A que corrupção você se refere?

De Curitiba(PR) – Eu também não gosto de ler um texto cheio de números। Acho muito chato। Mas vamos tentar, pois não só de prazeres é o nosso viver. Tente se concentrar um pouco: neste ano de 2009, até 4 de abril, o governo federal gastou R$ 207 bilhões (207 BI, não confundir com 207 milhões) com o pagamento do serviço e amortização da dívida interna e externa (incluindo a chamada “rolagem”).

Isso representa:

cinco vezes os gastos com servidores,
18 vezes o gasto com a saúde,
40 vezes os gastos com a educação ou ...

...1।210 vezes o gasto com reforma agrária”.

Os dados são citados por Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Divida, em entrevista à revista Caros Amigos de julho/2009. Ela ganhou notoriedade por ter participado no ano passado da auditoria da dívida do Equador, a convite do governo daquele país.

Os mesmos dados, em percentuais:
“Em 2008, mais de 30% do orçamento federal brasileiro foi destinado ao pagamento da dívida, enquanto os gastos com saúde foram de 4,81%, com educação, 2,57%, e com reforma agrária, 0,27%”। (Na mesma edição da revista, o deputado federal Ivan Valente, do PSOL-SP, que luta pela instalação da CPI da Dívida Pública, confirma em artigo intitulado O gargalo do desenvolvimento no Brasil: “Somente em 2008, o país desembolsou 30,57% de seu orçamento com juros e amortizações”).

ENCHENDO AS “BURRAS” DOS BANQUEIROS - Isso não é corrupção!? Com modestíssimas noções de economia e finanças, mas com a antena política ligada, me arrisco a proclamar: esta sim é a corrupção essencial, a corrupção substantiva, a que desvia montanhas de dinheiro arrecadado pelo governo para as “burras” das corporações financeiras (nacionais e estrangeiras), em detrimento das necessidades sociais। Ou você imagina que os escandalosos lucros dos bancos nada tenham a ver com as crianças que morrem de fome por esse Brasilzão
Corporações financeiras (nacionais e estrangeiras) que subornam governos, compram agentes públicos, financiam políticos. E por que será que sai governo e entra governo e este escândalo não se altera? (podemos apontar inúmeros avanços do governo Lula, em relação ao entreguista FHC, mas neste particular o quadro é imutável). Por que será que nossos telejornais, revistas semanais (exceção para Carta Capital) e jornalões não falam da corrupção substantiva? E nossa Justiça, agora “investida” de superpoderes?

É por isso que quando topo com alguém falando de corrupção, o que ocorre quase todos os dias, me vem logo a indagação: a que corrupção você se refere? A cada temporada estoura um caso, com mil e um desdobramentos, matracados a todo dia, a toda hora, no juízo das pessoas. Da farra da dívida, do saque dos nossos recursos naturais, da entrega das nossas empresas estatais às multinacionais, nada, só o silêncio cúmplice. Corrupção no atacado, não! Só no varejo! E seletiva!

O VÍRUS “C” É MAIS LETAL QUE O “A” - Agora é a vez do Senado, como se ele não fosse o retrato – dentro das devidas proporções – das nossas casas legislativas, nos diversos níveis। O vírus C (de corrupção, muito mais letal do que o A, da gripe suína) disseminado pelos parlamentos da nossa carcomida democracia representativa। Atos secretos!? Grande novidade, santa hipocrisia! Os nobres parlamentares (a maioria, sempre há as exceções) devem ficar, no íntimo, indignados: “Corruptos nós? Por que só nós?”

Quando se fala em auditoria da dívida, um dispositivo contido na nossa Constituição de 88, a grande mídia brasileira - sempre atrelada aos interesses das corporações transnacionais, as que se acham com direito a mandar no mundo, embora nunca tenham se submetido a qualquer eleição - salta logo enfurecida: é calote, não pode, o Brasil tem que honrar seus compromissos.

A Argentina, depois de declarar moratória em 2001 e passar por um período de convulsão social, conseguiu renegociar a dívida e respirou um pouco. O Equador auditou sua dívida e descobriu enormes ilegalidades. Seu exemplo está sendo seguido pelo Paraguai e deve ser seguido ainda pela Venezuela e Bolívia. E o Brasil?

Após advertir que “os dados divulgados pelo governo e pela grande mídia costumam ser manipulados, excluindo parcelas importantes das dívidas externa e interna”, a auditora Maria Lúcia Fattorelli revela que, ao final de 2008, a dívida externa chegou a US$ 267 bilhões e a interna, que atualmente parece ser a mais danosa, alcançou R$ 1,6 trilhão.

