OS JORNALISTAS E A LIBERDADE DE IMPRENSA

Por Renata Rossi (integrante da direção nacional do PT)

Nos últimos tempos temos ouvido vozes muito suspeitas se levantarem em defesa da liberdade de imprensa. Não falta satanás pregando quaresma toda vez que o assunto é a liberdade de imprensa. Ninguém em sã consciência, mesmo aqueles que fizeram coro com os militares usurpadores do poder, ousaria atacar essa cláusula pétrea de qualquer democracia que se respeite. Mesmo assim, tolera-se a hipocrisia em muitos discursos inflamados. Difícil de tolerar é quando um jornalista ataca a liberdade de imprensa servindo-se dessa mesma liberdade para fazer proselitismo político. Foi o que fez o jornalista Augusto Nunes na semana passada, quando produziu uma pérola em se tratando de mau uso da liberdade conquistada a duríssimas penas.


O oportunismo da matéria publicada no blog de Nunes, abrigado no site da revista Veja, resolve apontar as ações que a SPM (Secretaria de Proteção a Mulher) deveria desenvolver em relação à exploração sexual de menores em ambiente carcerário. Oportunismo porque a grande imprensa em geral fecha os olhos para questões como estas que revelam as atrocidades cometidas contra mulheres todos os dias, em todos os lugares desse país.

Dados da Central de Atendimento a Mulher - Ligue 180, coordenada pela competente Ouvidora Ana Paula Schwelm, mostram que, desde a criação do serviço, em abril de 2006, até junho deste ano, foram contabilizados 1.952.001 atendimentos. Desses, 237.271 são relatos de violência sendo que 141.838 correspondem à violência física; 62.326, à violência psicológica; 23.456 à violência moral; 3.780, à violência patrimonial; 4.686, à violência sexual; 1021, ao cárcere privado; e 164, ao tráfico de mulheres.

Os dados estão a uns poucos cliques de Augusto Nunes e de qualquer pessoa, jornalista ou não. O ponto é que os jornalistas têm a obrigação de diferenciarem-se dos não jornalistas pelo bom trato da notícia e pela apuração rigorosa das informações. Além de oportunista, a matéria é irresponsável ao afirmar que a SPM é “uma inutilizada mantida por Dilma Rousseff”. Ora, sabemos que a máquina do Estado brasileiro ainda luta para se desvencilhar da hegemonia política que não reconhece a importância da transversalidade das políticas para as mulheres, embora o Presidente Lula tenha criado a SPM ainda em 2003. Foi um passo fundamental nesse sentido, mas o pensamento anacrônico e machista de “formadores de opinião” como o blogueiro da Veja prova que ainda é pouco. Essa realidade, portanto, não justifica considerar este avanço institucional como inútil.


Ao contrário, é preciso reforçá-la como instrumento de formulação de políticas que atendam a nada menos que mais da metade da população brasileira, formada por mulheres.


Por fim, causa indignação a tentativa de creditar diferenças entre a Ministra Iriny Lopes e Gisele Bundchen por seus atributos físicos. No caso em análise, o blogueiro reincide no expediente machista que reforça o estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual, como afirma a Ministra. Ela acertou ao recorrer ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Públicitária, o Conar.

É preciso combater a exploração sexual de jovens, sim. Mas é preciso também enfrentar a violência doméstica, a violência psicológica, o tráfico de mulheres, o cárcere privado, a violência sexual, a violência patrimonial, o sexismo, e o aviltamento da condição da mulher como sujeita plena de direitos.

Por fim, o registro de um pesar muito franco ao ver a liberdade de imprensa servir à perpetuação de preconceitos e brincadeiras de profundo mau gosto e pouca graça, como a velha história dos dois neurônios. Incomoda aos machistas a idéia de ver uma mulher competente e de pulso forte governar o Brasil. O blogueiro expõe-se ao ridículo ao afirmar que a presidenta Dilma não sabe lidar com mais de um assunto por vez. Decididamente, nem o mais ferrenho adversário diria bobagem tamanha. Se há escassez de capacidade intelectual, certamente o problema não está no Palácio do Planalto, mas textos como este de Augusto Nunes sugerem que a escassez afeta algumas grandes redações. A falta de vontade de informar corretamente, mais que a falta de inteligência, é uma ameaça à liberdade de imprensa.

(Artigo publicado por sugestão da jornalista Joana D’Arck, a nossa Joaninha, do blog Pilha Pura).


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