AS CONFISSÕES NEGADAS DE ALAN GARCÍA

O JORNALISTA JAIME BAYLY REVELOU UMA CONVERSA QUE DEIXA EM SITUAÇÃO DIFÍCIL O PRESIDENTE PERUANO

Bayly assegura que o presidente lhe disse que promoveria um golpe de Estado se o candidato nacionalista Ollanta Humala ganhar a eleição de 2011. O jornalista fez estrago com uma frase de Alan: “Cuando uno es presidente ‘la plata llega sola’” (Quando se é presidente a grana chega fácil, fácil).

Por Carlos Noriega, de Lima (Peru) – Traduzido do jornal Página 12 (Argentina – edição de 12/12/10)

O escritor e jornalista Jaime Bayly colocou em apuros o presidente Alan García (foto). Na coluna que semanalmente escreve no diário Perú 21, Bayly revela trechos de um diálogo privado que manteve, neste ano mas em data que não precisa, com o presidente peruano. E o que conta deixa García muito mal situado. O jornalista assegura que o presidente lhe confessou que promoveria um golpe de Estado se o candidato nacionalista Ollanta Humala, que propõe acabar com o modelo econômico neoliberal, ganhar a eleição presidencial em abril de 2011, para evitar que assuma a presidência. Mas isso não é tudo. García havia dito também a Bayly, que no momento dessa reunião aspirava a ser candidato presidencial, que quando se é presidente “a grana chega fácil, fácil”. Frase que é toda uma confissão, e com a qual García havia tentado animar Bayly a ser candidato sem se preocupar com o salário presidencial, o qual o escritor considerava muito baixo para manter seu ritmo de vida.

O revelador diálogo entre Alan García e Jaime Bayly ocorreu durante um jantar na casa do jornalista, que então conduzia um programa diário na televisão peruana. Bayly convidou o presidente García a jantar em sua casa, um amplo apartamento no bairro de San Isidro, uma das zonas mais nobres da capital peruana. García deve estar arrependido de ter aceito o convite e de ter sido demasiado loquaz com seu anfitrião. “García disse que se o senhor Humala ganha as eleições, ele promoverá um golpe, e impedirá, passando por cima da lei, que Ollanta Humala seja presidente”, relata Bayly em sua coluna. A revelação desencadeou o escândalo e encheu de dúvidas o processo eleitoral. “Mesmo que me prendam, Humala não será presidente”, garante Bayly que lhe disse o presidente peruano durante o jantar.

Segundo o relato do jornalista, ambos falaram também da presidência e de dinheiro. Quando se deu o encontro, Bayly buscava lançar sua candidatura presidencial, intento que finalmente fracassou por não encontrar um partido político que aceitasse lançá-lo como seu candidato. Bayly confessa que estava preocupado pelo que ganha um presidente e perguntou a García quanto ganhava, e este lhe respondeu que uns três mil dólares mensais. O jornalista retrucou que esse dinheiro não seria suficiente para manter o alto nível de vida que levam ele, sua ex-esposa e suas duas filhas adolescentes. E foi nesse momento que Alan García soltou o que o escritor qualifica como a frase da noite: “Não seja bobo (“cojudo”), homem, a grana chega fácil, fácil”.

A frase é especialmente significativa vindo de um presidente que em seus dois mandatos esteve cercado por escândalos de corrupção. Após seu primeiro governo (1985-90), García foi acusado de enriquecimento ilícito, saiu do país e viveu oito anos entre Paris e Bogotá, regressando ao Peru no início de 2001 quando as acusações contra ele já haviam prescrito, o que o livrou de responder perante os tribunais pelas acusações de corrupção. Seu segundo mandato também tem estado marcado por denúncias de corrupção.

O presidente García confirmou que houve realmente a reunião com Bayly, porém negou as afirmações contidas em sua coluna, qualificando-as como produto da “imaginação literária” do escritor. García garante que nunca falou de Humala e de golpe de Estado e que quando disse que “a grana chega fácil, fácil” não se referia a comissões ilegais, e sim que quando um presidente termina seu mandato pode ganhar muito dinheiro dando conferências. “Tudo o que contei na coluna é rigorosamente verdadeiro”, tem reafirmado. “Quando falou de Humala disse explicitamente que promoveria um golpe antes que este chegue ao poder”, reafirmou Bayly. Sobre o argumento de García de que a frase “a grana chega fácil, fácil” se referia ao dinheiro que pode ganhar um ex-presidente, o escritor respondeu: “Que Alan não nos tome por loucos (tontos)”.

Ollanta Humala, aludido diretamente como vítima de uma conspiração golpista promovida por Alan García, tem denunciado uma fraude em marcha contra ele. Não é a primeira vez que o presidente peruano manifesta sua intenção de intervir na campanha eleitoral para evitar o triunfo de algum candidato que não seja do seu agrado. E esse candidato é Humala. Em março de 2009, num discurso público perante um grupo de banqueiros e investidores latino-americanos, García lhes assegurou que tinha o poder para evitar que chege à presidência alguém que questione o modelo econômico neoliberal. Não mencionou seu nome, mas foi uma clara alusão a Humala.

“No Peru o presidente tem um poder, não pode fazer presidente a quem ele queira, mas sim pode evitar que seja presidente quem ele não queira”, foi a frase que o presidente peruano disse diante dos empresários para tranquilizá-los diante do possível triunfo de um candidato presidencial que questione as regras do atual modelo econômico. Privadamente havia ido mais longe e falou, de acordo com o relato de Bayly, sem inibições de golpe de Estado. E se ufanou, segundo as revelações feitas pelo jornalista, da sua capacidade para fazer com que “la plata llegue sola”. Seu folgado ritmo de vida logo após seu primeiro governo, que incluía um amplo apartamento numa das zonas mais caras de Paris, tem sido lembrado nestes dias como uma mostra dessa capacidade para que a grana lhe chegue fácil, fácil.

Tradução: Jadson Oliveira

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