil de alguma forma a favor de maior ampliação da participação na América Latina. Mas, por outro lado, firmou acordos com (o ex-presidente colombiano Álvaro) Uribe – o pior assassino da região - para o treinamento de forças especiais de repressão; firmou acordos com o Pentágono para estender as operações norte-americanas na América Latina: reprime os campesinos nos quatro anos que levava de governo traindo as promessas que fez na sua campanha eleitoral. Não é nada um progressista. Apesar de (Hugo) Chávez, Evo Morales e todos os demais o chamarem um líder progressista, não o é.
Porém, ao mesmo tempo, devemos entender que o golpe é para criar um regime mais à direita, mais pró norte-americano, mais anti-latino-americano. Por esta razão, devemos dizer que temos de nos opor ao golpe porque é mais um passo do imperialismo na América Latina. Mas de maneira alguma devemos pintar o regime como um governo progressista.
O que sim devemos fazer é analisar por que ocorre este golpe. Devemos dizer que ocorre porque o Paraguai criou espaço para os golpistas. O governo de Lugo, para dizer francamente, não poderia convocar mais de mil participantes num protesto. Inclusive quando ocorre o golpe, Lugo foi pra sua casa sem convocar nenhuma mobilização. O fato é que ele se desculpa dizendo que não queria que houvesse mortes, que não queria sangue nas ruas. Fez uma capitulação, e só depois que toda América Latina se levantou contra os golpistas, ele saiu a dizer que era um golpe, que era ruim, que não devíamos reconhecer os golpistas. Mas perdeu a oportunidade da iniciativa.
Agora, como respondem os países da América Latina? Chávez, à frente, rompe relações e suspende a venda de petróleo. De outro lado, o Brasil não rompe relações e inclusive diz que não há nada a fazer e que devemos esperar para ver como os acontecimentos vão evoluir. Neste sentido, o Brasil está protegendo seus grandes investidores, latifundiários, que têm ocupado enormes faixas de terra do Paraguai. O Brasil de (Dilma) Rousseff não toma posição contra os golpistas, simplesmente se pronuncia sobre algumas coisas folclóricas. (Ver observação abaixo)
Discordo totalmente de todas as forças progressistas que estão pintando Lugo como ‘grande amigo da democracia e das mudanças sociais’ na América Latina. O que é correto, até certo ponto, é que o Paraguai participou no Mercosul, colaborou com o Brasil de alguma forma a favor de maior ampliação da participação na América Latina. Mas, por outro lado, firmou acordos com (o ex-presidente colombiano Álvaro) Uribe – o pior assassino da região - para o treinamento de forças especiais de repressão; firmou acordos com o Pentágono para estender as operações norte-americanas na América Latina: reprime os campesinos nos quatro anos que levava de governo traindo as promessas que fez na sua campanha eleitoral. Não é nada um progressista. Apesar de (Hugo) Chávez, Evo Morales e todos os demais o chamarem um líder progressista, não o é.
Porém, ao mesmo tempo, devemos entender que o golpe é para criar um regime mais à direita, mais pró norte-americano, mais anti-latino-americano. Por esta razão, devemos dizer que temos de nos opor ao golpe porque é mais um passo do imperialismo na América Latina. Mas de maneira alguma devemos pintar o regime como um governo progressista.
O que sim devemos fazer é analisar por que ocorre este golpe. Devemos dizer que ocorre porque o Paraguai criou espaço para os golpistas. O governo de Lugo, para dizer francamente, não poderia convocar mais de mil participantes num protesto. Inclusive quando ocorre o golpe, Lugo foi pra sua casa sem convocar nenhuma mobilização. O fato é que ele se desculpa dizendo que não queria que houvesse mortes, que não queria sangue nas ruas. Fez uma capitulação, e só depois que toda América Latina se levantou contra os golpistas, ele saiu a dizer que era um golpe, que era ruim, que não devíamos reconhecer os golpistas. Mas perdeu a oportunidade da iniciativa.
