Javier Sicilia, líder do Movimento Nacional pela Paz com Justiça e Dignidade: "Acredito que já é o tempo dos homens que se unem para transformar algo" (Todas as fotos são reprodução da Internet) |
Continuação da postagem anterior: entrevista reproduzida do sítio da Telesur (TV Telesul),conforme publicação de 17/05/2011.
Um dos autores da Lei de Segurança Nacional é o secretário da Segurança Pública e se lhe deu uma quantidade imensa de dinheiro e não temos um melhor país. Temos 40 mil mortos, não vai mudar nada a situação, porque é muito grave, com a renúncia de Genaro García Luna, mas podia ser uma mensagem de boa vontade do presidente para se saber que está disposto a discutir em outros termos, sem deixar de ver a parte que tem a ver com o Exército e a polícia, mas ampliá-la e repensá-la não seguindo nesta lógica da violência do Estado. Num Estado tão podre como o nosso, que só está alimentando a violência dos criminosos e que no centro estamos os cidadãos cada vez mais vitimados, com mais mortos e com mais dor. Neste sentido, estão unidas as duas propostas, mas não é um condicionante.
A muita gente surpreendeu e a mim mesmo me surpreendeu, eu não pensava dizê-lo, alguns membros do movimento não compartilham esta posição de pedir a renúncia do secretário, mas no meu caso e no caso de alguns a surpresa foi porque antes já se estavam ouvindo uns casos de vínculos entre a polícia e o narcotráfico.
No caso de meu filho também há esses elementos (…), mas, como disse, o importante não é a renúncia de Genaro Luna, o importante é o pacto, o importante é ter consciência de que temos que refazer o país.
AG - Falando de refazer o país, desde que o senhor fez essa convocação no Zócalo Capitalino, a convocação ao pacto nacional, surgiram em alguns meios de comunicação algumas críticas ao que o senhor propôs. Alguns deles que são afinados com o governo disseram que sua proposta favorece ao narco porque o senhor só está responsabilizando o governo pela violência que assola o país.
JS - É muita besteira pensar isso e é uma mostra do alzheimer social e do alzheimer jornalístico. Um grande filósofo, Charles Péguy, dizia que não há nada mais velho do que o jornal de ontem. Se esquece que a primeira convocação, a primeira mobilização que aconteceu em Cuernavaca se abriu com “Estamos hasta la madre”, um artigo meu, Carta aberta aos políticos e aos narcotraficantes.
Eu lhes dizia, inclusive na minha primeira coletiva de imprensa, lhes dizia que parassem, que voltassem a seus códigos de honra porque devem haver códigos éticos, nas mesmas máfias os havia e a resposta foi evidente. Agora, se o interlocutor não é o Estado, cuja função é dar a segurança, então simplesmente eliminamos o Estado e fazemos uma autogestão cidadã e vemos como enfrentamos o crime. Então o Estado já não existe, então que já não nos peçam impostos, que não nos peçam eleições, é uma contradição.
Com quem a gente vai conversar, quem é o interlocutor, o Estado ou os narcotraficantes?
Os narcotraficantes já nos responderam, que nos responda o Estado, cuja função é a segurança do país, cujas instituições não estão funcionando, então que nos digam qual é a lógica e como se move num alzheimer social. Estes opinadores, porque não são analistas, que trazem más ideias, parece que falam deles e não de mim.
AG - Falando de responsabilidades se diz que o governo é responsável por esta violência, mas também é uma responsabilidade compartilhada com os Estados Unidos, porque os Estados Unidos não fazem os controles para que as armas que matam aqui os mexicanos não cheguem ao México.
Essas armas chegam ao país e armam os delinquentes e nós temos uma guerra e eles também têm chefes, muitos dos chefes que operam aqui estão lá e eles não têm uma guerra. Eu creio que o grande problema é que precisamente se tem que pensar que a droga não é um problema de segurança nacional, é um problema de saúde pública como o álcool.
Se começamos a olhar assim e metemos os narcotraficantes nas leis férreas do mercado, então vamos amenizar de alguma maneira o problema e se pode começar a atacar a delinquência organizada em seus níveis verdadeiramente criminais, como é o tráfico de pessoas, a prostituição infantil, como são muitas coisas fruto da diversificação do crime organizado, mas a droga deveríamos tirá-la daí.
E os grupos norte-americanos conscientes deveriam também exigir de seu governo que mude sua política frente ao problema das drogas e que mude sua política frente ao México no tema do armamento. Como vão controlar essas armas que entram no México?
De fato nesta caravana que estamos tratando de fazer rumo à Cidade Juárez, estamos pedindo aos mexicanos que tiveram que fugir da Cidade Juárez, mas também às organizações civis norte-americanas, que façam uma caravana também de regresso apoiando-nos, também com demandas ao governo norte-americano. Então creio que é um problema muito complexo, um problema que temos que resolver. É um problema muito complexo, o qual tem que ser pensado a partir de perspectivas mais sadias, mais republicanas, mais civilizadas. Eu falo a partir de realidades espirituais e morais e isto implica que a gente tem que aceitar males menores. A droga é um mal menor e teríamos que aceitá-lo, teríamos que legalizá-lo aceitando que é um fracasso do Estado e da sociedade, que não pudemos construir esse tecido moral que pudesse impedir a droga.
Os zapatistas se solidarizaram com o poeta Javier Sicilia e seu movimento contra a violência |
AG – O senhor foi considerado por muitos como o poeta da palavra convocante, há muita indignação no país não só contra a violência, mas também contra os partidos políticos. Seu movimento vai incrementar esta luta contra a violência no país ou vai tomar outros rumos?
JS - Não sei, pois é um movimento cidadão, começam a emergir os atores. Eu sou como uma voz convocante, creio que apesar de que já não vou escrever poesia sigo sendo um poeta. A gente não pode renegar sua natureza e o poeta, já o dizia Hector Mallarmé, grande poeta francês, como a voz da tribo, no plano cidadão seria a voz cidadã.
Sou um convocante porque sou uma voz poética, mal ou bem a poesia convoca à comunhão, faz a comunhão, fala do melhor, do humano em sua forma de ser numa determinada tradição ou num determinado país e eu queria continuar sendo isso, uma voz da tribo, uma voz convocante, eu quero seguir sendo isso, porque não tenho interesses políticos, tenho interesses morais e espirituais.
Nesse sentido convoco o ethos de uma nação que encontrou nesta voz um poeta, a forma na qual se expressa o ethos e a ética e a vida fundamental, espiritual, humana da nação que quer refazer a vida política, uma vida política sem ética é um inferno como o estamos vivendo agora.
AG - Poeta, o poeta não morre, a poesia não morre, porém, o que vai ser este movimento, que não morra, que hoje em dia tem tanta força e tanto apoio popular?
JS - Depende da cidadania, da boa vontade da classe política, depende de que a cidadania entenda que a soberania está nela e não na classe política, que tenha instrumentos para exigir, fiscalizar e punir uma classe política que até o momento somente viveu para reproduzir poder, interesses e não para servir à nação. Mas, eu simplesmente seguirei sendo, até onde possa, até onde as pessoas queiram, uma voz que assinala onde há uma luz, mas todos temos que caminhar rumo a ela. Acredito que já não é o tempo dos homens providenciais, acredito que já é o tempo dos homens que se unem para transformar algo.
Tradução: Jadson Oliveira
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