DO LUTO À LUTA: O LIVRO É UM GRITO

(Texto e fotos reproduzidos do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, postagem de 11/05/2011)

No dia 12 de Maio de 2006, há exatos 5 anos, a vida de muitas de nós começava a mudar radicalmente: tivemos nossos filhos tirados do nosso convívio familiar violentamente por agentes do Estado Brasileiro e por Grupos de Extermínio ligados a ele durante os terríveis Crimes de Maio. O nosso movimento, de Mães, Familiares e Amig@s de vítimas do Estado, surgiria infelizmente a partir deste trágico episódio.


Ao completar 5 anos, é óbvio que não poderíamos deixar de lembrar nossos tão queridos filhos e filhas. Eles têm estado e seguirão Presentes conosco! Ontem, Hoje e Sempre!


Por ocasião do Aniversário dos 5 Anos dos Crimes de Maio, e da união com tantas outras lutas e movimentos contra o mesmo Genocídio, nós estamos vindo aqui convidar vocês para uma série de importantes atividades. Uma semana inteira repleta de Homenagens, Protestos, Lançamento de Livros, Exibição de Vídeo, Lutas e Poesias!


Caso se interessem, vocês podem conferir a PROGRAMAÇÃO COMPLETA DESTA SEMANA DE LUTAS NO BLOG DAS MÃES:


http://www.maesdemaio.blogspot.com .


Nessa programação, faremos uma ATIVIDADE ESPECIAL NA QUINTA-FEIRA (12/05), QUANDO SE COMPLETAM EXATOS 5 ANOS. Neste dia LANÇAREMOS O LIVRO “MÃES DE MAIO – DO LUTO À LUTA”.


Na sexta-feira (13/05) nos juntaremos ao 13 de Maio de Luta Contra o Genocídio do Povo Negro.


Compartilhamos abaixo com os leitores do Passa Palavra, em primeira mão, a apresentação deste nosso livro.


Boa leitura, e aguardamos tod@s vocês nas atividades desta semana de luta!


O Livro é um Grito

Ei, Você, Leitor ou Leitora: Tudo Firme?


Seja Bem-Vindo ou Bem-Vinda a este Livro!


Você vai começar a ler a partir de agora um Livro diferente do quê se está habituado a ver por aí, a se comprar, a se ler… Isso quando temos condições e tempo para ler, não é?


Este Livro não é daqueles que late e não morde. Este livro Grita. Este Livro é Não. Nosso currículo é nosso pé, nossa mão, nossa história! Este Livro na verdade é um Grito muito Forte e Sincero, arrancado de lá do fundo da nossa alma, de cada uma de nós: do Luto à Luta!


E por que ele é um Grito de Luto? Por que ele é um Grito de Luta?


Nêgo, Nêga: seria simples explicar, se não fosse Tão Difícil fazer-se entender…


Esse Livro é uma conquista, a muitas duras penas, de um Movimento de Mães Guerreiras: as Mães de Maio da Democracia Brasileira. Uma conquista de Gente Humilde, de Pessoas Trabalhadoras, Anônimas, Guerreiras de um pequeno coletivo que têm em comum duas coisas fundamentais: 1) Nós não somos ricas, não exploramos ninguém, nem ocupamos nenhum cargo de poder; 2) Nós tivemos os nossos filhos ou filhas tirados violentamente do nosso convívio familiar por agentes do Estado Brasileiro e/ou por Grupos de Extermínio ligados a ele, os quais no auge do dito regime democrático decretaram sumariamente a pena de morte de nossos filhos por os considerarem “suspeitos”, descartáveis. Agentes que julgaram, decretaram e executaram a pena capital ali, nas quinas das esquinas. Essas mesmas Bestas que seguem caminhando impunemente pelas esquinas daqui e dali, aqui e agora.


Talvez três coisas em comum: 3) Nós também decidimos que isso não iria passar, nem ficar assim: a partir da nossa Dor, do nosso Encontro e da nossa União – iniciada por três mães da Baixada Santista -, decidimos que Lutaríamos e Lutaremos pela Memória, pela Verdade, pela Justiça e por Liberdade, não apenas de nossos tão amados Filhos e Filhas, mas por toda a Sociedade. Uma sociedade verdadeiramente sitiada, uma ditadura perpetuada que vitimou nossos filhos, cuja Memória e Inspiração são nosso alimento cotidiano para lutar por uma verdadeira e melhor Coletividade: Para Tod@s!


