Por Blanche Petrich, do jornal La Jornada (México)
O presidente Rafael Correa (foto) chega com um pouco de atraso a seu escritório no Palácio de Carondelet, onde havia marcado com o La Jornada, porque tinha ido visitar, no hospital infantil, um menino de 11 anos que, no dia 30 de setembro, entre o caos e a violência desatada, recebeu um disparo de bala expansiva na perna. O menino sofreu duas paradas cardíacas, mas, finalmente, quase um mês depois dos acontecimentos, se restabelece satisfatoriamente.
Durante a entrevista, Correa se expressa, algumas vezes, com uma franqueza pouco comum em chefes de Estado: “estamos cegos, zerados, em matéria de inteligência para a segurança interna”. Mostra-se indignado com os setores que participaram na conspiração, incluídas as organizações indígenas que, diz ele, agora fazem política em aliança com a oposição de direita. E cauteloso antes de avalizar a lealdade das Forças Armadas a seu governo: “se portaram profissionalmente. Não todos, mas em geral. Lá também há infiltração”. Leia, a seguir, a entrevista:
Depois do golpe contra Manuel Zelaya, em Honduras, o senhor declarou: “eu sou o próximo”. Quais sinais o senhor via na ocasião?
Rafael Correa – Desde o primeiro dia de meu governo, vivemos uma conspiração permanente, como todos os governos da mudança na América Latina. Que casualidade que fomos nós – Venezuela, em 2002; Bolívia, em 2008; Honduras, em 2009: e Equador, em 2010 – que sofremos tentativas de golpe. A possibilidade de que isso seja casualidade é nula. Por que? Porque estamos mudando as coisas.
Surpreende a forma com que o senhor reconhece que as estruturas de inteligência foram penetradas pela CIA.
É que isso é verdade. Quando cheguei ao governo, sinceramente, por minha origem acadêmica, esse tema não era sequer prioridade. Foi meu grande erro. O que me devolveu à realidade? O dia 1° de março de 2008, quando tivemos evidências de que as instâncias de segurança do Estado equatoriano tomaram conhecimento, com antecipação, do ataque colombiano a Angostura e não nos informaram. Avisaram a Embaixada dos Estados Unidos. Então, nos demos conta de que essas unidades recebiam recursos dos EUA. Formou-se uma comissão, que passou a investigar, e, entre suas recomendações, está o desmantelamento dessas instâncias. Temos evidências de que seu chefe, o coronel Mario Pazmiño, era funcionário da CIA. Quando o despedi e decidimos que nós que iríamos nomear a diretoria da unidade, a Embaixada dos EUA decidiu levar embora os equipamentos que havia doado. Mas os diretores não lhes deram apenas os equipamentos, suas caminhonetes, seus computadores, mas, também, a informação dos computadores! Veja que servilismo dessa gente.
Qual o tamanho do estrago que foi feito na segurança interna?
Ficamos zerados. Todos os quadros de inteligência trabalhavam para a CIA. Tivemos que buscar quadros alternativos, algo que não se forma da noite para o dia. Em 2009, conseguimos aprovar a lei do sistema nacional de inteligência.
Essa debilidade foi o que se manifestou no dia 30 de setembro?
Claro. Houve traição de certos setores de inteligência da polícia.
E das Forças Armadas?
Também. O Partido Sociedad Patriótica esteve envolvido. Sua origem é militar. Há núcleos duros que, segundo consta no informe da Comissão da Verdade, atentaram contra os direitos humanos e se sentem identificados com esses partidos.
Você confia na lealdade das Forças Armadas?
Bem, eles se portaram profissionalmente. Não todos. Em geral, eles têm uma gratidão por este governo, já que duplicamos seus salários, os equipamos. Quando chegamos, os encontramos em um estado de impotência. Apenas 7 mil policiais, de 42 mil, tinham armas. Os dotamos de patrulhas, munições, equipamentos de telecomunicações. O mesmo aconteceu na Força Aérea. No princípio, não tínhamos praticamente nada, nem helicópteros. Agora, já temos 14 Super Tucanos. Mas há grupos duros, com vinculação política, que não se interessam nem pela Força Aérea nem pela democracia, e sim por manter seus privilégios e condutas repressivas.
Quais os mecanismos que a cidadania possui para se defender de conspirações desse tipo?
