COMANDANTE TOLEDO: HERÓI DO POVO BRASILEIRO

Ministro Paulo Vannuchi discursa, tendo ao lado, presidindo a sessão,
Edmar José de Oliveira, vice-presidente da Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça
De São Paulo (SP) – Exatos 40 anos depois de ser morto pelo Estado brasileiro, nas mãos da equipe de torturadores chefiada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, Joaquim Câmara Ferreira, o Comandante Toledo, foi declarado pelo mesmo Estado, representado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, herói do povo brasileiro. Em sessão realizada no sábado, dia 23, no simbólico Museu da Resistência, antiga sede do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), ex-antro de tortura de presos políticos na ditadura, em São Paulo, Edmar José de Oliveira, vice-presidente da comisão (no exercício da presidência), em nome do governo brasileiro, pediu, oficialmente, desculpas aos seus familiares pelo crime cometido pelo Estado (o agora herói, anistiado, sofreu torturas também durante a ditadura de Getúlio Vargas – 1930/1945).

Momento solene e emocionante quando a plateia, de pé, ouve o pedido de
desculpas do Estado brasileiro, grita "Joaquim Câmara Ferreira, presente!"
e aplaude demoradamente
Muita emoção no auditório mais que lotado - tinha gente em pé e sentada nas laterais da sala – durante a sessão, a 46ª. edição da chamada Caravana da Anistia. Na verdade, uma tarde de lembranças, encontros e reencontros de parentes, amigos, conhecidos, lutadores do movimento democrático e popular e, especialmente, de antigos militantes, ex-guerrilheiros (os que sobraram vivos) da Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo que foi comandado por Toledo depois da morte de Carlos Marighella, em novembro de 1969.

Joaquim Câmara Ferreira, paulista de Jaboticabal, aos 57 anos, em 23 de outubro de 1970, foi preso e assassinado sob tortura. Era militante político, comunista, desde os 18 anos, quando estudante de Engenharia. Filiou-se em 1931 ao Partido Comunista do Brasil (que mudou para Partido Comunista Brasileiro, PCB), o chamado Partidão. Após o golpe de 1964, entrou em choque com a linha pacífica do PCB, virou dissidente, aderiu à luta armada e terminou na ALN. Ficou conhecido por um público mais amplo como o comandante político do sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, em 1969, ação feita em associação com militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

Das reviravoltas da história: um “terrorista” vira patriota

A relatora Rita Maria Sipahi lê o seu voto,
seguido pelos demais membros da comissão
Um amplo dossiê sobre sua prisão e morte, com depoimentos e registros oficiais, está contido no voto da relatora do processo, Rita Maria Sipahi, voto lido durante a sessão e seguido pelos demais membros da comissão, cujo resultado foi a anistia – uma espécie de reabilitação oficial, um reconhecimento oficial do Estado brasileiro quanto ao patriotismo e heroísmo do antigo “subversivo”, do ex-“terrorista”. No seu caso, não foi estipulada qualquer indenização, pois a vítima não tem filhos menores e sua mulher já é falecida, ou seja, não tem dependentes para usufruir de benefícios financeiros, conforme prevê a legislação.

O ministro Paulo Vannuchi, titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência, participou da abertura da sessão e destacou o empenho do governo de Lula em avançar nos processos de anistia – já foram julgados, segundo ele, em torno de 60 mil processos e já foram feitas as chamadas caravanas em quase todos os estados. Aproveitou para lembrar que quando era estudante universitário, militante da ALN em São Paulo, foi encarregado de montar um “aparelho” para hospedar um tal de “Valter”, um quadro importante da organização, o qual, veio a saber depois, era o famoso Comandante Toledo (os militantes na atuação clandestina usavam diferentes codinomes, a depender do lugar e da missão, tentando dificultar o trabalho da repressão). O então jovem estudante acabou não o conhecendo pessoalmente, porque o trabalho terminou sendo feito por outro companheiro.

