Por Francisco Luque – De Buenos Aires (Matéria reproduzida de Carta Maior, postagem de hoje, dia 19. Veja a visão do chefe da última ditadura argentina e o apoio dos empresários e da Igreja Católica).
Buenos Aires - Em uma longa entrevista para a revista espanhola Cambio 16, o chefe da última ditadura argentina, Jorge Rafael Videla, reivindicou (defendeu) a chegada dos militares ao poder em 1976 como um ato de salvação de um país com “vazio de poder, paralisado institucionalmente e sob risco de anarquia”. Ele enfatizou o apoio prestado e a excelente relação dos militares com a Igreja Católica, assim como a colaboração dos empresários que perguntavam desesperados: “vão dar o golpe ou não”. Além disso, criticou a reabertura dos julgamentos de militares por crimes de direitos humanos, chamou o casal Kirchner de “revanchista” por impulsionar esses processos e se considerou vítima de uma vingança. “Nosso pior momento chegou com os Kirchner”.
Videla vive desde outubro de 2008 em uma cela da prisão de Campo de Maio, um antigo cárcere militar, agora sob o comando do Ministério da Justiça. Neste lugar estão acusados e condenados pela prática de crimes contra a humanidade. Antes dessa data, o ex-ditador estava cumprindo suas penas em dependências militares ou em sua casa. No entanto, uma ação movida pelas Abuelas (avós) de Plaza de Mayo, por causa do plano sistemático de roubo de bebês, fez com que perdesse o benefício da prisão domiciliar.
O ex-militar foi julgado e condenado em 1983 à prisão perpétua e perda da patente militar por numerosos crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. No dia 22 de dezembro de 2010 foi condenado à prisão perpétua em cela comum pelos fuzilamentos na unidade penitenciária de San Martín, Córdoba, ocorridos entre março e outubro de 1976.
Na entrevista, Videla interpreta e contextualiza o que, na sua avaliação, foram os fatos que possibilitaram o golpe militar de 1976. Enfatiza a crise institucional que a Argentina vivia na década dos anos 70 e acusa de “subversivos” os jovens peronistas mais radicalizados. “Esses jovens estavam armados e iam continuar pela via violenta seu objetivo de fazer a revolução”.
Para Videla, os primeiros passos que tentaram “impor ordem” à crise institucional no início dos anos 70 se deram com a criação da Triple A – Aliança Anticomunista Argentina -, dirigida por um homem de confiança de Perón, o então ministro de Bem-Estar Social, José López Rega, que organiza e se dedica a executar as ordens dadas pelo velho general e que “nem sempre se ativeram à legalidade”.
Morto Perón, assumiu sua esposa, a vice-presidente Isabel Martínez de Perón, e a situação do país piorou: “Havia um vazio de poder, paralisia institucional e risco de anarquia”. Frente a esse estado de coisas, a cidadania, dirigentes políticos e sociais pediram a intervenção das Forças Armadas”.
Para Videla, a decisão tomada pelas Forças Armadas e o terrorismo de Estado resultante do golpe não se deram sem apoio de lideranças políticas civis. Pelo contrário, disse, contou com o apoio de, por exemplo, radicais (partidários do partido político ainda hoje existente União Cívica Radical – UCR) e peronistas no poder. O então presidente provisório, após a saída de Isabel Perón, Ítalo Argentino Luder, pediu aos militares um plano para “enfrentar as ações terroristas”, aprovou as propostas mais duras e assinou o decreto para “aniquilar” essas forças. “O poder político deu aos militares licença para matar”, assinalou.
“Os decretos de Luder nos deram todo o poder e competência para desenvolver nosso trabalho, excedendo inclusive o que havíamos pedido; Luder, na prática, nos deu licença para matar, e digo isso claramente. A realidade é que os decretos de outubro de 1975 nos deram essa licença para matar e quase não seria necessário dar o golpe de Estado. O golpe foi dado por outras razões, que expliquei antes, como o desgoverno e a anarquia”.
Sobre a relação com o mundo civil, o ditador assegurou que, enquanto foi presidente, teve uma boa relação com o empresariado e a Igreja Católica. “Os empresários colaboraram e cooperaram conosco. Nosso ministro de Economia de então, Alfredo Martínez de Hoz, era um homem conhecido da comunidade de empresários da Argentina, e havia um bom entendimento e contato”, definiu. Quanto à Igreja Católica, disse que teve uma relação “excelente, muito cordial, sincera e aberta”.
A respeito de sua situação criminal, Videla sustentou que ele e outros repressores estão presos por causa do “revanchismo” e do “espírito de vingança dos Kirchner”: Alfonsín (Raúl Alfonsín, primeiro presidente eleito após a queda da ditadura) respeitou os indultos à sua maneira; Menem (Carlos) também, do seu modo, cumpriu com os indultos. E chegamos ao casal Kirchner, que fez todo esse assunto retroceder à década de setenta e vem cobrar o que não puderam cobrar naquela década”.
“Fazem isso com um espírito de absoluta revanche e, esta é uma opinião pessoal, com o agravante de que podendo fazê-lo não o fizeram em seu momento. Estes senhores eram burocratas que distribuíam panfletos e não mataram nem uma mosca na época. E isso lhes dá vergonha, claro, razão pela qual quiseram exagerar a acusação para fazer um papel de valentes em um filme do qual não participaram”.
Segundo Videla, a situação que a Argentina vive hoje é “muito parecida com a dos anos 70”. “Hoje a República desapareceu. As instituições estão mortas, paralisadas, numa situação muito pior que na época de Maria Estela Martínez de Perón”.
Tradução: Katarina Peixoto
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