(Fotos do site http://www.abi.bo/)
De La Paz (Bolívia) – A Corte Nacional Eleitoral (CNE) não divulgou à noite nenhum número da apuração dos votos da eleição de ontem, dia 6, mas as pesquisas de boca-de-urna e a festa dos partidários do presidente Evo Morales apontam para uma grande vitória do Movimento Ao Socialismo (MAS), que incluiria a obtenção da maioria de 2/3 do congresso, a meta principal do governo.
Evo, cuja reeleição nunca foi posta em dúvida, aparece nas sondagens de boca-de-urna sempre acima dos 60% de intenção de votos, enquanto Manfred Reyes Villa, do Plano Progresso para Bolívia – Convergência Nacional (PPB-CN), se mantém em pouco mais de 20%, e Samuel Doria Medina, da Unidade Nacional (UN), na faixa dos 10%.
Ainda segundo a boca-de-urna, o presidente e seu “proceso de cambio” (mudança) conseguem finalmente penetrar e neutralizar o antigo reduto da direita, os quatro departamentos (estados) do oriente, a chamada Meia Lua (ou Nação Camba) – Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija -, onde no ano passado houve a tentativa de separatismo e golpe de Estado. As pesquisas indicam que Evo ainda perde nos três primeiros, mas por diferenças pequenas, e já ganha no quarto.
MAIORIA DE 2/3 NO SENADO - Tanto assim que os massistas preveem dividir as vagas (são quatro por cada departamento) no Senado com a oposição nos quatro departamentos (na noite do domingo, dois candidatos de Santa Cruz do MAS deram entrevista numa emissora de TV já falando como senadores eleitos).
Ao discursar na festa que entrou pela madrugada de hoje, dia 7, o ex-líder sindical dos cocaleiros deixou claro a certeza de que vai chegar ou ultrapassar os 2/3 no Senado, onde o MAS teve que amargar uma minoria nos quatro anos de governo. Pelas contas de Evo, que citou um a um todos os nove departamentos, os governistas vão ocupar, no mínimo, 26 das 36 vagas. Nos demais cinco departamentos, segundo suas palavras, o MAS só deixa escapar duas vagas: vai eleger três senadores em Chuquisaca e Cochabamba, e todos os quatro em Oruro, Potosí e La Paz (o departamento, onde está a cidade de La Paz e a de El Alto).
De fato, nestes três últimos departamentos, as pesquisas de boca-de-urna apontam triunfo esmagador do MAS, assim, a grosso modo, na base de uns 70% contra uns 20% para dividir com os demais sete candidatos (na verdade, para o segundo e terceiro colocados, pois os demais cinco candidatos têm votação inexpressiva). A senadora eleita por La Paz, Ana Maria Romero, comentou que o governo vai eleger também todos os deputados do departamento (devem ser mais de 20 dos 130 que vão compor a Câmara dos Deputados, onde os massistas já têm maioria).
A grande vitória da Revolução Democrática e Cultural, como é chamado o processo de mudanças na Bolívia, não se delineou apenas nos números citados por Evo Morales quanto à futura composição do Senado. Estava também no sentido geral de seu discurso, aplaudido a todo momento pelos entusiásticos seguidores que lotavam a Praça Murillo, onde fica o Palácio do Governo (“Palacio Quemado”) e a sede do congresso.
CAMINHO ABERTO PARA AS MUDANÇAS - Ele falou do balcão do palácio. Disse que agora o governo tem o “caminho aberto” para aprofundar as mudanças no país em benefício do povo boliviano, dando, mais uma vez, as boas-vindas aos profissionais, intelectuais e setores da classe média que se somaram ao “proceso de cambio”. E, também mais uma vez, destacou as virtudes do seu programa de governo para os próximos cinco anos (com ênfase na industrialização) e seus vínculos com os movimentos sociais.
Terminou com vivas à Central Obreira Boliviana (COB) e à Conalcam (Coordenação Nacional para o Cambio). E o grito de guerra “Pátria ou Morte!”, com a resposta da multidão: “Venceremos!” Logo em seguida, o grupo Kollamarka (toca músicas folclóricas nacionais) atacou com uma tal de “Morenada”, canção que parece conhecidíssima por aqui, e os massistas caíram na festa, inclusive as autoridades lá do balcão do palácio.
