LIBERDADE DE IMPRENSA


Do Blog do Paulo Costa Lima, postagem de 26/04/2012 (Reproduzido a partir do portal Terra Magazine)

Se eu tivesse um canal de notícias ia planejar a cobertura política como se fosse algo derivado da telenovela, com trama, enredo e desfecho garantido.

Primeiro gastaria mundos e fundos pra convencer o assinante de que aquilo era jornalismo sério, com repórteres-atores em Londres, Paris e Nova Iorque, agilidade de pauta, helicópteros e todo o profissionalismo possível.

Daria importância capital à qualidade da imagem. Ambientes de luxo fingindo despojamento, gente muito bem vestida. Daria preferência ao modo de vestir e de falar carioca, nada de deselegância discreta, só uma vez ou outra na cobertura da Bolsa.

Âncora com sotaque nordestino ou assemelhado nem pensar. Fala sério! Vai parecer Greenville, vão dar as notícias com uma interpretação toda equivocada. Nem mesmo gaúchos devem assumir essa responsabilidade diante do povo brasileiro.

E é claro que não me arriscaria com pardos, mestiços, sararás, japas, jurunas ou cabo-verdes… Se são maioria no país, paciência, na televisão não é assim. Talvez uma comentarista lá pelo meio da tarde, só pra não responder processo.

O povo brasileiro foi acostumado com esse padrão, desde que o mundo da televisão é mundo. Estranhariam ver seus semelhantes em posição de destaque nacional, e seria péssimo para o nível de audiência.

Faria tudo isso pelo bem da comunicação brasileira, excluindo quase toda a diversidade, mas garantindo gente fina e cativante dando notícias a toda hora com sotaque da zona sul, e comoção especial a cada tragédia da vida…

E depois, pouco a pouco, iria enxertando em cada fala, em cada escolha de pauta e de comentarista o discurso político de minha preferência, fazendo tudo parecer absolutamente natural, a mais pura técnica de neutralidade jornalística.

É só tomar cuidado para não dar espaço real para pensamentos divergentes, não deixar que vozes que se opõem a mim tenham a oportunidade de cativar o meu assinante. Vão mamar em outro lugar!

Mas tudo isso com muito cuidado, porque ninguém pode ficar convencido de estar ouvindo e vendo uma missa encomendada. O assinante deve achar que é livre. E deve ficar fascinado pela nossa performance.

Então eu mandava entrevistar líderes da oposição, pessoas do governo que detesto, editando cada frase e cada suspiro, deixando que eles falassem apenas o trivial, e realçaria qualquer deslize, qualquer coisa que pudesse parecer comprometedora.

Na verdade é muito fácil fazer isso tudo depois de algumas décadas de experiência — embora a internet esteja sendo um grande desserviço. A gente vai criando bordões, e depois de um tempo os bordões já apresentam audiência fiel, gente que acredita neles de corpo e alma.

Exigiria fidelidade de todos que trabalham na ‘equipe’. Mesmo os comentadores, que em princípio estão ali para expressar opiniões livres, devem andar em rédea curta. Ou faz o jogo ou pula fora.

Algumas coisas eu combinaria diretamente com meus aliados políticos, e a maior parte da mensagem seria dada por eles próprios, eu só garantiria o espaço. Projetaria a imagem deles e faria quase tudo para protegê-los da plebe rude.

Depois que os bordões já estiverem aceitos, a gente vai salpicando durante todo o dia. Nas entrevistas vai conduzindo as perguntas para a mensagem do bordão, e vai fingindo que não ouve o que não interessa, e bola pra frente.

Mais importante que tudo: não deixar o assinante suspeitar que existem leis regulando o que fazemos no ar, e que elas poderiam acabar com minha brincadeira.

Pois então, quando aqueles jovens radicais ou intelectuais sem rumo vierem dizer que isso é simplesmente fascismo, e que é preciso rediscutir a legislação sobre a mídia no país, nem se incomode:

Bote o seu pessoal pra fazer discursos sobre o princípio sagrado da liberdade de imprensa…

Boa noite.

Paulo Costa Lima é compositor e escritor. Pesquisador CNPq. Academia de Letras (cadeira 8 – Cipriano Barata) e Academia de Ciências da Bahia. Professor de Composição e Análise. Mestre (Univ. Illinois) Doutor (UFBA e USP).

(Quem quiser se deliciar com esclarecedores diálogos gravados pela Polícia Federal do caso Cachoeira/Demóstenes/Veja, é só acessar o blog Vi o Mundo: o que você não vê na mídia - http://www.viomundo.com.br/ . Vi o Mundo publicou a partir do site Brasil 247.





Comentários

Ernandes Santos disse…
Texto de dar inveja a Nicolau Maquiavel. Este deve ser o livro de cabeceira de Alexandre Garcia. Excelente
Anônimo disse…
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