O papo é alfabetização digital


De Curitiba(PR) – Descobri uma coisa simples e, ao mesmo tempo, chocante: sou um analfabeto digital। É até chique dizer isso! No fundo, parece que já tinha uma semiconsciência disso, mas constatei, com toda consciência, ao assistir a uma palestra, seguida de debate, na quarta-feira, dia 19, sobre Digitalização e convergência das mídias, dentro da II Jornada pela Democratização da Mídia, organizada pela Comissão Paranaense Pró-Conferência de Comunicação (CPC/PR)।


Não compreendi quase nada. Como se diz, "um burro olhando pro palácio" (um ditado popular de muito mau gosto, por sinal). Tentei acompanhar o palestrante, os esquemas dos slides, nada. Agüentei firme, pensei, quando começar o debate talvez eu pegue alguma coisa. Começou, e nada. Aqueles termos estranhos, a maioria em inglês. "Como é que vou escrever sobre isso no meu blog?", fiquei me perguntando. Fui dormir com esta indagação e acordei decidido: "Vou comentar sobre minha ignorância digital, talvez valha pela originalidade". Dito e feito.




O palestrante foi James Görgen(fotos), jornalista, ex-secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e ex-coordenador de projetos do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom)। Ele acompanhou o processo de privatização das empresas de telecomunicações e coordenou o projeto de pesquisa Donos da Mídia (www.donosdamidia.com.br). Atualmente, é coordenador geral de Políticas Audiovisuais da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, mas falou em seu nome pessoal, como pesquisador da matéria.



OS DONOS SÃO SEMPRE OS MESMOS - Como se vê, um currículo respeitável, uma rica experiência. Görgen deu dados históricos, as conceituações, comentou sobre as oscilações do tema no governo Lula, a imensa força dos bilhões de reais envolvidos, o poder das empresas de telecomunicações (as teles, como são chamadas), dos provedores, das redes na Internet (comunidades virtuais, não sei bem como denominar), das TVs por assinatura, esse emaranhado ligado às novas tecnologias da informação, cujos donos costumam ser as mesmas corporações empresariais que dominam a mídia.
Usou metáforas elucidativas, como comparar as estradas digitais com as nossas estradas reais, as rodovias, e também com as árvores. Eu tentava acompanhar, ia pelo tronco da árvore, passava pelos galhos e quando chegava nas folhas já estava baratinado. ("Resistir, quem há-de?", já dizia o poeta). Mas, pelas discussões, julgo que os participantes aproveitaram bem, uma boa parte pelo menos.




James Görgen fez uma advertência: os representantes dos movimentos sociais que vão à I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), prevista para dezembro, têm que se prepararem para enfrentar os dos empresários (também os do governo), os quais, com aquele discurso de "defesa da liberdade de expressão", podem passar por cima das posições mais democráticas। "Não são suficientes só as bandeiras, é preciso fundamentar as propostas", alertou। Rachel Bragatto, do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), integrante da CPC/PR, lembrou "o risco de se engolir os anzois armados pelos empresários".


ABISMOS DA DESIGUALDADE - Creio que consegui dar uma pálida idéia do conteúdo da palestra, mesmo tropeçando nas palavras e conceitos. Mas voltando ao ponto inicial, o papo, na verdade, não é bem inclusão digital, como se apregoa por aí. E sim alfabetização digital. Num momento em que ainda pululam analfabetos tradicionais, da vida real, poderíamos chamar "analfabetos analógicos?"
Veja os abismos entre as gentes: outro dia vi um especialista dizendo na TV que a meta até 2015 é alfabetizar (ensinar a ler e escrever) 17 milhões de pessoas na América Latina। Isto representaria eliminar 50% dos analfabetos। Claro, sem falar nos milhões de semialfabetizados, os que sabem codificar e decodificar os sinais da escrita, mas não compreendem o que lêem e o que escrevem.


E quanto aos analfabetos digitais, quem se arriscaria a fazer estimativas? Essa dura realidade talvez explique a perplexidade e a angústia manifestadas por alguns dos participantes do evento, diante dos desafios colocados à frente dos ativistas sociais. Ao final, porém, predominou a voz dos que ousam lutar e tentam vencer.

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