O jornal A Tarde, na Bahia, publicou hoje (28/12) entrevista de página inteira concedida por Jadson, com o título acima, que reproduzimos a seguir, na íntegra.
ENTREVISTA Jadson Oliveira
BIAGGIO TALENTO
O jornalista Jadson Oliveira chutou o pauda barraca em 2007e partiu para correr a América Latina com objetivo de conhecer, na prática, as experiências socialistas. Visitou Cuba, Venezuela e Bolívia, países onde morou nos últimos dois anos. Colaborou com artigos para vários blogs, entre os quais Fazendo Media:a Média que a Mídia faz. Escreveu também para a Caros Amigos.
O velho comunista que andava desiludido com a política se sentiu revigorado com o que viu. De volta a Salvador, continua escrevendo no seu próprio blog Evidentemente “embora quase não tenha leitor” e cujo endereço é www.blogdejadson.blogspot.com. Nesta entrevista, fala do que viu nas suas andanças.
Como surgiu a ideia de conhecer as experiências socialistas na América Latina? Havia um desencanto com o socialismo petista? Que socialismo petista, companheiro? Fui militante doPCdoB entre 72 e81. Fiz muito trabalho clandestino.
Era encarregado da “gráfica”, que na verdade era ummimeógrafo potente. Depois, numa daquelas rachas do partido, eu saí, embora sempre tenha votado nas esquerdas, defendia em mesa de bar, votava preferencialmente no PT.Quando fiz 50 anos, decidi deixar de trabalhar em jornal.
Fiquei só na assessoria da Assembleia Legislativa. Aliás foi uma virada na minha vida: saí do jornal, me separei e vendi meu Fusquinha (que tinha 15 anos comigo). Em 2007, resolvi parar de trabalhar, eu já era aposentado pelo INSS e fui viver só dessa aposentadoria. Eu já pensava em aproveitar “o resto da minha mocidade” viajando.
Você então não planejou essa viagem?
A decisão central foi parar de trabalhar e viver da aposentadoria. E aí surgiu aquela coisa do comunista antigo que tem essa ideia de conhecer Cuba, ver como éa coisapolêmica quea gente sempre discute em mesa de bar. A imprensa internacional toda esculhamba e muita gente afinada com aluta do socialismo defende.
Quanto tempo você morou em Cuba? Como ficou lá?
Oito meses. Tem uma fórmula que sai mais barato que é você se hospedar em casas de famílias que são autorizadas pelo governo a receber visitantes estrangeiros. Fiquei na casa de uma senhora, com um quarto exclusivo e direito de usar os outros cômodos da casa.
Qual a sua impressão sobre a vida em Cuba?
Em termos dos nossos hábitos de consumo de classe média, tem muita precariedade. Só para lhe dar um exemplo, eu não encontrei lá fio dental. Um dentista inclusive me garantiu que esseproduto nãoexistiana ilha. Café descafeinado, tive dificuldade de encontrar, e bloqueador solar eu não achava. Em suma, uma pessoade classe médias entirá muita diferença se for morar em Cuba.
As pessoas já se acostumaram com isso?
Em parte. Em um dos meus artigos, disse que, apesar de a revolução ter 50anos e ter se consolidado, a coisa do consumismo, acho que eles (os revolucionários) não conseguiram acabar com essa ideologia.
Mas o consumismo é inerente ao ser humano...
Você diz isso. Eu não acredito nisso, não. Acho que o homem pode viver sem isso.Mas o cerco, o apelo consumista é muito grande lá.
Como isso ocorre?
Os cubanos têm a percepção de que o regime é ditatorial?
Eu acompanhei um processo eleitoral, com nível de participação altíssima. É difícil falar sobre isso. Percebi que uma parcela do povo é tocada pelos apelos consumistas e sente falta disso.Outro segmento sente falta da possibilidade de progredir na vida, melhorar o salário. Alguns têm o sonho de mudar para o Brasil ou EUA para ganhar dinheiro. Agora, a maioria da população aceita a situação. Aquela coisa de Raúl Castro substituir Fidel Castro, que nós achamos uma sacanagem, lá seria uma coisa estranha se não fosse o irmão, remanescente da revolução, que substituísse o comandante.
O que dizem de Fidel?
Ele é endeusado por quase todos. Se houvesse uma eleição direta (uma eleição burguesa que nós fazemos aqui), ele teria 90% dos votos tranquilamente. Lembrese dos vários ditadores eleitos pelo voto. Getúlio Vargas no Brasil, Hugo Banzer na Bolívia também, Antonio Carlos Magalhães na Bahia. Então, sem dúvida, Fidel também seria. A percepção que tive é que para os mais pobres o regime cubano é uma beleza.
