EMIR SADER: O “VOCABULEROLERO” DA VELHA MÍDIA


Do Blog do Emir Sader (Reproduzido do blog Vi o Mundo, de 20/10/2011)


Aqui algumas indicações sobre como ler a velha mídia. Nada do que é dito vale pelo seu valor de face. Tudo remete a um significado, cuja arte é tratar de camuflá-lo bem.


Por exemplo, quando dizem liberdade de imprensa, querem liberdade de empresa, das suas empresas, de dizerem, pelo poder da propriedade que tem, de dizer o que pensam.


A chave está em fazer passar o que pensam pelo interesse geral, pelas necessidades do país. Daí que nunca fazem o que deveriam fazer. Isto é, dizer, por exemplo: “A família Frias acha que…” Ou: “A família Civita acha que…” e assim por diante.


A arte da manipulação reside em construções em que os sujeitos (eles) ficam ocultos. Usam fórmulas como: “É mister”, “Faz-se necessário”, “É fundamental”, “É indispensável”.


Sempre cabe a pergunta: Quem, cara pálida? Eles, os donos da empresa. Sempre tentar passar a ideia de que falam em nome do país, do Brasil, da comunidade, de todos, quando falam em nome deles. A definição mais precisa de ideologia: fazer passar interesses particulares pelos interesses gerais.


Quando dizem “fazer a lição de casa”, querem dizer, fazer duro ajuste fiscal. Quando falam de “populismo”, querem dizer governo que prioriza interesses populares. Quando falam de “demagogia”, se referem a discursos que desmascaram os interesses das elites, que tratam de ocultar.


Quando falam de “liberdade de expressão”, estão falando no direito deles, famílias proprietárias das empresas monopolistas da mídia, dizerem o que bem entendem. Confundem liberdade de imprensa com liberdade de empresas – as deles.


No “vocabulerolero” indispensável para entender o que a mídia expressa de maneira cifrada, é preciso entender que quando falam de “governo responsável”, é aquele que prioriza o combate à inflação, às custas das políticas sociais. Quando falam de “clientelismo”, se referem às políticas sociais dos governos.


Quando falam de “líder carismático”, querem desqualificar os discursos dos lideres populares, que falam diretamente ao povo sobre seus interesses.


Quando falam de “terrorismo”, se referem aos que combatem ou resistem a ações norte-americanas. “Sociedades livres” são as de “livre mercado”. Democráticos são os países ocidentais que têm eleições periódicas, separação dos três poderes, variedade de siglas de partidos e “imprensa livre”, isto é, imprensa privada.


“Democrático” é o país aliado dos EUA – berço da democracia. Totalitário é o inimigo dos EUA.


Quando dizem “Basta” ou “Cansei”, querem dizer que eles não aguentam mais medidas populares e democráticas que afetam seus interesses e os seus valores.


Entre a velha mídia e a realidade se interpõe uma grossa camada de mecanismos ideológicos, com os quais tentam passar seus interesses particulares como se fossem interesses gerais. É o melhor exemplo do que Marx chamava de ideologia: valores e concepções particulares que pretendem promover-se a interesses da totalidade. Para isso se valem de categorias enganosas, que é preciso desmistificar cotidianamente, para que possamos enxergar a realidade como ela é.


Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.

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