Nisso, Hugo Chávez e Evo Morales levam vantagem sobre nós. Chávez tem uma formação militar, conhece disso e transformou o imenso capital político que tem em estruturas organizadas. Evo vem dos movimentos sociais, de uma longa luta, e tem o apoio de todas essas bases. No Equador, o projeto da Alianza País [partido governista] é uma reação da cidadania diante de tanto desastre e saques. E, sinceramente, não sou especialista em questões militares ou policiais. O desafio da Revolução Cidadã é transformar o apoio popular que temos em estruturas mobilizadas como a melhor maneira de dissuadir essas tentativas.
O senhor vem da academia, mas da mão de um movimento popular. O Equador, nos anos 1990, foi pioneiro na participação do movimento indígena. Essa já não é a base de seu governo?
Temos o apoio de muitos movimentos sociais, mas, cuidado: tem-se usado muito o nome de movimento social. Agora, qualquer coisa é movimento social, quando muitos de seus dirigentes são, na verdade, políticos fracassados que perderam as eleições e fazem política a partir de suas estruturas, para impor sua agenda. Há um movimento social e indígena que está com o status quo, com a direita. Deve-se separar o joio do trigo. A senhora tem razão quando diz que o despertar do movimento indígena do Equador nos anos 1990 foi o movimento social mais importante da América Latina. E nós estamos com eles. Mas essa pureza inicial tem sido muito distorcida. Esse movimento fez um partido político, o Pachakutik. Sua diretoria está tomada por certos líderes que votam com a direita, e no dia 30 de setembro pediam a renúncia do presidente. É uma pena enorme. A Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) e o Pachakutik perderam totalmente o norte.
O primeiro pronunciamento do Conaie foi de rechaço ao golpe.
Depois se retrataram. Os assembleístas do Pachakutik estiveram e estão com os golpistas. Há alguns dias, Lourdes Tibán [uma das assembleístas do movimento] usou expressões muito grosseiras. Disse que se o presidente tivesse morrido, não seria por ser corajoso, e sim por ser imbecil. Seu irmão, por acaso, é policial, e está preso.
O senhor descarta um reencontro com esses setores?
Não. Estou aberto a isso. Mas, atenção: movimento indígena como processo histórico de emancipação, nisso estamos totalmente de acordo. Nosso governo é dos indígenas. Nas eleições passadas, nossa maior votação foi na província de Embaburo, que tem a maior população indígena do país. Com os dirigentes da Conaie, com sua miopia, com as barbaridades que disseram – me chamaram de genocida, xenófobo, etnocida –, com eles, vai ser muito difícil.
O senhor fala da penetração da CIA, mas não do governo estadunidense. Qual foi seu papel nesse episódio?
Como governo, eu acredito que os EUA, dessa vez, não intervieram. Não excluímos a participação de certos setores que atuam, inclusive, contra o presidente Barack Obama. Não tenho nenhuma prova, mas não excluo a possibilidade de que tenham intervindo de algum modo. Quem eu excluo, pela confiança que tenho neles, é Hillary Clinton e o presidente Obama.
Então sua relação com Obama é de confiança?
Ele me ligou duas vezes depois do dia 30 de setembro. Muito cortês, preocupado pelo que se dizia em certas publicações. Assegurou-me que não teve nada a ver. Respondi-lhe que ele não tinha que me dar explicações. É uma boa pessoa, mas não conseguiu mudar a inércia de grande parte do aparato político dos EUA.
A versão de que no dia 30 de setembro não houve uma tentativa de golpe encontrou muito eco. O que se pretende com a negação das evidências?
A ignorância da direita e de certos meios de comunicação é tal que nem sequer conhecem que uma das categorias básicas de sociologia política latino-americano diz que qualquer levante de força pública já é considerado um golpe de Estado. O que houve foi uma agenda política posta em marcha desde o momento em que eu cheguei ao Regimento Quito e cercaram a caravana presidencial. Lá estava o lugar-tenente do coronel Lucio Gutiérrez [ex-presidente golpista e derrocado ao mesmo tempo, fundador do partido opositor Sociedad Patriótica], Fidel Araujo, com colete à prova de balas, dirigindo a operação [Araujo foi detido sem direito a fiança no dia 5 de outubro]. Em suas declarações, ele disse que estava lá porque havia ido visitar sua mamãezinha, que estava perto.
Por que essa estratégia?
Porque tentam nos desacreditar. Negam a tentativa de assassinato, que estive sequestrado. Aí estão as provas, os mortos, os registros das telecomunicações das rádio-patrulhas com a ordem “matem o Correa”. Em um protesto policial por melhorias salariais, você tenta tomar as antenas de televisão, a televisão oficial, você fecha o aeroporto? Acho que, com essas mentiras, estão caindo no ridículo. Enfim.
