De Curitiba(PR) - A crise do sistema capitalista é prolongada e intensa, o momento propício para a inserção de lutas pelas transformações sociais. Este parece ser o mote do mutirão promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de 18 de maio a 7 de junho, no Paraná (ver matéria anterior neste blog), com o objetivo de ampliar o debate entre as camadas mais populares.
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É o que se pode deduzir do encontro realizado na noite da sexta-feira, dia 5, no pátio da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, cujo palestrante foi Gilmar Mauro (foto), da coordenação nacional do movimento. Foi um das dezenas de debates feitos em escolas e comunidades ao longo da marcha que percorreu quase 30 cidades, totalizando 20 dias de atividades, quatro deles em Curitiba.
Com um linguajar distante do economês que costuma caracterizar a discussão do tema, Gilmar Mauro foi cuidadoso, dizendo trazer algumas opiniões para ajudar na “reflexão coletiva dos lutadores e lutadoras sociais”. No que se pode considerar sua conclusão, deixou claro que “crise é oportunidade”. E chamou a atenção para os desafios impostos à esquerda, realçando a necessidade de efetivos instrumentos de transformação.
Apesar da cautela, sua exposição foi bastante abrangente. Ressalto alguns pontos do seu conteúdo - sem a articulação própria de uma palestra - como se faz normalmente numa matéria jornalística.
AS DIVERSAS FACETAS DA CRISE: prolongada e profunda, devendo durar vários anos, com a conjugação de várias crises – financeira (especulação desenfreada), econômica, de superprodução (faltam consumidores), social (desemprego, barbárie social nas grandes e médias cidades, “mesmo havendo programas de compensação social”).
E mais: crise ambiental, com a intensificação dos impactos sobre a natureza, dentro da lógica do capitalismo, que trata tudo, inclusive os recursos naturais, como mercadoria. Lembrou então a deterioração dos serviços públicos – saúde, educação, estradas – transformados também em mercadoria. E falou do envenenamento dos alimentos por agrotóxicos e da concentração das matérias primas nas mãos de grandes conglomerados.
Aí deu o exemplo da água, que, segundo salientou, é hoje mais cara do que o leite e a gasolina. Ao se referir à especulação, contou o caso de um brasileiro que comprou uma casa financiada nos Estados Unidos. Quando já tinha pago 90 mil dólares, devia ainda 160 mil. Nesta altura do campeonato, o imóvel foi avaliado em 45 mil dólares. Ele desistiu, perdeu a casa.
SUPREMACIA MILITAR DOS EUA - A seguir, o dirigente do MST fez algumas comparações históricas: a crise de 1929 foi resolvida em 1945 com o fim da segunda guerra mundial, mas agora um desfecho semelhante é impensável em face da esmagadora supremacia militar dos Estados Unidos. Apontou a indústria militar como fundamental para a retomada da economia a partir de 1929, destaque que prosseguiu com a corrida armamentista no período da guerra fria.
Lembrou o peso da indústria de automóveis (também de eletrodomésticos) e as mudanças das décadas de 40 e 50 com a migração das indústrias do centro do sistema para a periferia (é só recordar a instalação da indústria automobilística no Brasil). De 1929 a 1945, as relações mercantilistas eram pouco desenvolvidas, 90% da população brasileira vivia no campo e não havia crise ambiental.
Gilmar Mauro passou a falar, nesta altura, no investimento pesado que o Estado faz para salvar os capitalistas da crise, cortando inclusive recursos dos serviços públicos essenciais para a população mais pobre, política que tem entre suas consequências o agravamento da dívida interna, atualmente em 1,5 trilhão de reais.
“Entre nós, do MST, digo sempre, temos que plantar comida”, advertiu, frisando que “não tem perspectiva para os trabalhadores dentro do capitalismo, senão construir o socialismo, por uma necessidade mesmo”.
E bateu na tecla: preparar, preparar para as lutas. Mesmo porque (usou a imagem mais de uma vez), “se queremos colher abacate, temos que plantar abacate e não limão”.
Sem ilusões diante da mídia
DIEGO MOREIRA, 25 anos, da coordenação estadual do MST no Paraná. Durante a marcha foi responsável pela assessoria de imprensa.
“A mídia é propriedade privada, assim como a educação, o Estado brasileiro.
