Por Eric Nepomuceno, da Cidade do México (Reproduzido de Carta Maior, de 02/09/2011)
Como parte de uma inusitada turnê pelos Estados Unidos, Pablo Milanés (foto) se apresentou para pouco menos de quatro mil pessoas no sábado, 27 de agosto, em Miami. A extensa turnê inclui espetáculos em Washington, Nova York, Boston e San Juan de Puerto Rico, a ensolarada colônia que os Estados Unidos mantêm disfarçada de ‘estado livre e associado’. Se ter Pablo Milanés cantando em território norte-americano já soaria surpreendente, muito mais foi ter sua voz ecoando em Miami. O outro grande ícone da Nueva Trova, Sílvio Rodríguez, bem que tentou, há algum tempo. Mas teve que se contentar com Orlando, a 400 quilômetros de distância, onde a comunidade de cubanos exilados é importante mas está longe de ter o mesmo peso da de Miami.
Essas tentativas de aproximação entre cubanos da Ilha e do exílio enfrentam, invariavelmente, a irremediável resistência dos principais líderes dos cubanos instalados na Flórida. Agora mesmo, na véspera da apresentação de Pablo Milanés, o prefeito de Miami-Dade, Carlos Jiménez, cubano de nascimento, se opôs tenazmente à realização do espetáculo, que só aconteceu, diz ele, porque não havia como impedir.
Uma pergunta paira no ar: por que Pablo sim e Silvio não? Aparentemente mal intencionada, a pergunta se justifica. Afinal, há anos Pablo Milanés se distanciou de seu antigo parceiro de Nueva Trova e vem criticando de forma cada vez mais contundente os rumos do governo de Havana. Teria passado para a dissidência?
A resposta é clara: apesar de sua contundência, Pablo continua tendo Cuba como base. Passa longas temporadas fora do país, principalmente na Espanha, mas reitera sua condição de militante revolucionário. Suas declarações a favor do entendimento entre os cubanos da ilha e os de fora se sucedem sem tréguas, e ele insiste em dizer que defende um ‘entendimento cultural, histórico e sentimental’.
Há, dentro do governo cubano, vários setores dispostos ao debate e à negociação. Mas continua prevalecendo o poder dos que entendem qualquer diálogo como ver-se frente a frente com o inimigo. Como demonstração de fraqueza.
Essa é, pois, a disputa travada em Cuba, entre os que defendem um arejamento da Revolução consolidada e institucionalizada e os que impõem afiadas barreiras burocráticas para impedir o estabelecimento de espaços de liberdade e troca de opinião. Entre os que querem abrir sem sair da Revolução e os que acham que qualquer abertura poria essa Revolução em risco terminal.
Para quem segue de perto o que se vive em Cuba ao longo das últimas três ou quatro décadas é certamente duro ouvir Pablo Milanés dizendo ‘fui fidelista, mas já não sou’. Esse impacto, porém, se ameniza um pouco quando ele declara, na Miami do exílio, que continua ‘revolucionário de esquerda, progressista, tolerante e capaz de ouvir todas as tendências e respeitá-las’. Oxalá haja gente em Cuba também capaz de ouvi-lo e respeitar sua voz certamente dissonante – mas não dissidente.
Há mudanças que devem ser reclamadas e defendidas para que as coisas não tornem a ser como eram antes de 1959. Para que seja possível continuar sendo revolucionário de esquerda, progressista – e tolerante. Como, aliás, a Revolução foi feita para ser.
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