Agora, como respondem os países da América Latina? Chávez, à frente, rompe relações e suspende a venda de petróleo. De outro lado, o Brasil não rompe relações e inclusive diz que não há nada a fazer e que devemos esperar para ver como os acontecimentos vão evoluir. Neste sentido, o Brasil está protegendo seus grandes investidores, latifundiários, que têm ocupado enormes faixas de terra do Paraguai. O Brasil de (Dilma) Rousseff não toma posição contra os golpistas, simplesmente se pronuncia sobre algumas coisas folclóricas. (Ver observação abaixo)
Hugo Chávez (Foto: Barrios TV) |
E entre as duas posições, a de princípios
de Chávez e a do Brasil, estão os demais presidentes, como Cristina (Fernández)
que decidiu que a Argentina retirasse seu embaixador. É uma grande revelação
que os governantes da América Latina se
preocupam, pois um golpe deste estilo pode se repetir em outros países. É uma
grande preocupação, já que uma vez iniciados tais golpes pode se dar um efeito
dominó. Mas como disse, à exceção do Brasil. E isto temos que anotar, porque há
gente que diz que Rousseff é progressista, que tem uma grande preocupação pela
democracia. Mas quando ocorre um fato de grande importância, toma posições de
apoio aos golpistas.
Chury Iribarne: Quando se reprimiu os campesinos paraguaios, o próprio Lugo declarou que mandou a Polícia e em seguida o Exército, para reforçar a operação contra os campesinos.
JP: Exatamente. Mas acontece que lendo comentaristas da esquerda, eles não mencionam de forma alguma a ação repressiva do Ministério do Interior paraguaio, não mencionam sequer a renúncia do ministro do Interior de Lugo logo após o massacre que deixou 17 mortos e dezenas de feridos. Foi um dos piores massacres cometidos pelo governo de Lugo e depois toda a esquerda fala somente sobre o golpe de Estado, sem levar em conta as políticas de Lugo, o desprestígio do seu governo, coisas como o massacre que facilitaram o golpe.
Por essa razão, isto é um aviso a todos os governos progressistas na América Latina, de que não se pode construir nada progressista em aliança com a oligarquia, com os latifundiários, os donos de grandes plantações… É um mito.
Agora o podemos ver na Bolívia, onde há um levantamento de polícias, sub-oficiais, que pedem um salário mínimo de 287 dólares, que não é uma grande reivindicação, mas a política fiscal conservadora com 13 bilhões nas reservas do Banco Central, em vez de atender às reivindicações se pôs contra falando em golpe de Estado.
As medidas da polícia são extremas, são violentas, e podem provocar consequencias muito negativas. Evo Morales deve deixar de gritar “lobo” toda vez que haja um protesto de professores, campesinos, mineiros ou agora a polícia. Isso de gritar “golpe, golpe” cada vez que se enfrenta um protesto, não dá resultado porque um dia o golpe pode ocorrer e ninguém vai acreditar.
Melhor é refletir sobre toda a política de rendas e salários. Quando a Bolívia tem ganho tantos milhares de milhões com a venda de minerais e energia, deve repensar a política de rendas e aceitar subir o salário de policiais a 287 dólares e não apenas dar migalhas com aumentos de 7%. Não se pode viver assim. Creio inclusive que vão se multiplicar os protestos, não vão ser só os policiais.
Agora, isso pode ser aproveitado pela direita ou pela ultradireita para explorar essas debilidades do governo junto aos setores populares, e aproveitar para orientá-las no rumo de seus próprios objetivos. Não há dúvida de que a direita pode meter-se no protesto policial, porém a forma de evitar isso não é gritar “golpe, golpe”, e sim repensar a política social do governo.
Dizem que aumentam os salários, mas diante dos recursos que recebe cada ano a Bolívia pela venda de estanho, cobre, ouro, etc, é proporcionalmente pouco o que se investe em melhoria salarial e isso cria vulnerabilidades em duas frentes: a direita e os movimentos populares. A essa combinação poucos governos podem resistir, como o caso de Lugo o demonstra.
CI: Se pode falar de novo modelo do império para derrubar governos que não querem? Por exemplo, o que ocorreu com a primavera árabe ou este golpe parlamentar no Paraguai.
JP: Mas isso não é novo, lembre que o golpe de Estado no Uruguai começou com (Juan María) Bordaberry, que foi um presidente eleito e que aproveitou seus poderes legislativos e executivos para terminar com a democracia e iniciar a repressão militar, assassinatos e torturas. Não é acidental.