Esses dias, a propósito do plano B, o do magnicídio, há quem tenha lembrado o livro La hoguera bárbara, sobre o brutal assassinato, há um século, de Eloy Alfaro.
Não vou me comparar a Eloy Alfaro, o único que fez uma verdadeira revolução neste país e que, para nós, é uma inspiração. Mas isso que aconteceu no dia 30 de setembro teve, sim, muito de bárbaro. Vim de uma visita a um menino que, a três quarteirões daqui, foi ferido nesse dia. Esses desalmados deram 17 tiros numa ambulância, feriram o motorista e o assistente, e, nisso, uma bala atravessou a perna do menor.
O que passou pela sua cabeça? Achou realmente que poderia morrer?
Sim, claro. Não em um, mas em vários momentos. Agora, sei que, quando me levavam ao hospital, entre os gases e os sublevados que me batiam, o diretor do Hospital da Polícia [César Carrión] mandou pôr cadeados para que não pudéssemos entrar. Minha equipe de segurança teve que rastrear a área, foi por outro lado, tirou os cadeados e abriram as portas. Depois, o diretor declarou à CNN que eu não estive sequestrado, mas que havia sido perfeitamente atendido. A verdade é que quando nos levaram para a sala de emergência, não nos deixaram sair. Tivemos que nos refugiar no terceiro andar, com a pouca segurança que havia naquele momento, e fechar a porta. Quiseram-na derrubar. Estivemos o tempo todo encurralados, até que chegou uma unidade de elite para nos dar resguardo. Houve três ou quatro momentos em que senti a morte muito próxima. Um deles foi quando esses selvagens batiam na porta do terceiro andar, para nos buscar. Não vinham dar um oi, não é? E, depois… [Correa se detém por alguns segundos, dá um grande suspiro. É notório que está revivendo momentos de grande intensidade. Repõe-se instantaneamente e continua] Depois veio meu segurança e diz que havia interceptado comunicações com a ordem de me matar, que já estavam vindo, que franco-atiradores estavam subindo. Ouvia-se o tiroteio. A única coisa que fiz foi rezar um pai-nosso e deitar no chão do cômodo onde estava. Outro momento foi durante o resgate. Balas por todos os lados. Chegaram a resgatar-me em uma cadeira de rodas… tenho 25 pontos no joelho da última operação. Não se podia sair pela porta principal. Tiveram que me esconder por uns dez minutos em um quartinho de limpeza, escuro. Deram a ordem de sair por trás, e lá também atiraram em nós. Sentíamos a morte muito próxima, mas houve muita serenidade.
Desculpe a pergunta, mas, o que sentiu?
Mais que medo, uma indignação enorme com a traição. E tristeza. Se eu morresse, deixaria este processo na metade, deixaria minha família, meus filhos. Houve cinco mortes e dezenas de feridos do meu lado. É um verdadeiro milagre que eu esteja vivo, porque… como atiraram em nós!
Politicamente, como o senhor se sente agora? Quais são as perspectivas de seu projeto?
Dizem que no dia 30 de setembro houve uma vitória, porque aumentou nosso índice de popularidade. Mas eu me sinto um perdedor. Renunciaria a esses pontos de popularidade se pudesse fazer voltar à vida esses jovens que morreram nesse dia infeliz. Um dos homens de minha escolta está em um hospital nos EUA. Deus queira que não fique paraplégico. Todos perdemos.
É hora de mudar, de frear a revolução, ou, pelo contrário, de radicalizar algumas medidas?
Claro que radicalizar. Mudar o quê, por que, se temos mais apoio do que nunca? Não podemos claudicar diante de balas assassinas. Seria trair os que morreram nesse dia, essa cidadania heroica que saiu desarmada a defender a democracia. Reconciliar com criminosos é impossível, isso seria permitir a impunidade. Vamos continuar. Mais ainda: radicalizaremos a revolução.
(Reproduzida, incluindo a foto, de acordo com a postagem de 28/10/10 do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, que informa que a entrevista foi republicada pelo jornal Brasil de Fato e a tradução é de Igor Ojeda).