Seria um simples livro, se não fosse uma Batalha Difícil, uma Gritaria todos os dias, Compa Leitor ou Leitora, contar às pessoas que nosso movimento surgiu a partir dos terríveis Crimes de Maio, quando entre os dias 12 e 20 de Maio de 2006, apenas no estado de São Paulo, a polícia e grupos de extermínio ligados ao Estado assassinaram mais pessoas do que ao longo de toda terrível Ditadura Civil-Militar assassinou no Brasil inteiro, durante seus mais de 20 anos de vigência…


Sim, Companheiro: Muita gente ainda não tem a menor idéia que esses dez dias foram um pesadelo real e que, de alguma maneira, segue acontecendo cotidianamente pelas periferias, pelas comunidades pobres e bairros simples do país… A polícia extorquindo, torturando, prendendo e matando… Famílias sendo destruídas por agentes do Estado e do Dinheiro. Todos os dias… Sobretudo contra a população Pobre e Negra.


Ora, quem foi que deu grande importância – se não meia-dúzia de “loucos” e “loucas” como nós, que já vivemos o drama na pele – ao terrível dado de que entre os anos de 1998 a 2008, no Brasil, mais de 500.000 pessoas foram assassinadas – sendo grande parte delas executadas por agentes do Estado Brasileiro? Sim, Nêga: estes são dados oficiais, do “Mapa da Violência no Brasil” divulgado em 2011 pelo insuspeito Ministério da Justiça. Um país que, mesmo diante destes números terríveis de genocídio, segue aceitando como legítima a alegação de policiais assassinos que colocam a rubrica “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte” para justificar o quê, na prática, é uma verdadeira “licença para matar” pessoas pobres, pretas e/ou anônimas. Aquelas que eles são pagos para controlar, para aterrorizar, e para descartar quando bem entenderem.


Nunca é demais repetir: apenas entre os dias 12 e 20 de Maio de 2006 foram mais de 500 pessoas assassinadas no estado de São Paulo, na maioria jovens que hoje constam como mortos ou desaparecidos – e bastaria que tivesse sido apenas um! -, dessas Tantas Histórias da onde surgiram as Mães de Maio, Guerreiras Incansáveis que Somos.


A impunidade histórica é tamanha, e a licença para matar é tão escancarada que os Capitães do Mato da atualidade acharam que poderiam matar mais de 500 jovens pobres e negros num curtíssimo espaço de tempo, especialmente nas periferias de São Paulo, em Guarulhos e na Baixada Santista, e que todo mundo iria ficar quieto e aceitar a versão oficial deles, da elite, de que todos os mortos teriam merecido morrer pois eram “suspeitos”, “bandidos”, “do PCC”. Logo o Estado, que é o Crime Organizado em Pessoa, vem taxar os nossos filhos de “suspeitos” ou “bandidos” e, além do mais, decretar sumariamente a “pena de morte”, em flagrante contradição com as suas próprias leis?!


Que moral tem este Estado e seus agentes para falar de quem quer que seja?! Ainda mais de Nós e de nossas Famílias de Trabalhadores?! O quê os seus agentes conheciam da história, das famílias e das trajetórias dos meninos e meninas mortos nas ruas a esmo, simplesmente por serem pobres e pretos, ou por estarem “na hora errada no local errado”?! Qual o critério para se taxar, julgar e se decretar a pena de morte a quem quer que seja?! Até que ponto eles acham que podem chegar tirando seus próprios “cidadãos” de otários, de imbecis – como fazem desde os tempos da colônia e da escravidão?! Será que eles acham que a população comum, o povo pobre, negro, das periferias, a maioria da sociedade, enfim, nunca vai se rebelar frente a tanta violência e mentira?!


Neste caso se enganaram!!! Os Crimes de Maio foram o limite do absurdo! Ultrapassaram todos os limites imagináveis! E muita gente começa a acordar: o maior massacre cometido na história contemporânea do Brasil!