O Brasil já nasceu assim, significa que os meios de comunicação divulgam as informações de acordo com seus interesses. No dia em que a Globo e essas grandes corporações midiáticas falarem bem da gente, a gente vai ter que rever nossa prática, pois certamente estamos fazendo alguma coisa errada”.
Último grande exemplo de atuação da mídia – “O recente episódio ocorrido numa fazenda do banqueiro Daniel Dantas, no sul do Pará. A Globo noticiou que o MST tinha seqüestrado o repórter, enquanto o próprio repórter desmentiu” (repórter Victor Haor, da TV Liberal, afiliada da TV Globo; tem farto material sobre isso nos blogs de Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif).
A receptividade da marcha em Curitiba e nas outras cidades – “Fomos bem recebidos pela sociedade, as pessoas foram bem simpáticas, fizemos inúmeros debates. Foi tudo bem, tanto assim que a mídia silenciou sobre a marcha, se houvesse alguma coisa negativa - uma morte, por exemplo - aí a marcha tinha aparecido no noticiário”.
Mobilização e participação popular – “A população brasileira não tem uma história de participação forte. Tem uma tradição de representatividade, o povo é representado pelo padre, pelo vereador, tem sempre a expectativa de alguém representar o povo”.
Repressão – “O Brasil tem uma história de colonização e repressão contra os negros, os indígenas, os camponeses, tem a presença forte da repressão. São 509 anos de história de exclusão. E tem o Estado, a religião e a educação pra domesticar o povo”.
Desafio para a esquerda – “A necessidade de fazer trabalho de base”.
Unir campo e cidade
VILMA ROSSI, 26 anos, segundo grau completo. Estudou em Planaltina(PR) e quer fazer um curso técnico ou universitário em uma das escolas do MST. É também da coordenação estadual. Fez parte da “coluna do Norte”, iniciada em Florestópolis.
“A marcha foi boa, nosso objetivo é enfrentar esta crise, através da união do campo e da cidade. Tivemos bom espaço para debates nas escolas, universidades e comunidades por onde passamos. Tivemos o apoio de muita gente, os trabalhadores, estudantes, professores, de modo geral têm uma posição simpática ao trabalho do MST. Os empresários, os mais ricos, nos veem de outra forma”.
Atuação da mídia – “A TV Globo e a maioria dos meios de comunicação denigrem nossa imagem, são sempre contra nossas atividades. Mas alguns órgãos de imprensa às vezes mostram a realidade dos fatos”.
Mobilização popular – “Esperamos que à medida que a crise se agrave aumente a mobilização do povo para as lutas e nós estamos abertos à participação dos companheiros”.
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É o que se pode deduzir do encontro realizado na noite da sexta-feira, dia 5, no pátio da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, cujo palestrante foi Gilmar Mauro (foto), da coordenação nacional do movimento. Foi um das dezenas de debates feitos em escolas e comunidades ao longo da marcha que percorreu quase 30 cidades, totalizando 20 dias de atividades, quatro deles em Curitiba.
Com um linguajar distante do economês que costuma caracterizar a discussão do tema, Gilmar Mauro foi cuidadoso, dizendo trazer algumas opiniões para ajudar na “reflexão coletiva dos lutadores e lutadoras sociais”. No que se pode considerar sua conclusão, deixou claro que “crise é oportunidade”. E chamou a atenção para os desafios impostos à esquerda, realçando a necessidade de efetivos instrumentos de transformação.
Apesar da cautela, sua exposição foi bastante abrangente. Ressalto alguns pontos do seu conteúdo - sem a articulação própria de uma palestra - como se faz normalmente numa matéria jornalística.
AS DIVERSAS FACETAS DA CRISE: prolongada e profunda, devendo durar vários anos, com a conjugação de várias crises – financeira (especulação desenfreada), econômica, de superprodução (faltam consumidores), social (desemprego, barbárie social nas grandes e médias cidades, “mesmo havendo programas de compensação social”).
E mais: crise ambiental, com a intensificação dos impactos sobre a natureza, dentro da lógica do capitalismo, que trata tudo, inclusive os recursos naturais, como mercadoria. Lembrou então a deterioração dos serviços públicos – saúde, educação, estradas – transformados também em mercadoria. E falou do envenenamento dos alimentos por agrotóxicos e da concentração das matérias primas nas mãos de grandes conglomerados.