O presidente Rafael Correa (foto) chega com um pouco de atraso a seu escritório no Palácio de Carondelet, onde havia marcado com o La Jornada, porque tinha ido visitar, no hospital infantil, um menino de 11 anos que, no dia 30 de setembro, entre o caos e a violência desatada, recebeu um disparo de bala expansiva na perna. O menino sofreu duas paradas cardíacas, mas, finalmente, quase um mês depois dos acontecimentos, se restabelece satisfatoriamente.
Durante a entrevista, Correa se expressa, algumas vezes, com uma franqueza pouco comum em chefes de Estado: “estamos cegos, zerados, em matéria de inteligência para a segurança interna”. Mostra-se indignado com os setores que participaram na conspiração, incluídas as organizações indígenas que, diz ele, agora fazem política em aliança com a oposição de direita. E cauteloso antes de avalizar a lealdade das Forças Armadas a seu governo: “se portaram profissionalmente. Não todos, mas em geral. Lá também há infiltração”. Leia, a seguir, a entrevista:
Depois do golpe contra Manuel Zelaya, em Honduras, o senhor declarou: “eu sou o próximo”. Quais sinais o senhor via na ocasião?
Rafael Correa – Desde o primeiro dia de meu governo, vivemos uma conspiração permanente, como todos os governos da mudança na América Latina. Que casualidade que fomos nós – Venezuela, em 2002; Bolívia, em 2008; Honduras, em 2009: e Equador, em 2010 – que sofremos tentativas de golpe. A possibilidade de que isso seja casualidade é nula. Por que? Porque estamos mudando as coisas.
Surpreende a forma com que o senhor reconhece que as estruturas de inteligência foram penetradas pela CIA.
É que isso é verdade. Quando cheguei ao governo, sinceramente, por minha origem acadêmica, esse tema não era sequer prioridade. Foi meu grande erro. O que me devolveu à realidade? O dia 1° de março de 2008, quando tivemos evidências de que as instâncias de segurança do Estado equatoriano tomaram conhecimento, com antecipação, do ataque colombiano a Angostura e não nos informaram. Avisaram a Embaixada dos Estados Unidos. Então, nos demos conta de que essas unidades recebiam recursos dos EUA. Formou-se uma comissão, que passou a investigar, e, entre suas recomendações, está o desmantelamento dessas instâncias. Temos evidências de que seu chefe, o coronel Mario Pazmiño, era funcionário da CIA. Quando o despedi e decidimos que nós que iríamos nomear a diretoria da unidade, a Embaixada dos EUA decidiu levar embora os equipamentos que havia doado. Mas os diretores não lhes deram apenas os equipamentos, suas caminhonetes, seus computadores, mas, também, a informação dos computadores! Veja que servilismo dessa gente.
Qual o tamanho do estrago que foi feito na segurança interna?
Ficamos zerados. Todos os quadros de inteligência trabalhavam para a CIA. Tivemos que buscar quadros alternativos, algo que não se forma da noite para o dia. Em 2009, conseguimos aprovar a lei do sistema nacional de inteligência.
Essa debilidade foi o que se manifestou no dia 30 de setembro?
Claro. Houve traição de certos setores de inteligência da polícia.
E das Forças Armadas?
Também. O Partido Sociedad Patriótica esteve envolvido. Sua origem é militar. Há núcleos duros que, segundo consta no informe da Comissão da Verdade, atentaram contra os direitos humanos e se sentem identificados com esses partidos.
Você confia na lealdade das Forças Armadas?
Bem, eles se portaram profissionalmente. Não todos. Em geral, eles têm uma gratidão por este governo, já que duplicamos seus salários, os equipamos. Quando chegamos, os encontramos em um estado de impotência. Apenas 7 mil policiais, de 42 mil, tinham armas. Os dotamos de patrulhas, munições, equipamentos de telecomunicações. O mesmo aconteceu na Força Aérea. No princípio, não tínhamos praticamente nada, nem helicópteros. Agora, já temos 14 Super Tucanos. Mas há grupos duros, com vinculação política, que não se interessam nem pela Força Aérea nem pela democracia, e sim por manter seus privilégios e condutas repressivas.
Quais os mecanismos que a cidadania possui para se defender de conspirações desse tipo?
Nisso, Hugo Chávez e Evo Morales levam vantagem sobre nós. Chávez tem uma formação militar, conhece disso e transformou o imenso capital político que tem em estruturas organizadas. Evo vem dos movimentos sociais, de uma longa luta, e tem o apoio de todas essas bases. No Equador, o projeto da Alianza País [partido governista] é uma reação da cidadania diante de tanto desastre e saques. E, sinceramente, não sou especialista em questões militares ou policiais. O desafio da Revolução Cidadã é transformar o apoio popular que temos em estruturas mobilizadas como a melhor maneira de dissuadir essas tentativas.