E deste trágico limite, ao menos, felizmente, nasceu o nosso Movimento de Mães, que se encontrou com outra maravilhosa Rede Contra Violência no Rio de Janeiro – já existente antes de nós, de Mulheres e Homens Guerreiros como nós – vítimas nos morros cariocas dos mesmos agentes do Estado Brasileiro -, além de companheiros da Bahia, do Espírito Santo, de Minas, do Pará: todo mundo vivendo a mesma situação, do Luto à Luta contra o Terrorismo do Estado. Da Revolta à Consciência, à Organização!


Hoje, nós Mães de Maio apresentamos o nosso primeiro Livro, o nosso primeiro Grito em páginas impressas, sem intermediação de outras falas e outros pseudo-representantes que nunca sentiram o quê nós sentimos na pele esses anos todos – mas que sempre fazem questão de se apresentar como nossos porta-vozes. Não queremos ninguém falando pela gente: queremos aprender errando, se corrigindo, melhorando, se enfando, ouvindo, gritando, acalmando, indo de novo pra cima, refletindo, compartilhando, se fortalecendo… Com os nossos! Este Livro é o nosso Grito, nosso primeiro Livro-Grito, e até por ser nosso e por ser primeiro, fazemos questão de Tudo – dos acertos, dos erros, dos nossos parceiros, dos poetas e parceiros que convidamos, das ilustrações, do limite de espaço, e de grana, da nossa correria pra fechá-lo, da ausência de bacanas – em meio a novas chacinas na Baixada Santista, as tretas nossas de todos os dias -, da vida louca que nos obrigam a levar…


Eles que nos matam-vivas todos os dias, e fazem questão de não nos escutar. Mas nós insistimos em Gritar! E insistimos em sorrir também! Não vão tirar isso da gente!


Este Livro é um Grito, Mais Um Grito Nosso. E nós também rimos da cara deles, para o seu desespero…


E se eles se fazem de surdos e de rogados… E se muitos dos nossos insistem em não acordar, resignados… E se muitos dos nossos ainda se perdem em muitas picuinhas e competições bestas, mesquinhas, disputando holofotes e espaços… Nós depois que passamos a nos organizar e a lutar, pouco a pouco, passo a passo, somos e seremos cada vez mais gritantes, incansáveis. “Coração em chamas e os punhos cerrados!”


E o Tempo é Rei, Nêga: dessa Luta acreditamos que pode nascer Outro Dia, outro tipo de sociedade aonde falaremos, aonde escutaremos, aonde seremos realmente escutadas. Aonde pensaremos e construiremos as coisas juntas, principalmente o Amor. E poderemos assim decidir sobre as nossas Vidas, Vivas-Vidas, como os nossos Filhos e Filhas, roubados de nós pelo Estado, deveriam ter tido a Liberdade de decidir, de ir ou vir, e de Viver-Feliz. Eles seguem e seguirão conosco! Presentes! Agora e Sempre!


Não: certamente a sociedade em que vivemos e sobrevivemos – sociedade dominada pelo dinheiro, pelas armas, pela polícia e pelas hierarquias de poder – certamente ainda não estava preparada para Ouvir toda nossa Revolta. Não estava preparada para nossa Presença… Sentimos isso no cotidiano de nossas incansáveis Lutas… Surdos-Vivos… Porém, nós não desanimamos…


Por isso Gritamos, muitas vezes. Para ouvir tudo o que Desejamos Falar. Por isso buscamos palavras, entre erros e acertos. Nossas Palavras. Por isso chegamos nesse nosso primeiro Livro.


Do Luto à Luta ao Livro! À Liberdade!


Mães de Maio, Mães de sempre


Uma Boa Leitura para Vocês!


(*) Texto das Mães de Maio, reproduzido do sítio PassaPalavra.

(Comentário de Jadson: Está aí um produto genuíno da nossa democracia. É uma voz estranha, dissonante, assustadora, mas é do mundo real, uma voz que sai lá do fundo da grande maioria do povo brasileiro. Para quem não se lembra: esses assassinatos de maio de 2006, em São Paulo, foram o resultado da resposta da polícia paulista quando dos ataques às instalações da PM e outros atos violentos, como queima de ônibus, atribuídos ao Primeiro Comando da Capital - PCC).


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