O nível de exigência dessas pessoas é pequeno?
Veja só, a repressão policial aqui é muito pior que em Cuba. Aqui a polícia mata negro e pobre todo dia. Em Cuba, não existe isso. Em termos de qualidade de vida, os cubanos têm o mínimopara comer, assistência de saúde e escola de graça.Isso para os pobres é muito representativo.
E como surgiu a ideia de visitar a Venezuela?
No aspecto da efervescência política, Cuba me decepcionou, pois a coisa lá está meio institucionalizada com mobilizações populares burocratizadas. Aí eu inventei ir até a Venezuela. Fiquei lá em Caracas três meses e me encanteicoma ebulição política do lugar.O que me chamou a atenção é que tem manifestação de rua quase todo dia.Eles inclusive usam muito o verbo “trancar”, pois passam grande parte do tempo trancando ruas. Aquilo é democracia participativa, quando o povo procura influenciar nas coisas.
Você me falou certa vez que, apesar das notícias que Chávez cerceia a imprensa, ele sofre um bombardeio de várias TVs...
Quando eu estava lá, Chávez tinha quatro canais de TV estatais, mas havia oito emissoras privadas que batem nele direto, à vontade. E a oposição a Chávez é muito grande? Muito grande e raivosa. Esse debate todo, com o protagonismodo povo,dasorganizações populares, me animou, pois foi uma coisa que eu não vi em Cuba.
Chávez tem conseguido distribuir a riqueza do petróleo?
Ele é muito centralizador, a implantação da revolução bolivariana depende muito dele e ele tem conseguido incluir organizaçõespopulares no processo político.Claroque tem avançado na distribuição de renda.
Fotos: Jadson Oliveira
E a Bolívia de Evo Morales?
Lá, sim, a participação é ampla dos camponeses e da classe operária, dos mineiros que foram protagonistas da revolução de 1952. O protagonismo dos movimentos sociais é até bem maior na Bolívia que na Venezuela.
Você esteve lá este ano, no período da eleição presidencial?
Cheguei lá dois meses antes da eleição. E a participação dos movimentos sociais foi excepcional. No Brasil você não vê o povo participando e influenciando na política. O povo vota em Lula e pronto, não vai para a rua para defendêlo dos direitismos do Congresso, da Justiça. Lá, o povo está na rua por qualquer coisa, para defender Evo, que é muito fiel ao povo. Ele tem uma norma muito bonita: “mandar obedecendo”.
Como ele combate a desigualdade social?
De várias formas. Por exemplo, ele tem três programas sociais semelhantes ao Bolsa Família, um voltado à assistência da mulher parida e com filho até 2 anos; outro para crianças que estudam no primário; e a renda dignidade, que dá salário mensal às pessoas acima de 60 anos.Tudo tirado do dinheiro dos impostos do gás e petróleo que ele nacionalizou no primeiro ano do seu governo, em maio de 2006.
Você é fã de Dom Quixote e fez uma espécie de jornada semelhante ao homem de La Mancha. Mas sua busca foi ao socialismo. Afinal o socialismo está vivo na América?
Não considero a busca do socialismo quixotesca, (embora Dom Quixote na loucura dele também achasse sua jornada uma coisa séria). Hoje, depois de Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Equador e outros países, como Paraguai, El Salvador e o próprio Brasil, embora tenha avançado pouco, fica claro que o socialismo está vivo na América. Eu reproduzi, há pouco tempo no meu blog, um artigo do (filósofo e ativista americano) Noam Chomsky em que diz que a política da América Latina era uma dos mais interessantes para estudar, pois há a semente de uma integração soberana que contrariava realmente os interesses do império americano.
Comentários
Um beijo bem grande e que outras viagens venham logo.
Isabel
Abração
Companheiro.
Rui Baiano Santana editor do Blog ananindeuadebates.
Adorei a matéria, com poucas linhas vc passou ótimas informações. No futuro... um livro com suas aventuras e descobertas.
Sua filha e fã nº 1.
Norma Oliveira
Está aí, companheiro Crisóstomo, seu comentário, sempre lúcido, cheio de vida, alargo sempre meus horizontes quando te ouço. Preciso entender o "comunsista" e não conheço o Cézar Chavez. Quanto ao velho Roberto Carlos, realmente, é sucesso por onde passei - Cuba, Venezuela, Paraguai e Bolívia.
"Nos vemos", como dizem os cubanos, mas engolindo os dois "ss".