O senhor vem da academia, mas da mão de um movimento popular. O Equador, nos anos 1990, foi pioneiro na participação do movimento indígena. Essa já não é a base de seu governo?
Temos o apoio de muitos movimentos sociais, mas, cuidado: tem-se usado muito o nome de movimento social. Agora, qualquer coisa é movimento social, quando muitos de seus dirigentes são, na verdade, políticos fracassados que perderam as eleições e fazem política a partir de suas estruturas, para impor sua agenda. Há um movimento social e indígena que está com o status quo, com a direita. Deve-se separar o joio do trigo. A senhora tem razão quando diz que o despertar do movimento indígena do Equador nos anos 1990 foi o movimento social mais importante da América Latina. E nós estamos com eles. Mas essa pureza inicial tem sido muito distorcida. Esse movimento fez um partido político, o Pachakutik. Sua diretoria está tomada por certos líderes que votam com a direita, e no dia 30 de setembro pediam a renúncia do presidente. É uma pena enorme. A Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) e o Pachakutik perderam totalmente o norte.
O primeiro pronunciamento do Conaie foi de rechaço ao golpe.
Depois se retrataram. Os assembleístas do Pachakutik estiveram e estão com os golpistas. Há alguns dias, Lourdes Tibán [uma das assembleístas do movimento] usou expressões muito grosseiras. Disse que se o presidente tivesse morrido, não seria por ser corajoso, e sim por ser imbecil. Seu irmão, por acaso, é policial, e está preso.
O senhor descarta um reencontro com esses setores?
Não. Estou aberto a isso. Mas, atenção: movimento indígena como processo histórico de emancipação, nisso estamos totalmente de acordo. Nosso governo é dos indígenas. Nas eleições passadas, nossa maior votação foi na província de Embaburo, que tem a maior população indígena do país. Com os dirigentes da Conaie, com sua miopia, com as barbaridades que disseram – me chamaram de genocida, xenófobo, etnocida –, com eles, vai ser muito difícil.
O senhor fala da penetração da CIA, mas não do governo estadunidense. Qual foi seu papel nesse episódio?
Como governo, eu acredito que os EUA, dessa vez, não intervieram. Não excluímos a participação de certos setores que atuam, inclusive, contra o presidente Barack Obama. Não tenho nenhuma prova, mas não excluo a possibilidade de que tenham intervindo de algum modo. Quem eu excluo, pela confiança que tenho neles, é Hillary Clinton e o presidente Obama.
Então sua relação com Obama é de confiança?
Ele me ligou duas vezes depois do dia 30 de setembro. Muito cortês, preocupado pelo que se dizia em certas publicações. Assegurou-me que não teve nada a ver. Respondi-lhe que ele não tinha que me dar explicações. É uma boa pessoa, mas não conseguiu mudar a inércia de grande parte do aparato político dos EUA.
A versão de que no dia 30 de setembro não houve uma tentativa de golpe encontrou muito eco. O que se pretende com a negação das evidências?
A ignorância da direita e de certos meios de comunicação é tal que nem sequer conhecem que uma das categorias básicas de sociologia política latino-americano diz que qualquer levante de força pública já é considerado um golpe de Estado. O que houve foi uma agenda política posta em marcha desde o momento em que eu cheguei ao Regimento Quito e cercaram a caravana presidencial. Lá estava o lugar-tenente do coronel Lucio Gutiérrez [ex-presidente golpista e derrocado ao mesmo tempo, fundador do partido opositor Sociedad Patriótica], Fidel Araujo, com colete à prova de balas, dirigindo a operação [Araujo foi detido sem direito a fiança no dia 5 de outubro]. Em suas declarações, ele disse que estava lá porque havia ido visitar sua mamãezinha, que estava perto.
Por que essa estratégia?
Porque tentam nos desacreditar. Negam a tentativa de assassinato, que estive sequestrado. Aí estão as provas, os mortos, os registros das telecomunicações das rádio-patrulhas com a ordem “matem o Correa”. Em um protesto policial por melhorias salariais, você tenta tomar as antenas de televisão, a televisão oficial, você fecha o aeroporto? Acho que, com essas mentiras, estão caindo no ridículo. Enfim.