Aí deu o exemplo da água, que, segundo salientou, é hoje mais cara do que o leite e a gasolina. Ao se referir à especulação, contou o caso de um brasileiro que comprou uma casa financiada nos Estados Unidos. Quando já tinha pago 90 mil dólares, devia ainda 160 mil. Nesta altura do campeonato, o imóvel foi avaliado em 45 mil dólares. Ele desistiu, perdeu a casa.
SUPREMACIA MILITAR DOS EUA - A seguir, o dirigente do MST fez algumas comparações históricas: a crise de 1929 foi resolvida em 1945 com o fim da segunda guerra mundial, mas agora um desfecho semelhante é impensável em face da esmagadora supremacia militar dos Estados Unidos. Apontou a indústria militar como fundamental para a retomada da economia a partir de 1929, destaque que prosseguiu com a corrida armamentista no período da guerra fria.
Lembrou o peso da indústria de automóveis (também de eletrodomésticos) e as mudanças das décadas de 40 e 50 com a migração das indústrias do centro do sistema para a periferia (é só recordar a instalação da indústria automobilística no Brasil). De 1929 a 1945, as relações mercantilistas eram pouco desenvolvidas, 90% da população brasileira vivia no campo e não havia crise ambiental.
Gilmar Mauro passou a falar, nesta altura, no investimento pesado que o Estado faz para salvar os capitalistas da crise, cortando inclusive recursos dos serviços públicos essenciais para a população mais pobre, política que tem entre suas consequências o agravamento da dívida interna, atualmente em 1,5 trilhão de reais.
“Entre nós, do MST, digo sempre, temos que plantar comida”, advertiu, frisando que “não tem perspectiva para os trabalhadores dentro do capitalismo, senão construir o socialismo, por uma necessidade mesmo”.
E bateu na tecla: preparar, preparar para as lutas. Mesmo porque (usou a imagem mais de uma vez), “se queremos colher abacate, temos que plantar abacate e não limão”.
Sem ilusões diante da mídia
DIEGO MOREIRA, 25 anos, da coordenação estadual do MST no Paraná. Durante a marcha foi responsável pela assessoria de imprensa.
“A mídia é propriedade privada, assim como a educação, o Estado brasileiro.
O Brasil já nasceu assim, significa que os meios de comunicação divulgam as informações de acordo com seus interesses. No dia em que a Globo e essas grandes corporações midiáticas falarem bem da gente, a gente vai ter que rever nossa prática, pois certamente estamos fazendo alguma coisa errada”.
Último grande exemplo de atuação da mídia – “O recente episódio ocorrido numa fazenda do banqueiro Daniel Dantas, no sul do Pará. A Globo noticiou que o MST tinha seqüestrado o repórter, enquanto o próprio repórter desmentiu” (repórter Victor Haor, da TV Liberal, afiliada da TV Globo; tem farto material sobre isso nos blogs de Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif).
A receptividade da marcha em Curitiba e nas outras cidades – “Fomos bem recebidos pela sociedade, as pessoas foram bem simpáticas, fizemos inúmeros debates. Foi tudo bem, tanto assim que a mídia silenciou sobre a marcha, se houvesse alguma coisa negativa - uma morte, por exemplo - aí a marcha tinha aparecido no noticiário”.
Mobilização e participação popular – “A população brasileira não tem uma história de participação forte. Tem uma tradição de representatividade, o povo é representado pelo padre, pelo vereador, tem sempre a expectativa de alguém representar o povo”.
Repressão – “O Brasil tem uma história de colonização e repressão contra os negros, os indígenas, os camponeses, tem a presença forte da repressão. São 509 anos de história de exclusão. E tem o Estado, a religião e a educação pra domesticar o povo”.
Desafio para a esquerda – “A necessidade de fazer trabalho de base”.
Unir campo e cidade
VILMA ROSSI, 26 anos, segundo grau completo. Estudou em Planaltina(PR) e quer fazer um curso técnico ou universitário em uma das escolas do MST. É também da coordenação estadual. Fez parte da “coluna do Norte”, iniciada em Florestópolis.
“A marcha foi boa, nosso objetivo é enfrentar esta crise, através da união do campo e da cidade. Tivemos bom espaço para debates nas escolas, universidades e comunidades por onde passamos. Tivemos o apoio de muita gente, os trabalhadores, estudantes, professores, de modo geral têm uma posição simpática ao trabalho do MST. Os empresários, os mais ricos, nos veem de outra forma”.
