Pronunciamento do professor Joviniano S. de Carvalho Neto na 54ª Caravana da Anistia, em Camaçari, no último dia 29, quando a Comissão Nacional da Anistia, do Ministério da Justiça, anistiou 113 petroquímicos, a maioria operadores, vítimas de repressão, após a greve de 1985. O título original é “Anistia para petroquímicos – Vitória da Verdade Histórica”. O título acima é deste blog.
“Estamos falando como presidente do GTNM (Grupo Tortura Nunca Mais), parceiro da Comissão Nacional da Anistia nas caravanas realizadas na Bahia, e como membro da Coordenação do Comitê Baiano Pela Verdade.
Nesta condição temos três considerações a fazer:
1. A primeira é sobre um aparente paradoxo. A lei que cria a Comissão Nacional da Verdade (CNV) diz que esta deve analisar as graves violações dos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Defendemos, e estamos certos, de que ela deve se concentrar no período da Ditadura Militar, isto é, de abril de 1964 a março de 1985. É neste período que se encontram as maiores lacunas a preencher, as maiores pendências. Foi a Ditadura Militar que criou, na historia do Brasil, a categoria de Desaparecidos Políticos, pessoas presas, torturadas e mortas cujas histórias ficaram incompletas – até hoje seus familiares reivindicam o direito de enterrar seus corpos. Reivindicamos, todos os comprometidos com a verdade histórica, saber como morreram. A Ditadura foi um período em que versões oficiais pretenderam esconder a verdade do que aconteceu no Riocentro, com Marighella, com Lamarca no sertão da Bahia, com os mortos do Araguaia, com os 32 baianos mortos e desaparecidos, e tantos outros casos. A Comissão da Anistia já anistiou mais de 50.000 vítimas da violência e alguns milhares ainda esperam sua decisão. Estamos certos em defender que a CNV se concentre no período da Ditadura Militar. Mas, estamos, também, certos, este é o aparente paradoxo, em comemorar esta caravana que anistiará pessoas perseguidas, depois do fim formal da Ditadura. Perseguições que começaram na década de 1980, tiveram maior impacto na repressão à pioneira greve do Pólo Petroquímico, em 1985, e que prosseguiram após este ano.
2. A segunda observação importante é que a repressão que se abateu sobre os petroquímicos nos permite lembrar que a Ditadura Militar não foi apenas militar. Ela foi apoiada por empresários e políticos que se beneficiaram da repressão aos trabalhadores e mesmo quando a Ditadura formalmente acabou, continuaram a manter posição contra os direitos dos trabalhadores; procuraram manter o, antigo, permanente e legítimo, conflito entre capital e trabalho e a própria luta democrática, dentro dos costumes da Ditadura, demonstrando traços da mentalidade escravocrata. Não foram apenas comportamentos autoritários e repressivos que se mantiveram no processo de democratização que avançou devagar no Brasil e, especialmente, na Bahia. Muitas outras lembranças da Ditadura continuam. Uma delas é a continuação, naturalização, impunidade da tortura. Um dos objetivos e responsabilidades do GTNM é ajudar a fazer funcionar, efetivamente, o CEPET – Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura na Bahia. Temos uma grande tarefa na luta pelos Direitos Humanos e pela efetiva democratização do Brasil. Hoje é momento histórico nesta luta.
3. Na Mudança do Garcia, momento de crítica e irreverência no carnaval da Bahia, saímos com vários estandartes (pirulitos). Um diz “A mentira tem pernas curtas, mas no Brasil a verdade anda devagar.” Para os petroquímicos e seus familiares, a inteira verdade sobre a repressão que enfrentaram, demorou a chegar. Mas hoje está chegando pelo esforço dos atingidos, dos seus advogados e do Sindiquímica, está chegando aqui. Aproveitamos o momento para lembrar dos advogados dos anistiados, de ontem e de hoje, aqui presentes, Augusto de Paula e Mauro Menezes que conhecemos em duas organizações que presidimos, Comitê Brasileiro pela Anistia e APUB – Associação dos Professores Universitários da Bahia. São parte da luta pela Anistia e da vitória da verdade. A existência das listas negras para excluir os trabalhadores da sua categoria é a verdade que desmente tantas desculpas e mentiras que ouviram dos que se recusavam a contratá-los, os demitiram, os perseguiram. Esta causa de tanto sofrimento hoje está sendo revelada para toda a sociedade e para a história.
A causa de perseguições, das demissões é algo que, hoje, é motivo de orgulho: a luta que mantiveram e continuam mantendo em defesa dos direitos dos trabalhadores petroquímicos”.
(O texto me foi enviado pela companheira Cidélia Argolo, do Centro de Educação e Cultura Popular – Cecup)
Joviniano Neto (primeiro à esquerda), aqui no 2 de Julho do ano passado com os companheiros de militância José Carlos Zanetti e Diva Santana, já na trincheira do Comitê Baiano pela Verdade |
(Reproduzo abaixo parte do comentário que fiz em matéria da jornalista Joana D’Arck, a companheira Joaninha, sobre as comemorações do 2 de Julho de 2008, postada aqui no Evidentemente no dia seguinte).
Uma homenagem especial aos militantes sociais e políticos. Pessoas admiráveis que aproveitam a grande festa (do 2 de Julho) para defender suas idéias, manter acesa a tocha de suas convicções, em luta, sempre, vários desde os tempos duros da ditadura militar, continuando firmes também contra a ditadura neoliberal. Penso que faço justiça ao mencionar um, como representativo, louvando a todos: o professor Joviniano Neto (da Universidade Federal da Bahia). Estava lá com um grupo de professores, como sempre esteve, defendendo o ensino público, gratuito e de qualidade. Vejo-o sempre, também, no Grito dos Excluídos, organizado pelos católicos todo 7 de Setembro. Democrata, católico, não anti-comunista. Conheço-o desde os “tempos de chumbo”, na trincheira do CEAS (Centro de Estudos e Ação Social, de padres jesuítas e leigos, 40 anos de estrada em favor do povo pobre), no movimento pela anistia, no reforço de partidos políticos. Uma figura exemplar.
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