Esses dias, a propósito do plano B, o do magnicídio, há quem tenha lembrado o livro La hoguera bárbara, sobre o brutal assassinato, há um século, de Eloy Alfaro.
Não vou me comparar a Eloy Alfaro, o único que fez uma verdadeira revolução neste país e que, para nós, é uma inspiração. Mas isso que aconteceu no dia 30 de setembro teve, sim, muito de bárbaro. Vim de uma visita a um menino que, a três quarteirões daqui, foi ferido nesse dia. Esses desalmados deram 17 tiros numa ambulância, feriram o motorista e o assistente, e, nisso, uma bala atravessou a perna do menor.
O que passou pela sua cabeça? Achou realmente que poderia morrer?
Sim, claro. Não em um, mas em vários momentos. Agora, sei que, quando me levavam ao hospital, entre os gases e os sublevados que me batiam, o diretor do Hospital da Polícia [César Carrión] mandou pôr cadeados para que não pudéssemos entrar. Minha equipe de segurança teve que rastrear a área, foi por outro lado, tirou os cadeados e abriram as portas. Depois, o diretor declarou à CNN que eu não estive sequestrado, mas que havia sido perfeitamente atendido. A verdade é que quando nos levaram para a sala de emergência, não nos deixaram sair. Tivemos que nos refugiar no terceiro andar, com a pouca segurança que havia naquele momento, e fechar a porta. Quiseram-na derrubar. Estivemos o tempo todo encurralados, até que chegou uma unidade de elite para nos dar resguardo. Houve três ou quatro momentos em que senti a morte muito próxima. Um deles foi quando esses selvagens batiam na porta do terceiro andar, para nos buscar. Não vinham dar um oi, não é? E, depois… [Correa se detém por alguns segundos, dá um grande suspiro. É notório que está revivendo momentos de grande intensidade. Repõe-se instantaneamente e continua] Depois veio meu segurança e diz que havia interceptado comunicações com a ordem de me matar, que já estavam vindo, que franco-atiradores estavam subindo. Ouvia-se o tiroteio. A única coisa que fiz foi rezar um pai-nosso e deitar no chão do cômodo onde estava. Outro momento foi durante o resgate. Balas por todos os lados. Chegaram a resgatar-me em uma cadeira de rodas… tenho 25 pontos no joelho da última operação. Não se podia sair pela porta principal. Tiveram que me esconder por uns dez minutos em um quartinho de limpeza, escuro. Deram a ordem de sair por trás, e lá também atiraram em nós. Sentíamos a morte muito próxima, mas houve muita serenidade.
Desculpe a pergunta, mas, o que sentiu?
Mais que medo, uma indignação enorme com a traição. E tristeza. Se eu morresse, deixaria este processo na metade, deixaria minha família, meus filhos. Houve cinco mortes e dezenas de feridos do meu lado. É um verdadeiro milagre que eu esteja vivo, porque… como atiraram em nós!
Politicamente, como o senhor se sente agora? Quais são as perspectivas de seu projeto?
Dizem que no dia 30 de setembro houve uma vitória, porque aumentou nosso índice de popularidade. Mas eu me sinto um perdedor. Renunciaria a esses pontos de popularidade se pudesse fazer voltar à vida esses jovens que morreram nesse dia infeliz. Um dos homens de minha escolta está em um hospital nos EUA. Deus queira que não fique paraplégico. Todos perdemos.
É hora de mudar, de frear a revolução, ou, pelo contrário, de radicalizar algumas medidas?
Claro que radicalizar. Mudar o quê, por que, se temos mais apoio do que nunca? Não podemos claudicar diante de balas assassinas. Seria trair os que morreram nesse dia, essa cidadania heroica que saiu desarmada a defender a democracia. Reconciliar com criminosos é impossível, isso seria permitir a impunidade. Vamos continuar. Mais ainda: radicalizaremos a revolução.
(Reproduzida, incluindo a foto, de acordo com a postagem de 28/10/10 do blog Fazendo Media: a média que a mídia faz, que informa que a entrevista foi republicada pelo jornal Brasil de Fato e a tradução é de Igor Ojeda).
Comentários
Espero que nossa presidente eleita esteja alerta e preparada pois o que não vai faltar é gente desejando e pronta para colabora com os malditos que não aceita governo popular e independente que odiga Chaves e meu querido Evo Moralis. WEGV.
O que espero mesmo de seu governo é que se possa criar condições para a mobilização do povo, sem isso os avanços democráticos ficam emperrados.