Washington Uranga fala no seminário organizado pelo Centro Santos Milani
De Curitiba(PR) - Há cerca de um ano, ao retornar de uma curta temporada na Venezuela, comentei com um militante da esquerda baiana a respeito dos avanços da denominada Revolução Bolivariana. Senti que ele ficou na defensiva. Retrucou: “Sim... mas o Estado é burguês”.
Sem dúvida, a relação da esquerda com os chamados governos progressistas sempre foi muito difícil. E continua sendo. Neste final de semana, dia 20, tive a grata oportunidade de assistir a uma ponderada avaliação sobre o tema da parte de Washington Uranga (jornalista, professor, pesquisador na área de Comunicação, ativista social dos mais reconhecidos na América Latina। É uruguaio, com atuação hoje mais direta na Argentina).
Interpretando suas palavras, parece que as forças de direita têm mais facilidades de identificar a importância de tais governos, manifestando com virulência a contradição entre eles (direita x governo). “Embora a direita econômica não esteja mal nesses governos, mas há o aspecto ideológico”, diz Uranga, mostrando que, na visão da direita, há então a necessidade de se derrubar tais governantes.
A análise, claro, está centrada na América Latina. Vou citar exemplos de minha própria iniciativa, para ilustrar o pensamento do professor: o golpe de Estado na Venezuela, em abril de 2002, que tirou Hugo Chávez do poder durante dois dias (ele voltou no terceiro graças à mobilização popular); e a recente tentativa de afastar Evo Morales, na Bolívia, a partir do movimento pela “autonomia” do departamento (estado) de Santa Cruz.
Ao entrar no tema, Washington Uranga ressaltou a dificuldade da esquerda: “Temos muitas críticas e esperamos sempre mais”. Entende, no entanto, que os governos progressistas são um passo adiante, o qual não é suficiente – temos que seguir em frente –, porém se trata de um passo importante.
POR QUE UM PASSO ADIANTE? ELE VÊ QUATRO RAZÕES:
1 – A decisão de tais governos de rechaçar as políticas do Consenso de Washington (as diretrizes traçadas pelo império estadunidense, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial). Explica que isto tem repercutido na realidade dos países latino-americanos, através de iniciativas adotadas pelo Estado.
Um Estado que havia sido destruído pelas políticas neoliberais, ficando sem poder de responder às demandas sociais. “Há que se reconstruir o Estado e pensar num Estado diferente”, aponta.
2 – Adoção de políticas econômicas que reforçam a produção nacional e o mercado interno. Portanto, mais dinheiro circulando. Lembrou a importância disso na Argentina, onde, segundo ele, a pobreza é basicamente devido à renda, não é um problema estrutural.
3 – Há uma vocação para os processos de integração regional. Neste ponto constata uma fragilidade, o que dá origem a muitas críticas. É o fato da integração se dar pelas cúpulas, exemplificando com o Mercosul, onde predominam os acordos alfandegários.
4 – A reafirmação do sistema político democrático e representativo. Observa que “é pouco e limitado”, acenando para o avanço da democracia participativa. E emendou: “Não devemos negar a importância da democracia representativa, mas lutar para complementá-la”.
ESTADO COMO SUJEITO DA MUDANÇA - Nesta altura, Uranga citou a visão crítica do uruguaio Raúl Zibechi (jornalista, escritor, estudioso de movimentos sociais) para frisar que os governos progressistas têm em comum a idéia de recuperar a centralidade do Estado – o Estado como sujeito da mudança, autor central da mudança.
Referiu-se à contradição governo versus direita (mencionei acima) e chamou a atenção para problemas e tensões entre a esquerda e tais governantes, como críticas à falta de espaço para ação dos movimentos e seu papel na luta; a tendência de cooptação de militantes pela máquina governamental; o deslumbramento de muitos deles ao se incorporarem ao Estado.
Há ainda conflitos decorrentes das reivindicações próprias das entidades sociais/sindicais, diante das questões do poder, bem como impasses surgidos da dificuldade de darem um passo adiante e reconhecerem o peso das lutas políticas mais gerais.
FUTURO DA AMÉRICA LATINA - Uranga encerrou sua exposição, na manhã do sábado, dia 20 (da qual me ative apenas a uma pequena parte), destacando a integração como o futuro da América Latina, logo após fazer uma entusiástica pregação em favor da convivência harmoniosa entre as diferenças.