Atuação da mídia – “A TV Globo e a maioria dos meios de comunicação denigrem nossa imagem, são sempre contra nossas atividades. Mas alguns órgãos de imprensa às vezes mostram a realidade dos fatos”.
Mobilização popular – “Esperamos que à medida que a crise se agrave aumente a mobilização do povo para as lutas e nós estamos abertos à participação dos companheiros”.
Comentários
Que bela coicidência os teus últimos escritos, e quanto tem me ajudado no dia a dia do Curso de Geografia, dentro da materia Geografia Agraria, pois faz parte da grande curricular deste semestre, . Em uma das discussões citei vc, e sua expeiência em Cuba, pois o que tem de gente(?) contrário à Reforma Agraria, não é brincadeira.Um grande abraço, valeu!
A reforma agrária hoje parece ser uma bandeira em baixa, apesar da combatividade do MST. A Caros Amigos deste mês tem uma entrevista com um dirigente do movimento, lá do Pará, dizendo que a reforma agrária foi derrotada, ideologicamente, dentro do governo Lula. Creio que, não só dentro do governo, mas na sociedade. Tanto que o próprio MST tenta hoje ampliar sua ação para a luta mais geral, política e ideológica, pois se não há uma mudança na correlação de forças na sociedade, no poder, na mídia, etc, etc, a luta dos pobres pela terra não tem vez. Ao contrário, parece que as forças favoráveis à concentração ainda maior da terra estão no ataque, as grandes corporações empresariais transnacionais, mineradoras, pecuaristas, agroexportadores, esse bando, os novos e modernos latifundiários, estão no ataque. É só ver a ofensiva atual desse pessoal, através da chamada bancada ruralista no Congresso.
O nosso governo Lula parece ser refém desse povo, consegue só aguentar uma pontinha pra sustentar seus programas sociais (bolsa família, etc) e assim tentar manter sua força eleitoral.
A coisa tá braba, mas os movimentos sociais tentam resistir e avançar, embora até hoje não conseguiram mobilizar a população. E sem o povo nas ruas, com pelo menos um pouco de organização, não chegaremos a lugar nenhum, ou melhor, estaremos onde sempre estivemos: a grande maioria, na merda.
Um grande abraço, prazer em falar contigo. E nosso líder Goiano? deve estar curtindo a ressaca do festival...
“QUERER É PODER.
Frase que me inspirou para homenagear uma pessoa que está fazendo a diferença num pedacinho da Chapada Diamantina.
Eu já gostava dele mesmo antes de se mostrar um grande batalhador, levando um projeto de cultura para sua terra e cidades vizinhas, mesmo com poucos recursos. O interessante da história desse trabalhador é que ele não pertence a nenhuma das importantes famílias da região. Ele não é nenhum Oliveira, nem Teixeira Almeida, nem Alves de Oliveira, nem Franklin Queiroz... Leite, Athayde, Ourives, Mattos e várias outras que têm filhos e netos jornalistas e outros profissionais com nível superior, até ex-deputados e ex-secretários.
Pois é, minha gente, ele é apenas “Goiano”, que nasceu em Goiás, foi criado no Velame e criou o Projeto Velame Vivo, agora com o apoio e colaboração dos seabrenses e outros. E cada dia mais forte, levando cultura para nossa região. Espero que dure por muito tempo.
Meus parabéns e admiração a todos que colaboram e contribuem com este projeto. Abraços, Eny”.
Acrescento: homenagem merecida. Seu nome formal é José Donizette, do Velame, distrito de Seabra, na Chapada Diamantina, Bahia. Goiano é velho militante dos movimentos sociais na Bahia e em São Paulo, muito conhecido em Salvador pela militância sindical entre os bancários e na política baiana. É a mais forte liderança entre os criadores do Projeto Velame Vivo (nosso companheiro Edelson, acima, é um dos muitos participantes), que atua na área da cultura (mantém mais de uma dezena de bibliotecas na região) e participa de mobilizações em favor de benefícios para a população local. No último final de semana, o Velame Vivo realizou o terceiro Festival de Violeiros da Chapada, em Seabra, evento (participei do segundo) que sempre faz muito sucesso na região, especialmente entre os jovens.