O contrabandista aposentado


Esculturas na praça, ao fundo a cúpula do Panteón de los Héroes

De Assunção (Paraguai) – Ele cansou. São 55 anos de batente, mais ou menos a metade vendendo cigarro paraguaio pelas ruas, baratinho, de contrabando, fugindo dos fiscais, subornando os fiscais, sendo assaltado pelos fiscais. Era um homem meio rico, mas já estava cansado, os filhos criados, a mulher tinha sido levada há anos pelo contrabandista maior, um de seus fornecedores।

Entrada de galerias subterrâneas e o Hotel Guarani

“Temos de mudar um dia, meu velho, vou embora”, dizia, os olhos negros saltados, o esquerdo mais saliente, com ar delirante.

O vermelho da bandeira do P-MAS e da seleção do Paraguai
“Cinho endoidou” (Cinho, de Lorencinho, de Lorenço), comentava o parceiro de rua. “Em vez de quetá em casa, aposentado, diz que vai embora pro Paraguai. De tanto vender cigarro de contrabando, só vê o Paraguai na sua frente, endoidou... já lhe disse: tu tá muito veio pra rompedor”.

Indígenas vendendo seus artesanatos

ATO 2 – EN LA PRAZA DE LA DEMOCRACIA

Cinho dava seu primeiro passeio por Assunção. “Pra que lado fica o centro da cidade?”, perguntou, num portanhol esquisito, mas com gestos e boa vontade dá certo. Aquela insegurança do desconhecido, uma certa aflição, o coração batendo diferente. “Bom, queria tanto viajar... agora tô aqui, vamos lá...”

Vendendo ingressos para o jogo Paraguai x Bolívia
A Praça da Democracia, o miolo da capital guarani - Nuestra Señora Santa María de la Asunción -, é uma enorme praça. Porém, na verdade, são três: além da própria, temos a Plaza de los Héroes (onde está o Panteao dos Herois) e a Plaza Juan E. O’Leary (Juan Emiliano, jornalista, historiador e político paraguaio, morreu em 1969).


O guarda no Panteón
Nosso herói, o Cinho, estava deslumbrado. Não sabia direito o que pensar, não era o que se chama uma pessoa culta, não sabia nem se era realmente bonito. Mas uma coisa ele sabia: era diferente. E, para ele, era o que importava. Sua atenção se voltou especialmente para as dezenas (centenas?) de vendedores ambulantes, seus iguais de antanho, que lhe oferecem mil e uma coisas, “50 reales”, tratam logo de cambiar a moeda quando percebem tratar-se de brasileiro. “No, no, gracias”, ele responde com simpatia, o sorriso meio nostálgico, imaginando-se jovem, muitos anos atrás.


O xadrez no ensolarado sábado

Era a manhã ensolarada do sábado, dia 5, logo mais o Paraguai jogaria com a Bolívia (o Brasil com a Argentina), pelas eliminatórias da Copa do Mundo। A praça estava vestida de vermelho e branco, da seleção “albirroja”, como se diz por aqui। Cinho via tudo com olhos ávidos: os imponentes edifícios do Ministério da Fazenda, do Hotel Guarani (anunciando que o novo cassino vai te surpreender), dos bancos, uns modernos, outros antigos (Banco do Brasil, Bilbao – BBVA -, Sudameris, Banco Nacional de Fomento).
E mais: duplas enfileiradas jogando xadrez, apresentação de grupos musicais (Renacer Folklórico, Los Primos, etc), grupos de turistas, de estudantes, os indígenas vendendo artesanato, aqui e ali pessoas chupando o tererê (ou tereré, o acento agudo do espanhol, que é semelhante ao chimarrão, mas a erva é um pouco diferente e é servido com água gelada).



A música paraguaia do grupo Renacer Folklórico

Militantes da esquerda reivindicam a democracia participativa
Como não é chegado à política, nosso personagem não deu atenção ao grupo de jovens que fazia propaganda do Partido do Movimento ao Socialismo (P-MAS), um dos integrantes (até agora inexpressivo, eleitoralmente) da Aliança Patriótica para a Mudança, que levou o ex-bispo Fernando Lugo à Presidência.


ATO 3 – O COMEÇAR TARDIO

Ele retornou ao quarto de hotel. Sozinho, porém não solitário, pelo menos assim o sentia. Estava jubiloso, a certeza de que era só o começo, de que um caminho novo se abria, de que ainda teria muita perna para caminhar. Só um pesar toldava seu entusiasmo: a amarga compreensão de que tinha começado tarde. “Amarga? pode ser... mas vamos lá...”, sacudia a cabeça espantando as dúvidas.


O nosso Banco do Brasil

(Como diria Máximo Gorki, um dos grandes escritores russos, é impossível que não se tenha nada a dizer de quem passou anos e anos fugindo dos fiscais, subornando os fiscais, sendo assaltado pelos fiscais).

Comentários

oi grande companheiro...
vejo que ja esta conhecendo nosso vizinho Paraguay...
muita saudade de ti. um abraço e bom trabalho!
Jadson disse…
Abração, Jonas, é um grande prazer receber tua mensagem. Veja aí o comentário do nosso amigo Misael, enviado por e-mail:"Olá Jadson, li os artigos no teu blog, são interessantes, continue nos informando de tuas viagens por esse mundo afora. Um forte abraço muito caloroso. misael - curitiba".
Unknown disse…
E aí, companheiro Jadson!
Como vai nosso querido mas não menos sofrido Paraguay?
Muitas andanças pelas vielas de nossa Sulamérica?
Espero que a viagem seja muito produtiva e prazerosa!
Um grande abraço!

Dyener Fracaro
Jadson disse…
Olá Dyener, estou começando a conhecer as coisas do Paraguai, hoje mesmo deve entrar matéria no blog sobre a política daqui, a partir de manifestação de rua dos sem-teto.
Nesses últimos dias (dizem que vai até domingo) atacou um frio por aqui, lembrando a nossa Curtiba. Vamos em frente, um abraço, companheiro.