A ANIMAÇÃO, PORÉM, ESTAVA CÁ NA PRAÇA: fogos de artifício, bandeiras do MAS (predominância da cor azul), ou com as cores da bandeira nacional (vermelho, amarelo e verde), ou as “wiphalas” do movimento indígena (com quadradinhos coloridos, foto), cartazes exaltando o socialismo, retratos do Che, bonecos dançantes e muita alegria depois de um dia de uma eleição marcada por grande comparecimento às urnas (não sei ainda os índices). Depois, muitas das autoridades, incluindo o vice-presidente Álvaro García Linera (reeleito), desceram para a praça e entraram diretamente na dança.
(Topei, na multidão, com o ministro de Relações Exteriores, David Choquehuanca , que participou muito animadamente da festa, e tentei aproveitar a oportunidade. Mostrei meu crachá fornecido pela Corte Nacional Eleitoral e perguntei: “Ministro, está garantida mesmo a maioria de 2/3?” Ele escorregou, disse: “Amanhã, amanhã vai ser divulgado”).
(Manchete de hoje, dia 7, da primeira página do jornal La Razón, considerado o mais lido da Bolívia: “Reeleito e com mais poder”, sustentada pelo texto: “Pela primeira vez nos 27 anos de democracia, o presidente Evo Morales é reeleito através do voto cidadão (62,5%) e obtém o controle da Assembleia Legislativa Plurinacional” (congresso). Destaques: “O MAS consegue 24 senadores e 84 deputados. Podem ser mais”; “Evo se sente obrigado a acelerar o ‘proceso de cambio’”; “Manfred e Samuel, 5 anos mais na trincheira da oposição”; “Os observadores destacam a transparência da eleição”).
Comentários
Há alguns anos, a Bolívia estava à beira de uma guerra civil, onde o povo às ruas manifestava-se e, muitas vezes, de forma violenta.
Como transcorreu a eleição? Houve algum ensaio de manifestação violenta?
Grande abraço,
Júnior, o queridinho (ou o xodó) das 'meninas' Almeida (mudei em sua homenagem)
Grande Júnior, veja aí o que eu disse pro amigo Edelson. Os racistas da chamada Meia Lua, especialmente de Santa Cruz, foram os responsáveis por aquela onda de violência de que vc fala, o auge foi em setembro/2008, quando massacraram a pauladas uns 15 indígenas/camponeses em Pando, um dos quatro estados da Meia Lua. Para se ter uma idéia das mudanças, o ex-governador (aqui eles chamam prefeito) de Pando, Leopoldo Fernández, um dos acusados pelo massacre, está respondendo a processo judicial, já preso preventivamente.
Aqui os crimes contra o povo, contra o erário público, estão sendo castigados, graças, claro, à mobilização e organização popular. Tem ex-ditador, ex-ministro cumprindo pena de prisão.
Respondendo diretamente sua indagação: houve sim alguns atos violentos durante a campanha eleitoral, principalmente em Santa Cruz, mas, em relação à situação do ano passado, pode-se dizer que foi tudo tranquilo. Santa Cruz era a vanguarda da direita violenta, truculenta, racista, mas o pessoal do Evo Morales foi avançando, comendo pelas beiradas como se diz, e agora, na eleição do domingo, conseguiu praticamente empatar lá dentro (pelas pesquisas de boca-de-urna, Evo perde por uma diferença pequena, vamos ver os números oficiais da apuração que ainda não saíram). Só para ilustrar o equilíbrio em Santa Cruz: são quatro senadores por cada estado (aqui eles chamam departamento), pois bem, em Santa Cruz foram eleitos dois do partido de Evo e dois da oposição.
Quanto à eleição nacional, vc viu, Evo deu um banho, inclusive com maioria de 2/3 no congresso. O povo boliviano deu um cheque em branco a Evo Morales, como disse um analista político aqui.
É isso aí, companheiro, quanto ao queridinho (ou xodó), agradeço sensibilizado a homenagem.