MASSACRE NO PINHEIRINHO: O DESABAFO DE UMA FOTÓGRAFA


Fotos reproduzidas do blog Vi o Mundo: foram postadas logo no domingo,
dia 22, com o título "Domingo de guerra"
Por Natasha Mota (Texto reproduzido do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, de 25/01/2012)


Depois de voltar pra casa frustrada por não conseguir fazer uma foto e nenhum vídeo, concluí que nem sempre é possível fazermos aquilo que deve ser feito (ou que acreditamos que deveria ser feito, ou aquilo que temos condição de fazer).


Não consegui utilizar a única arma que tenho: minha câmera.


O que senti foi impotência diante da desumanização total.


Senti que nenhuma foto que eu fizesse seria capaz de expressar a dor daquelas pessoas e o estado de barbárie instaurado no bairro. Nenhum vídeo poderia ser fiel ao que os moradores do Pinheirinho e do bairro vizinho, Campo dos Alemães, viveram no dia de ontem (domingo, dia 22). Não me senti no direito de apontar minha câmera pros seus rostos e gravar de maneira indiferente seus depoimentos cheios de paixão e sentimento. Não dá pra ser “frio” e pensar naquela situação como algo que deveria ser comunicado e ponto, sem se sensibilizar ao extremo com a situação.


Me lembrei diversas vezes do que me disse o cartunista Latuff ao telefone pouco antes de eu sair da minha casa e ir para a ocupação, “De que adianta irmos agora pra lá? Alguma coisa deveria ser feita antes e não agora que as pessoas foram expulsas de suas casas e não vão mais poder voltar pra lá”.


E como ele mesmo lembrou, o desfecho da história não foi por falta de que se fizesse algo antes.

Mesmo assim fui pra lá. Achei que alguma coisa deveria ser feita, mesmo assim. Mas eu não consegui. É isso aí, eu não consegui…


Uma moradora me disse que eles queriam permanecer nas suas casas, pois queriam um teto para morar de maneira digna. Agora o que eles querem é conseguir pelo menos resgatar seus pertences que ficaram dentro das casas. Casas que eles nem sequer conseguem voltar e que, segundo os moradores, estão sendo arrombadas pelos policiais, que retiram os pertences e os colocam numa trouxa na porta para que os caminhões busquem e levem para um galpão. Afinal de contas, como disse um policial após a fala revoltada de uma mulher, que reclamava da demora para que se pudesse entrar para a retirada dos pertences, eles “também estão lá desde ontem” e com certeza querem terminar de desalojar as pessoas o mais rápido possível para voltar para suas casas. Enquanto isso a maioria das pessoas que não têm familiares para os abrigarem passaram a noite sob uma lona improvisada, em meio ao barro, apenas com cadeiras de plástico e sem comida e ainda por cima aterrorizadas pelos tiros (que não foram somente de bala de borracha) e bombas soltadas pelos policiais durante a noite.


Os policiais dificultavam o máximo a entrada das pessoas. Primeiro elas deveriam enfrentar uma fila enorme para se cadastrar e conseguir um papel que provasse que elas residiam ali. Depois disso cada morador deveria se dirigir a uma portaria referente à zona que sua casa estava localizada para poder entrar com o caminhão, individualmente. Detalhe: as pessoas chegavam com o endereço de suas casas no papel do cadastro, pedindo aos policiais que permitissem a entrada, o major responsável por uma das portarias dizia que a polícia havia dividido a ocupação em três áreas A, B e C e que agora não existia mais nome de rua e sim zonas e que os moradores deveriam procurar a portaria referente às suas casas. Tudo isso enquanto uma massa se aglomerava diante da portaria e uma fila de caminhões estava à espera para retirar os pertences das famílias.


Uma mulher com lágrimas nos olhos falava de como estavam tratando todos igual bichos (aliás bicho hoje em dia é muitas vezes tratado melhor que ser humano). De como tinham ficado sem comer a manhã toda até que chegasse uma comida feita como ração já no meio da tarde. Ela não conseguia entrar na sua casa pra buscar leite para seu filho e nem mesmo a certidão de nascimento da criança e seus documentos.


A única coisa que consegui fazer foi pedir a eles para encontrar quem tivesse filmado e fotografado qualquer coisa durante a invasão da polícia e publicassem na internet (embora muitos tenham tido seus celulares confiscados por estarem fotografando e filmando a ação da polícia).


Há quem diga que não se pode confiar no que se diz na internet, em redes sociais, pois a informação não é confiável. O que faz uma informação ser confiável? O que me diferencia de um jornalista da globo (além do fato desse ser um pau mandado a serviço dos interesses de grandes empresas, políticos corruptos e da manutenção da “ordem”) e de um morador do Pinheirinho? Por que o jornalista da globo diz a verdade e a minha informação ou do morador do Pinheirinho é duvidosa e/ou mentira?


Por isso não deixo nenhuma fotografia e nenhum vídeo, atestado de verdade para alguns, mas apenas o meu relato de revolta, tristeza e ódio, que poderia ser também o relato de qualquer um que quisesse e sentisse a necessidade de se expressar por meio de palavras. E nem por isso esse gesto é menos verdadeiro que uma notícia de jornal.


(*)Natasha Mota é fotógrafa.

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