“Me contaram há pouco este caso. Há uns 20 anos, um prestigioso jornalista de um dos diários hegemônicos da Argentina (hoje em dificuldades) está para dar a ordem de fechamento da edição do dia. Se aproxima correndo um auxiliar. Informa que acaba de morrer um famoso, querido cantor de tangos.
- Que fazemos? – lhe pergunta, preocupado. Não podemos sair sem dar a notícia.
O chefe de redação se recosta em sua poltrona, se balança um pouco enquanto pensa. Súbito e contrariado, diz:
- Mas “che”, carajo, tenho a edição quase pronta. Já fechava.
- Mas se trata de Fulano – insiste o outro. Temos que dizer algo.
O chefe de redação sorri quase piedosamente. Diz:
- Olhe, façamos assim. Feche a edição como está. Anunciamos na de amanhã. Deixemos que viva um dia mais”.
Bons tempos! diriam
Vai longe esse tempo em que os jornais tinham poder de vida e de morte. Me lembro que diziam que o dr. Ernesto Simões, dono de A Tarde, então disparado o maior jornal de Salvador-Bahia, dizia: para viver bem na Bahia, a pessoa não pode brigar com três instituições baianas – Senhor do Bonfim, A Tarde e a terceira me esqueci.
Outra do dr. Ernesto Simões: o professor Cid Teixeira, aquela simpatia de pessoa, conta que quando era repórter de A Tarde foi cobrir a morte repentina de um cara importante. Chegou pra bater a matéria, uma bomba, o cara tinha se matado. Mas o repórter não pôde contar a verdade. O cara era das relações pessoais do dr. Ernesto Simões, que decretou: “No meu jornal, amigo meu não se suicida, morre”.
Eu mesmo, que não sou tão velho assim (sem gozação!), me lembro de um colega na redação escrevendo uma matéria. Lhe assaltou uma dúvida sobre como ocorreu realmente um fato, tentou tirar a dúvida com os colegas ao redor, mas não conseguiu. Então decidiu: “Se não foi assim, vai ficar assim, porque é assim que vou escrever”.
Bons tempos! diriam.
(De Buenos Aires, publicado no Pilha Pura em 07/05/2011. O caso do “morto que viveu um dia mais” foi tirado, traduzido, do ensaio Crítica da Razão Imperial, que tem entre seus inter-títulos O poder midiático e a construção do sujeito-Outro, de autoria do pensador argentino José Pablo Feinmann).
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