Recebi a mensagem do companheiro
Rodrigo Jurucê, dirigente do PCB de Curitiba (Espero que não se importe de torná-la pública aqui no nosso blog).
Tentando responder: na verdade não conheço tanto como gostaria nosso país, estou me devendo isto. E a pergunta é difícil, pelo menos pra mim, a gente termina dando pitaco em tudo, mas é complicado.
O que sinto, o que me parece que tá na cara, é a impotência (até agora) das esquerdas no Brasil em ajudar, de alguma maneira, a abrir um caminho para a mobilização do povo brasileiro, para que os segmentos mais populares, mais necessitados, possam virar protagonistas do acontecer na política. Se não avançamos neste ponto, estamos empacados.
Vi um pouco o esforço de vcs na formação dos militantes, uma coisa que parece mobilizar muito o MST, certamente o movimento social mais significativo no Brasil, mas é coisa muita pequena para o mar das carências.
Quando falo disso, gosto de me lembrar de uma declaração dada por Stédile, o mais destacado dirigente do MST, prevendo que pelos meados do segundo mandato de Lula (ou de outro presidente se Lula não fosse reeleito), estouraria mobilização popular de massa no Brasil. Ele próprio reconhecia que não se tratava bem de uma "previsão", mas um palpite, um "chute".
É de se imaginar uma espécie de angústia, diante da pasmaceira social e política, a hegemonia do pensamento de direita, os meios de comunicação...
Bem, sabemos que o "chute", até agora, ficou somente no "chute". Mas, vamos em frente, a vida continua.
Ele menciona a experiência nova em gestação na América Latina (Venezuela, Bolívia, Equador, etc), mas fico matutando que tal experiência precisaria ser melhor estudada e discutida.
Espero que os movimentos sociais de nuestra América se debrucem sobre ela, com espírito aberto.
Sempre imagino o nosso Che levantando-se do túmulo e espiando a Bolívia tentando abrir o caminho para o socialismo, através de eleições "burguesas", de uma estrutura de Estado "burguês". Que diria o Che?
voce merece muito mais Jadson!!
abração companheiro...
escrevendo sempre com muita espontaneidade!! PARABENS!!!
Gostei bastante da entrevista, tenho a pretensão de um dia caminhar pelo solo de latinoamérica como fizeste.
Quando for possível visite e divulgue o nosso blog, ok?!
abraços,
Jota
www.militanciaviva.blogspot.com
estoy muy contento por la entrevista que hicieron de usted, Dios quiera que algun dia podamos vernos de nuevo y compartir anecdotas y buenos momentos!
Desde Asunción-Paraguay te saludo y te mando un abrazo!
Tu amigo Francisco Benítez
Muito legal a entrevista.Parábens.
Sobre Cuba devo lhe dizer que durante toda a história do país, se percebe que os cubanos tem sido pessoas empreendedoras, que gostam de ter seu próprio negocio e ganhar dinheiro.Os cubanos não precissam dos filmes americanos, nem as novelas brasileras para querer progredir.Os cubanos gostam de se alimentar, e vestir bem.Gostam de viajar, conhecer, se divertir.E são gente batalhadora, correm atrás.Os cubanos de hoje tem as asas cortadas, o sistema não permite que eles consegam ir em frente.Eles são vítimas da catástrofe econômica do país, cujo único responsável é o governo.
Os cubanos não aceitam espontáneamente a situacão, eles estão obrigados, podem perder o emprego se não aceitam o que o governo faz.Não existe liberdade em Cuba, e sim muita repressão.Muitos querem sair do pais para ajudar à familia, pois a situacão é muito precaria mesmo pela má direcão econômica.Jamais Cuba esteve como está hoje.Os médicos cubanos que estão na Venezuela, se escapam diariamente para Colombia e USA.
Não existem eleicões democraticas em Cuba.O presidente é o mesmo há 51 anos, uma ditadura muito forte.Se houver uma eleicão, Fidel Castro não teria nem um 20% dos votos.O povo está cansado das mentiras, abusos, carencias, sacrificios, manipulacão, a fome, e a falta de liberdade.O povo não lutou para ter o país que existe hoje.E algo importante,o povo não queria o comunismo, foi enganado por Fidel,e existem provas disso.
Tem repressão policial em Cuba sim e muita, especialmente com os negros, e os dissidentes.A ilha não é o paraíso que muitos acreditam,é um inferno sem saída. Hoje o mundo sabe um pouco mais sobre a realidade cubana, porque a tecnologia está permitindo que as imagens com as barbaridades que o governo faz com o povo,sejam vistas por muitas pessoas.
Palavras de uma cubana