(Ivan Valente, no mesmo artigo mencionado acima, cita números semelhantes. Ele lembra a evolução vertiginosa da dívida interna: janeiro/1995 – R$ 61,8 bilhões; dezembro/2002 – R$ 687,3 bilhões; e janeiro/2009 – R$ 1,6 trilhão).

O POVO PAGA O BANQUETE DOS ESPECULADORES - Fattorelli explica a controvérsia sobre a suposta eliminação da dívida externa brasileira (o governo chegou a anunciar que se tornou “credor externo” devido ao volume das reservas), concluindo ter sido um processo prejudicial à economia do país e muito rentável para os especuladores. Tal processo está vinculado ao crescimento rápido da dívida interna (é uma coisa meio complicada, pelo menos para mim e, presumo, para a maioria das pessoas).

E desvenda na entrevista como se dão as “mágicas” em torno da dívida, cujo resultado é o saque criminoso dos recursos das nações mais pobres, patrocinado por organismos tipo Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi ferido mortalmente com a atual crise do capitalismo, mas busca reerguer-se, de alguma forma, para continuar servindo ao império dos Estados Unidos।
ITAIPU – UM CASO EXEMPLAR - Ela dá os números de um caso exemplar, carimbando sempre os absurdos como “ilegalidades”: a dívida proveniente da construção da usina de Itaipu, a binacional do Brasil e Paraguai. Foi orçada em US$ 2 bilhões (agora estamos falando de dólares) e acabou custando US$ 20 bilhões – 10 vezes mais. Tem mais: como resultado da alta de juros e atualização monetária, “até hoje Itaipu pagou de serviço desta dívida US$ 25 bilhões, ou seja, 12 vezes seu custo orçado inicial, e ainda assim a dívida hoje está em quase US$ 20 bilhões!”.

É mole? Parece piada. Mas, ainda tem mais. Maria Lúcia Fattorelli conclui o relato da “tenebrosa transação” (a lembrança do nosso Chico Buarque é minha): “Caso não se altere esta situação, Itaipu pagará ao todo US$ 63 bilhões por uma obra que deveria ter custado US$ 2 bilhões!”

(Vale ler a entrevista, repito, Caros Amigos no. 148 – julho/2009. Mais material sobre a “experiência histórica” do Equador pode ser visto no sítio da Auditoria Cidadã da Divida – http://www.dividaauditoriacidada.org.br/).

Comentários

Jadson disse…
Me esqueci de mencionar o plebiscito realizado no Brasil sobre a dívida em 2000, por iniciativa de várias entidades do movimento social, contando com a participação da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A pergunda principal era se o país deve continuar pagando a dívida externa, sem realizar uma auditoria pública desta dívida, como prevê a Constituição de 88. 96% dos cerca de 5,5 milhões de pessoas que votaram responderam NÃO.
Claro que é um universo pequeno, certamente votaram as pessoas mais próximas ao movimento popular, à esquerda (me lembro que votei durante a manifestação do Grito dos Excluídos, no 7 de setembro, em Salvador-Bahia).
E, claro, a grande maioria dos brasileiros nem tomou conhecimentos, porque a Globo e etc não noticiaram. Os chamados poderes da República Federativa do Brasil fingiram que não viram. Termina ficando uma coisa à margem da vida, mas, de qualquer forma, foi uma manifestação significativa.
Se a nossa mídia não representasse os interesses da direitona, das corporações transnacionais, e os brasileiros pudessem ser informados, honestamente, sobre as maracutaias da dívida, o quadro seria outro.
Bem, se fosse assim, o Brasil seria outra coisa, aí já estamos escorregando para o terreno do sonho, da utopia.
Unknown disse…
O link correto sobre a “experiência histórica” do Equador http://www.divida-auditoriacidada.org.br

Jadson - Sobrinho
Jadson disse…
Olá Jadson (sobrinho, ex-Maquinha), que bom que vc está acompanhando meu blog. Não entendi teu comentário, seria uma correção do link? mas vc repetiu exatamente o site que citei! Não entendi.
Vou entrar de vez em quando no seu blog e fazer umas consultas, certamente bem primárias, pois essa coisa de informática me mata. Se fosse possível, já teria desistido desse tal mundo cibernético.
Grande abraço.