Do jornal Página/12 (Reproduzido de Carta Maior, de 01/04/2011)
Automotores Orletti era uma velha casa de dois andares com uma fachada similar a de uma oficina mecânica, que foi alugada por agentes do Serviço de Inteligência do Exército argentino (SIDE) para ser base operativa da chamada Operação Condor, desenhada por ditaduras latino-americanas para perseguir opositores políticos. Hoje o prédio é conservado como “lugar recuperado para a memória”.
Pelo centro clandestino passaram argentinos, uruguaios, chilenos, peruanos, bolivianos e cubanos. Entre as 65 vítimas (fazem parte deste julgamento terminado no dia 31 de março, vítimas do Plano Condor, coordenação repressiva das ditaduras sul-americanas, inclusive a brasileira) há 18 desaparecidas: dez são argentinas, três uruguaias, duas cubanas, duas argentinas sequestradas na Bolívia e uma chilena. Outros seis argentinos foram assassinados.
Após nove meses de audiências, o tribunal condenou o general Eduardo Cabanillas, que foi o chefe do centro, a prisão perpétua; a 25 anos de prisão os agentes da SIDE Eduardo Ruffo e Honorio Martínez Ruiz, e a 20 anos de prisão Raul Guglielminetti, ex-integrante do Batalhão 601 de Inteligência do Exército.
O tribunal considerou o chefe militar como “partícipe necessário” e responsável por cinco homicídios, 29 privações ilegais de liberdade e outros crimes. Ruffo e Martínez Ruiz foram condenados por 65 sequestros e 60 casos de maus-tratos cada um. Guglielminetti, aliás major Guastavino (apelido ou codnome), foi condenado por 25 sequestros e 21 casos de torturas, em todos os casos agravados pelo fato se tratarem de ex-funcionários públicos.
De acordo com a investigação realizada pelo juiz federal Daniel Rafecas, responsável pela megacausa envolvendo o Primeiro Corpo do Exército, pelo centro passaram cerca de 300 pessoas que ficaram à disposição do organismo de inteligência. Entre elas, um grupo de cidadãos uruguaios sequestrados para roubar-lhes 10 milhões de dólares, dinheiro que foi repartido entre o SIDE e o grupo de tarefas que interveio no operativo, incluindo interrogadores uruguaios.
Esta circunstância explica que o julgamento tenha sido transmitido ao vivo pela TV no Uruguai. Foi assistido na embaixada argentina em Montevidéu. Na sala de audiência, junto ao subsecretário de Direitos Humanos, Luis Alem, estava a cônsul geral do Uruguai na Argentina, Lilian Alfaro. Por Orletti passaram, entre outros, o filho do poeta Juan Gelman, Marcelo Gelman, que apareceu assassinado dentro de um tambor de cimento no canal San Fernando, e sua esposa Maria Claudia Iruretagoyena, levada ao Uruguai para dar à luz a Macarena, a filha de ambos, antes de ser assassinada.
A criação deste centro já havia sido decidida no final de 1975 pelo general Otto Paladino, então chefe da SIDE e um dos fundadores da Aliança Anticomunista Argentina (Triple A), para que fosse operado pelo bando de Anibal Gordon, o grupo paraestatal de ultradireita que logo foi assimilado pela ditadura.
O coronel Rubén Visuara, falecido há apenas um mês e julgado até esse momento, foi o encarregado de mandar o agente Eduardo Ruffo buscar uma “caverna” que funcionou desde o dia 1° de junho de 1976 e que, na gíria repressiva, era conhecida como “O Jardim”. Outro dos acusados, o comodoro da Força Aérea, Néstor Guillamondegui, foi afastado do julgamento às vésperas de sua realização por problemas de saúde.
Tradução: Katarina Peixoto
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