Clara Charf, viúva de Carlos Marighella (ao lado, o filho do
criador da ALN. Tem o mesmo nome do pai e é conhecido
em Salvador, onde mora, como Carlinhos Marighella)
Clara Charf, viúva de Marighella, também falou de suas lembranças sobre Toledo, que era o número 2 na ALN, seu marido era o número 1. Destacou sua determinação de retornar ao Brasil (esteve em Cuba e outros países em missão da organização) e assumir o comando depois da morte de Marighella, mesmo sabendo que, àquela altura, 1969/1970, era quase certeza estar indo na direção da morte. “É meu dever”, disse. Mas ela fez questão de lembrar uma faceta não conhecida do revolucionário: sua solidariedade com as companheiras militantes e com as que não eram militantes, e sim esposas dos militantes. Clara contou que ele cuidava de “unir os casais”, ia lá dar conselhos e tentar apaziguar quando os casais brigavam.

Memória da guerrilha: como comprar um carro com dinheiro miúdo

Quem também arrancou algumas recordações de mais de 40 anos atrás foi Guiomar Silva Lopes, hoje professora universitária. Recordou, por exemplo, que tinha em torno de 24 anos, no final da década de 60, integrante da ALN, e teve a missão de comprar um carro para ser usado por Toledo, que estava chegando de Cuba e precisava de toda a atenção e proteção por parte dos membros da organização. Ela guarda na memória a estranheza manifestada pelo vendedor do carro ao receber o pagamento todo em espécie, dinheiro vivo, incluindo dinheiro miúdo. Era dinheiro conseguido nos assaltos a bancos.

Já o historiador José Luís Del Roio, em meio a tantos adjetivos elogiosos, preferiu uma qualificação: Joaquim Câmara Ferreira foi “um bom comunista”. E concentrou-se em ressaltar sua grande atuação como jornalista, já que dirigiu jornais do PCB, nas décadas de 40/50, como o jornal Hoje, que depois de fechado foi reaberto com o nome Notícias de Hoje. Del Roio explicou que não eram simples jornais partidárias com a dimensão que se imagina com a realidade atual, e sim jornais diários, de grandes tiragens, com noticiário amplo e diversificado, inclusive na parte cultural e internacional, tanto assim que chegaram a alcançar tiragens maiores do que o Estadão na época. Jornais que travaram lutas memoráveis contra o imperialismo, em favor da industrialização do Brasil, pela criação da Petrobrás, etc.

Da esq. para dir.: Denise Fraenkel-Kose (filha de Toledo), Alípio Freire,
José Luís Del Roio, Luiz Henrique de Castro e Silva e Guiomar Lopes
Edwiges Cardieri e Roberto Ferreira, irmã e filho de Toledo
Guiomar Lopes e Del Roio fizeram parte da mesa de um ato político realizado logo em seguida à sessão oficial da Comissão de Anistia. Fizeram parte da mesa também o jornalista Alípio Freire, do conselho editorial do jornal Brasil de Fato, Luiz Henrique de Castro e Silva, autor do livro “O revolucionário da convicção – Vida e Obra de Joaquim Câmara Ferreira” (lançado na mesma tarde do sábado, junto à entrada do auditório) e Denise Kraenkel-Kose, filha do anistiado. Além de Denise, que tem 62 anos e mora na Alemanha, Câmara Ferreira tem mais um filho: Roberto Cardieri Ferreira, 64 anos, engenheiro, mora no Brasil. Foi ele quem assinou o requerimento pedindo a anistia do pai. Ambos, bastante emocionados, deram depoimentos recordando a pouca convivência que tiveram com o pai militante e exaltando as suas qualidades. Estava presente ainda a irmã de Câmara Ferreira, Edwiges Ferreira Cardieri, de 87 anos.

Como parte dos eventos organizados para marcar os 40 anos da morte do militante comunista, a Câmara Municipal de São Paulo concedeu-lhe o Diploma de Gratidão e Medalha Anchieta. A iniciativa da homenagem foi do vereador Ítalo Cardoso, do PT, e a sessão solene aconteceu no dia 14 de outubro. E na sexta-feira, dia 22, foram colocadas flores em seu túmulo, no Cemitério da Consolação, em São Paulo.

Comentários

Anônimo disse…
Onde encontro seu email, Jadson?
Sandro Lobo
sandro.lobo01@gmail.com
Anônimo disse…
Beleza de matéria. Gosto muito da história dessa época, apesar de todo horror. Ouvi na rádio de Mario Kertez uma reportagem sobre os 35 anos da morte de Vladimir Herzog, bem interessante e assustador... Imaginar que houve uma época tão recente que não se podia nem ter uma posição política um pouco diferente. Os jovens de hoje não sabem a sorte que tem, ainda mais com a Internet.

Abraços e saudades,

Fabiano