Por
Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, postagem de
19/05/2012
Chega a ser espantoso alguém ter que dizer isto.
Escrever o que vai adiante equivale a dizer que o Sol é amarelo: é imperioso
que a CPMI do Cachoeira convoque o diretor da revista Veja Policarpo Júnior
porque é imensa a suspeita de que ele tinha conhecimento de que o bicheiro
dirigia um esquema criminoso envolvendo políticos, empresários e autoridades.
É óbvio ou não? Policarpo, Veja e seus
protetores negam que o jornalista tivesse conhecimento de que sua fonte estava
cometendo crimes do porte dos que vão se tornando de conhecimento público? Se
for assim, nunca disseram.
Veja, seus blogueiros, sua direção e os meios de
comunicação que os defendem afirmam que a relação entre Cachoeira e sua
quadrilha com Policarpo nada mais era do que relação entre jornalista e sua
fonte. Ok, mas alguém leu ou escutou afirmação de que esse jornalista não sabia
dos crimes que suas fontes estavam cometendo?
A grande questão que se coloca, portanto, é a
seguinte: um jornalista pode manter relações com criminosos, sabendo que são criminosos,
a fim de obter informações sobre outros supostos criminosos? Pode esconder os
crimes de uns para obter informações contra outros?
Veja deveria ter denunciado o esquema de
Cachoeira. A única forma de a publicação se safar da acusação de cumplicidade
será negando que sabia dos crimes. Até hoje, isso não ocorreu. Essa explicação
tem que ser dada. É absurdo que queiram poupar Veja e o próprio Policarpo de
darem essa resposta à sociedade.
A questão que se coloca, repito, é a seguinte: a
relação entre Policarpo e Cachoeira durou pelo menos uma década. Em todo esse
tempo, nem o jornalista nem a Veja jamais desconfiaram de nada? É isso? Um
esquema desse tamanho, com tal ramificação, com envolvimento de uma grande
empreiteira, com nomeações mil para o governo de Goiás e a revista e seu
diretor “não sabiam”? E o que é pior: a despeito de Policarpo ser um jornalista
investigativo?
Gravações mostram que Policarpo sabia da relação
entre um senador da República e o bicheiro. O delegado da Polícia Federal
Matheus Mela Rodrigues, responsável pela Operação Monte Carlo, disse à CPMI do
Cachoeira, quinta-feira retrasada (10), que o jornalista sabia que Demóstenes
Torres e o bicheiro tinham profunda relação.
Gravações publicadas pelo site Carta Maior mostram Cachoeira
conversando com o ex-diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, e deixam
claro que Policarpo sabia da ligação do contraventor com a empreiteira. Mas,
segundo Cachoeira, Policarpo não iria divulgar nada. Está gravado.
Em um dos trechos, Cachoeira diz que Policarpo
não “colocaria em roubada” os criminosos apesar de que ele “sabia de tudo”, ou
seja, da relação de Cláudio Abreu, da Delta, com o bicheiro. Leia, abaixo, a
transcrição do grampo da Polícia Federal.
— O Policarpo é o seguinte: ele não alivia nada,
mas também não te põe em roubada, entendeu? Eu falei, eu sei, ó: “Inclusive vou
te apresentar depois, Policarpo, o Cláudio, eu sou amigo”, eu falei que era
amigo do cê de infância. E ele: “Então, ele trabalha na sua empresa”, falou
assim, “vai me contar que você tem ligação com ele”. Ele [Policarpo] sabia de
tudo. “Eu não vou esconder nada de você não, Policarpo, o Cláudio é meu irmão,
rapaz”.
Policarpo “sabia de tudo”, diz Cachoeira. Tudo o
quê? Quem disse “tudo” foi o bandido. “Tudo” inclui atividades criminosas? Essa
explicação não tem que ser dada? Como alguém pode exigir que não se peçam
explicações sobre Policarpo e Veja saberem ou não de um esquema do tamanho que
todos estão vendo?
É muito simples: se Policarpo sabia que seus
informantes estavam corrompendo, roubando e fraudando desbragadamente, há que
perguntar se Veja também sabia e por que não denunciou. Foi só para obter denúncias
contra o PT? Ora, se assim for, Veja cometeu um crime associando-se ao bandido.
Contribuiu para que continuasse delinqüindo.
Acobertar um esquema criminoso desse porte não
se justifica pelo sigilo da fonte. Esse sigilo até pode ser usado quando o jornalista
divulga informação que recebeu de um bandido, mas isso não o exime de
denunciá-lo. O jornalista não tem que contar quem lhe deu aquela informação
sobre outro esquema criminoso, mas isso não o impede de denunciar crimes de seu
informante que nada têm que ver com a informação que ele lhe deu.
Se ficar provado que Policarpo sabia que sua
“fonte” estava cometendo tantos crimes e nada disse a fim de manter a fonte
informando-o, não resta dúvida alguma de que cometeu um crime, de que foi
cúmplice do criminoso. E se Veja também sabia, idem. Não existe nenhum
advogado, nenhum juiz, nenhum especialista em código penal que negará isso.
É uma enormidade o que a grande imprensa, em um
surto de corporativismo, está propondo. A proposta é a de que jornalistas possam
acobertar esquemas criminosos do porte do de Carlinhos Cachoeira a fim de
obterem informações sobre outros supostos esquemas criminosos. E de que essa
proteção possa se estender por anos.
Assim sendo, esquemas criminosos se perpetuarão
e apenas alguns outros esquemas criminosos serão desbaratados. Ou seja: querem
dar à imprensa uma licença para ela dar outra licença a bandidos para cometerem
seus crimes. Estes bandidos-informantes seguiriam cometendo crimes gravíssimos
sem ser incomodados.
A única saída para Policarpo e para seus
empregadores é negarem conhecimento de que Cachoeira fosse um criminoso. Para
isso, terão que depor e explicarem essa questão. Todavia, se fizerem isso e
aparecerem gravações ou alguma outra prova do contrário, estarão perdidos. Por
isso a mídia não quer que Policarpo se explique na CPMI.
(Para ler “Convocação de Policarpo para depor na
CPMI divide parlamentares”, no portal Carta Maior, clique aqui).
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