EM CUBA AINDA NÃO HÁ CONSENSO SOBRE O MODELO DE SOCIALISMO QUE SE BUSCA, DIZ ESTUDIOSO


Raúl Castro defende ascensão a cargo público sem
pertencer ao PCC (Foto: Reprodução da Internet)
Julio César Guanche garante que o debate na ilha apenas acaba de começar


China, Venezuela ou Coreia do Norte são mostras de que não há receita única do conceito, assinala


Por Gerardo Arreola – correspondente do jornal mexicano La Jornada, edição de 21/02/2012


Havana, 20 de fevereiro - Em Cuba não há ainda consenso sobre o modelo de socialismo que se busca, e o debate apenas acaba de começar, garantiu hoje o ensaísta e acadêmico Julio César Guanche.


“Para só mencionar alguns, os casos da China, Venezuela ou Coreia do Norte recordam que não existe uma receita única deste conceito”, ilustrou o estudioso, escritor e advogado, agora assessor do Festival Internacional do Novo Cine Latino-americano.


Num artigo no sítio da revista Temas de Ciências Sociais (www.temas.cult.cu), Guanche observou que o modelo político era também parte do debate da reforma econômica, no sexto congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), em abril de 2011. “A formulação de um novo projeto de país supõe aprender a processar os desacordos, sem penalizar diferenças expressadas em virtude de um direito fundamental”, assinalou.


Guanche é autor de En el borde de todo (Ocean Sur, 2007), uma compilação de opiniões de intelectuais depois do discurso de 2005 em que Fidel Castro fez um chamamento pela renovação do sistema.


Em seu artigo escreveu: “Surgiu um pensamento crítico – das esquerdas – do modelo vigente e de algumas das novas políticas, oposto à dissidência, que discute problemas de representatividade a respeito da expressão da própria diversidade revolucionária. Por outra parte, apareceu uma nova oposição que se considera a si mesma como democrática liberal, com visibilidade internacional e apoio de governos e outras fontes estrangeiras que se opõem ao processo político cubano. Enfim, Cuba se move. A rota e o destino do movimento são o que sua sociedade tem em discussão”.


Guanche citou entre os temas de controvérsia “a diversidade existente na Nação, a amplitude do registro de demandas sociais, a democratização das práticas partidárias e estatais, a urgência de mecanismos de governo mais eficazes, responsáveis e transparentes, a necessidade de regularizar a proteção dos direitos da cidadania e, em resumo, a demanda pela ‘atualização’ do modelo político”. Ainda que não se reflita na imprensa nem no discurso oficial, “é impossível passar ao largo do movimento reformista da política e do alcance real das mudanças experimentadas”.


O autor mostrou estes pontos chaves da situação cubana: ao perder o monopólio na economia, o Estado o perde também na política; Raúl Castro defende a possibilidade de se ascender a cargos públicos sem pertencer ao PCC; a sociedade pede uma reforma migratória que elimine travas para entrar e sair do país; se critica a “falsa unanimidade”, mas “se continua defendendo uma doutrina de Estado que determina a existência duma vontade política única”.


Se combate a corrupção, “mas também seria revolucionário outorgar o controle sobre o processo produtivo aos trabalhadores”; há uma diferença de direitos entre os membros do PCC e a população, o que cria “uma tensão conceitual e política não resolvida desde 1976”.


Uma forma de “impedir a reprodução da burocracia como classe política”, sugeriu Guanche, seria impor limites de tempo ao exercício de todos os cargos oficiais, não apenas os de maior nível; a eleição para os cargos estatais com funções públicas; autonomia de poderes e canais para reclamação judicial contra o mal desempenho da gestão ou a violação de direitos.


Nomeado vice-presidente


O jornal oficial Granma informou hoje que foi designado vice-presidente do Conselho de Ministros o titular da Economia, o engenheiro mecânico militar Adel Yzquierdo.


O exercício simultâneo desses cargos tem sido habitual, mas a designação de Yzquierdo implica que Marino Murillo, que já ocupa uma vice-presidência, deixará de supervisionar o trabalho diário da área para dedicar-se por completo à aplicação da reforma econômica, sua tarefa desde o congresso do PCC.


A designação coincidiu com uma viagem de Murillo à China. Yzquierdo, de 66 anos, assume a autoridade completa sobre o setor num período em que o governo reforça seus controles, em parte devido a uma intensa campanha contra a corrupção oficial.


Murillo, de 51 anos, preside uma comissão com plenas atribuições para executar a reforma que, pelo contrário, busca descentralizar funções e aliviar a carga do Estado para impulsionar um setor privado.


Yzquierdo estudou na União Soviética, fez carreira castrense, foi executivo do complexo militar empresarial e chegou à chefia do planejamento econômica das Forças Armadas. Em 2009 foi designado vice-ministro primeiro da Economia e Planejamento e em 2011 ficou como titular.


Murillo passou em 2009 do Ministério do Comércio Interior ao da Economia, sendo designado vice-presidente e mais tarde ingressou no Conselho de Estado (executivo com atribuições legislativas). Dirigiu a elaboração do plano econômico 2011-2015 e os documentos da reforma. No congresso do PCC, ambos ingressaram no Comitê Central e no Politburo.


Tradução: Jadson Oliveira

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