A mesma coisa na Argentina, no ano de 1974, dois anos antes do golpe de Estado, a senhora Perón (Izabelita) lançou com “la Triple A” (AAA/Aliança Anticomunista Argentina, semelhante, no Brasil, ao CCC/Comando de Caça aos Comunistas) uma série de assassinatos e torturas, repressão feroz contra todos os setores populares. O que se chamou de “golpe branco” foi realmente o começo do golpe de Estado, com a característica de manter a fachada parlamentar, mas inserido nisso estava a política de militarização e repressão.
Chury Iribarne: Quando se reprimiu os campesinos paraguaios, o próprio Lugo declarou que mandou a Polícia e em seguida o Exército, para reforçar a operação contra os campesinos.
JP: Exatamente. Mas acontece que lendo comentaristas da esquerda, eles não mencionam de forma alguma a ação repressiva do Ministério do Interior paraguaio, não mencionam sequer a renúncia do ministro do Interior de Lugo logo após o massacre que deixou 17 mortos e dezenas de feridos. Foi um dos piores massacres cometidos pelo governo de Lugo e depois toda a esquerda fala somente sobre o golpe de Estado, sem levar em conta as políticas de Lugo, o desprestígio do seu governo, coisas como o massacre que facilitaram o golpe.
Por essa razão, isto é um aviso a todos os governos progressistas na América Latina, de que não se pode construir nada progressista em aliança com a oligarquia, com os latifundiários, os donos de grandes plantações… É um mito.
Agora o podemos ver na Bolívia, onde há um levantamento de polícias, sub-oficiais, que pedem um salário mínimo de 287 dólares, que não é uma grande reivindicação, mas a política fiscal conservadora com 13 bilhões nas reservas do Banco Central, em vez de atender às reivindicações se pôs contra falando em golpe de Estado.
As medidas da polícia são extremas, são violentas, e podem provocar consequencias muito negativas. Evo Morales deve deixar de gritar “lobo” toda vez que haja um protesto de professores, campesinos, mineiros ou agora a polícia. Isso de gritar “golpe, golpe” cada vez que se enfrenta um protesto, não dá resultado porque um dia o golpe pode ocorrer e ninguém vai acreditar.
Melhor é refletir sobre toda a política de rendas e salários. Quando a Bolívia tem ganho tantos milhares de milhões com a venda de minerais e energia, deve repensar a política de rendas e aceitar subir o salário de policiais a 287 dólares e não apenas dar migalhas com aumentos de 7%. Não se pode viver assim. Creio inclusive que vão se multiplicar os protestos, não vão ser só os policiais.
Agora, isso pode ser aproveitado pela direita ou pela ultradireita para explorar essas debilidades do governo junto aos setores populares, e aproveitar para orientá-las no rumo de seus próprios objetivos. Não há dúvida de que a direita pode meter-se no protesto policial, porém a forma de evitar isso não é gritar “golpe, golpe”, e sim repensar a política social do governo.
Dizem que aumentam os salários, mas diante dos recursos que recebe cada ano a Bolívia pela venda de estanho, cobre, ouro, etc, é proporcionalmente pouco o que se investe em melhoria salarial e isso cria vulnerabilidades em duas frentes: a direita e os movimentos populares. A essa combinação poucos governos podem resistir, como o caso de Lugo o demonstra.
CI: Se pode falar de novo modelo do império para derrubar governos que não querem? Por exemplo, o que ocorreu com a primavera árabe ou este golpe parlamentar no Paraguai.
JP: Mas isso não é novo, lembre que o golpe de Estado no Uruguai começou com (Juan María) Bordaberry, que foi um presidente eleito e que aproveitou seus poderes legislativos e executivos para terminar com a democracia e iniciar a repressão militar, assassinatos e torturas. Não é acidental.
A mesma coisa na Argentina, no ano de 1974, dois anos antes do golpe de Estado, a senhora Perón (Izabelita) lançou com “la Triple A” (AAA/Aliança Anticomunista Argentina, semelhante, no Brasil, ao CCC/Comando de Caça aos Comunistas) uma série de assassinatos e torturas, repressão feroz contra todos os setores populares. O que se chamou de “golpe branco” foi realmente o começo do golpe de Estado, com a característica de manter a fachada parlamentar, mas inserido nisso estava a política de militarização e repressão.
