Por Firas Khatib – para a revista al-Akhbar (parte da entrevista do historiador, novelista e ativista paquistanês Tariq Ali (foto), publicada com o título acima por Carta Maior em 04/11/2011. Reproduzo apenas a pequena parte que se refere aos movimentos dos “indignados”).
Firas Khatib: Há um movimento para ocupar Wall Street que exige justiça social. Qual é a relação dos movimentos esquerdistas com o que está acontecendo, e quanta esperança causa a pressão pelas mudanças?
Tariq Ali: Penso que a atual geração no mundo todo, não só no mundo árabe, mas na América do Sul e agora no Ocidente, que cresce sob a tutela da crise capitalista, está saturada. Está saturada porque vive em países sem nenhuma oposição séria dos partidos políticos. A situação aumenta agora no Ocidente, onde a forma de capitalismo que prevalece estrangula a democracia e a responsabilidade democrática. E por isso não tem oposição na Grã Bretanha. Não tem oposição nos EUA. Não tem oposição na França, Espanha ou Grécia. E são os partidos de centro-esquerda na Espanha e na Grécia que estão impondo políticas hostis como as que o Novo Trabalhismo estava preparando para impor antes que o substituísse uma coalizão na Grã Bretanha. E as políticas de Obama e Bush, políticas econômicas e políticas exteriores, mostram a continuidade da elite imperial, nada de novo.
Nesta situação na qual padecemos de uma imensa crise e na qual os governos atuais continuam como se nada acontecesse, os jovens sentem que ninguém vai ajudá-los a menos que façam algo eles mesmos. Por isso estão fazendo o que sabem fazer: marchar, manifestar-se e ocupar. É um primeiro passo muito importante, que mostra uma mudança na consciência política. Mas desse ponto se requer um salto, que é a criação de novas formações políticas. Não digo que seja fácil, mas ao menos que aconteça, esses movimentos crescerão e cairão, sem poder atingir o que querem.
FK: Você vê uma probabilidade de se criarem novas formações políticas no Ocidente?
TA: Penso que necessitará outros 20 anos. Embora pense que as pessoas aprenderam com as suas próprias experiências. As pessoas aprendem com a experiência; assim foi no Egito, sua experiência lhes ensinou que é uma situação de viver ou morrer: estamos dispostos a morrer, mas nos livraremos de Mubarak. Quando cheguem nessa etapa nos EUA e partes da Europa, vão ver diferentes perspectivas e diferentes resultados, mas não aconteceu até agora. O sistema já conseguiu se recuperar antes de protestos, e pode voltar a fazê-lo. Não se sente seriamente ameaçado por eles. O que não significa que não sejam importantes. São muito importantes, mas tem que ser vistos em longo prazo.
FK: A ocupação de Wall Street e as manifestações em toda a Europa levarão a uma nova era econômica para além do capitalismo?
TA: Lênin disse muitas coisas que as pessoas tinham esquecido, uma delas é muito importante. Disse que nunca haverá uma crise final do capitalismo a menos que surja uma alternativa. E penso que é absolutamente verdade. O capitalismo já passou antes por numerosas crises e as resolve, bem, mal, com repressão. Mas passará por elas a menos que surja uma alternativa no âmbito nacional e global. É um fato deplorável da história. Não se pode evitar esse fato, porque o sistema tem o poder. Não vê estas coisas como um desafio. Esses levantes e ocupações são extremamente importantes, e os apóio totalmente; mas sozinhos não bastam. Penso que a gente tem a responsabilidade de assinalar. Não bastam. O que mostram é muita intranqüilidade no mundo. Mostram uma nova geração que viu para além das mentiras do neoliberalismo ou da privatização, da cobiça capitalista.
Viram para além de tudo isso e, de alguma maneira, Marx é repentinamente popular, porque é a pessoa que analisou melhor o capitalismo. Inclusive seus inimigos o admitem. Têm que voltar a Marx para ver como funciona o sistema. É muito bom que as pessoas estejam lendo de novo, as pessoas começam a pensar de novo, porém, em última instância, as palavras de Lênin não se equivocam. Até que as pessoas vejam um sistema alternativo [o sistema prevalecente] sempre vencerá.
FK: Como se pode descrever o que presenciamos atualmente no mundo?
TA: Penso que agora vivemos em uma transição psicológica, política, social e cultural. Mas não é uma transição que possa se completar a menos que apareça algo novo. A noção que o capitalismo neoliberal propagou pelo mundo todo diz: pede emprestado, compra, assiste pornografia, faz o que te dê vontade, seja feliz… No entanto, todas as cifras mostram que durante os últimos 20 ou 30 anos, a doença que infecta ao máximo as pessoas no coração do capitalismo é a depressão mental. De fato, o capitalismo produz uma profunda insegurança e infelicidade, que se apresenta como depressão. Está demonstrado com estatísticas. Chega ao mais profundo desta sociedade, de modo que não resta dúvida na minha mente de que estas sociedades são corruptas e malignas, mas isso não significa que vão se desmoronar.
O século XXI vai ser, espero, um século de transição, de algo que sabemos que não funciona para algo que poderia funcionar. Não podemos predizer com segurança agora mesmo o que será, porque não há certeza neste mundo. No entanto, não penso que tenha se dado a resposta final a estas perguntas.
(*) Tariq Ali é membro do conselho editorial de SIN PERMISO. Seu último
livro publicado é The Duel: Pakistan on the Flight Path of American Power [existe tradução espanhola na Alianza Editorial, Madrid, 2008: Pakistán en el punto de mira de Estados Unidos: el duelo].
Tradução para www.rebelion.org: Germán Layens
Tradução para Carta Maior: Libório Júnior
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