(...)
Assumir responsabilidades políticas
sem capacidade de cumprir o que se promete nas eleições é uma forma de suicídio
político. Isso aconteceu com Lugo. Fez promessas, chegou a presidente, se
declarou impotente frente ao Senado, termina colaborando e termina
desprestigiado e jogado fora pelo poder. É a fórmula que utiliza a direita quando
entram progressistas no governo, limitar sua capacidade de atuar, desprestigiá-los
e logo voltar ao poder.
CI: E ainda por cima semeiam um mal exemplo a seguir.
JP: Sim. A única forma de repetir e ganhar poder é como faz (o presidente da República Bolivariana da Venezuela Hugo) Chávez, quando tem o poder utilizá-lo, aplicar medidas populares que acumulam forças. Essa é a forma de continuidade, de reeleição, de conseguir mais maiorias, demonstrar que é realmente um governo. Porque o povo está acostumado com políticos burgueses que prometem todo tipo de reformas quando estão em campanha e quando chegam ao governo lhe dão as costas.
Neste sentido, a esquerda temos que demonstrar que somos diferentes, que não vamos conciliar com nossos inimigos, não vamos enganar o povo. Concretamente, se dizemos que apoiamos os campesinos, implementamos uma reforma agrária; utilizando o exército se necessário para impor a reforma agrária contra os pistoleiros dos latifundiários. Como o fez Chávez, que mandou a Guarda Nacional, por isso mais de 300 mil campesinos receberam terras, no que pese que alguns sofreram pois houve mortos, mas em geral a reforma marcha e o campo na grande maioria vai votar em Chávez, muito mais que na cidade. Ocorre o mesmo com os bairros populares, que votam em sua maioria em Chávez.
Por que 60 ou 70% dos pobres votam em Chávez? Porque seus problemas vão sendo resolvidos, receberam moradias, se implementam uma cesta barata de alimentos e tratamento de saúde gratuito. E o que fez Lugo, a exemplo de tais iniciativas? Nada. Então não podemos comparar com o que ocorreu no Paraguai, que é o oposto do que tem feito Chávez para manter seu poder na Venezuela.
(…)
CI: E ainda por cima semeiam um mal exemplo a seguir.
JP: Sim. A única forma de repetir e ganhar poder é como faz (o presidente da República Bolivariana da Venezuela Hugo) Chávez, quando tem o poder utilizá-lo, aplicar medidas populares que acumulam forças. Essa é a forma de continuidade, de reeleição, de conseguir mais maiorias, demonstrar que é realmente um governo. Porque o povo está acostumado com políticos burgueses que prometem todo tipo de reformas quando estão em campanha e quando chegam ao governo lhe dão as costas.
Neste sentido, a esquerda temos que demonstrar que somos diferentes, que não vamos conciliar com nossos inimigos, não vamos enganar o povo. Concretamente, se dizemos que apoiamos os campesinos, implementamos uma reforma agrária; utilizando o exército se necessário para impor a reforma agrária contra os pistoleiros dos latifundiários. Como o fez Chávez, que mandou a Guarda Nacional, por isso mais de 300 mil campesinos receberam terras, no que pese que alguns sofreram pois houve mortos, mas em geral a reforma marcha e o campo na grande maioria vai votar em Chávez, muito mais que na cidade. Ocorre o mesmo com os bairros populares, que votam em sua maioria em Chávez.
Por que 60 ou 70% dos pobres votam em Chávez? Porque seus problemas vão sendo resolvidos, receberam moradias, se implementam uma cesta barata de alimentos e tratamento de saúde gratuito. E o que fez Lugo, a exemplo de tais iniciativas? Nada. Então não podemos comparar com o que ocorreu no Paraguai, que é o oposto do que tem feito Chávez para manter seu poder na Venezuela.
(…)
Observação do Evidentemente: A crítica ao
governo brasileiro, neste caso, me parece exagerada. Claro que a reação inicial
do Brasil foi acanhada, mas a presidenta Dilma lembrou, logo no primeiro
momento, a possibilidade de expulsão do Paraguai do Mercosul e da Unasul. A
verdade é que Petras, com carradas de razões, tem uma posição bastante crítica sobre
as concessões à direita feitas pelos governos petistas.
Tradução: Jadson Oliveira
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