Ele tinha mencionado problemas atuais entre indígenas e brancos na Bolívia, dentro do próprio campo revolucionário – os povos originários têm dificuldade de encarar os brancos como companheiros, depois de 500 anos de brutal discriminação. “Somos diferentes, nosso êxito não está em aniquilar a diferença, mas sim em construir juntos”, proclamou.
(Observação: considerando apenas a América do Sul, com exclusão de Guiana, Suriname e Guiana Francesa, creio que podemos avaliar hoje uma situação animadora: apenas dois países não têm governos considerados progressistas – o Peru, cujos governantes vivem acuados pela mobilização popular; e a Colômbia, uma forte praça de guerra do império dos Estados Unidos.
Claro que há muitas nuances nesse avançar em busca do efetivo protagonismo popular. Identificamos três onde os avanços mostram-se mais radicais: o da Venezuela, com sua Revolução Bolivariana, o da Bolívia – Revolução Democrática e Cultural -, e o do Equador e sua Revolução Cidadã, governos que, não por acaso, são demonizados pela grande mídia brasileira).
Integração a partir de baixo
Os debates com Washington Uranga, muito mais abrangentes, deram-se no seminário “América Latina: Por uma integração a partir de baixo”, organizado pelo Centro de Formação Milton Santos – Lorenzo Milani, no Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (Cepat) – conhecido em Curitiba como Casa do Trabalhador -, nos dias 20 e 21 últimos. Participaram mais de 50 ativistas sociais, inclusive de outros estados e países latino-americanos, sob a coordenação dos professores Ana Inês e Cesar Sanson.
No Brasil, estão entre as entidades que integram o Centro Santos Milani (como é referido de forma abreviada), além do Cepat, que contribuiu na coordenação do evento: o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Comissão Pastoral de Terra (CPT) e as Comunidades Eclesias de Base (CEBs).
A revista IHU On-Line (do Instituto Humanitas Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos/São Leopoldo-RS), com o tema “América Latina, hoje” – edição 292, de 11/05/2009 – foi utilizada como subsídio no seminário.
LEMBRANDO O NOSSO MILTON SANTOS, um dos patronos do centro: “Tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos espíritos seria impossível a regulação pelas finanças”.
Sem dúvida, a relação da esquerda com os chamados governos progressistas sempre foi muito difícil. E continua sendo. Neste final de semana, dia 20, tive a grata oportunidade de assistir a uma ponderada avaliação sobre o tema da parte de Washington Uranga (jornalista, professor, pesquisador na área de Comunicação, ativista social dos mais reconhecidos na América Latina। É uruguaio, com atuação hoje mais direta na Argentina).
Interpretando suas palavras, parece que as forças de direita têm mais facilidades de identificar a importância de tais governos, manifestando com virulência a contradição entre eles (direita x governo). “Embora a direita econômica não esteja mal nesses governos, mas há o aspecto ideológico”, diz Uranga, mostrando que, na visão da direita, há então a necessidade de se derrubar tais governantes.
A análise, claro, está centrada na América Latina. Vou citar exemplos de minha própria iniciativa, para ilustrar o pensamento do professor: o golpe de Estado na Venezuela, em abril de 2002, que tirou Hugo Chávez do poder durante dois dias (ele voltou no terceiro graças à mobilização popular); e a recente tentativa de afastar Evo Morales, na Bolívia, a partir do movimento pela “autonomia” do departamento (estado) de Santa Cruz.
Ao entrar no tema, Washington Uranga ressaltou a dificuldade da esquerda: “Temos muitas críticas e esperamos sempre mais”. Entende, no entanto, que os governos progressistas são um passo adiante, o qual não é suficiente – temos que seguir em frente –, porém se trata de um passo importante.
POR QUE UM PASSO ADIANTE? ELE VÊ QUATRO RAZÕES:
1 – A decisão de tais governos de rechaçar as políticas do Consenso de Washington (as diretrizes traçadas pelo império estadunidense, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial). Explica que isto tem repercutido na realidade dos países latino-americanos, através de iniciativas adotadas pelo Estado.
Um Estado que havia sido destruído pelas políticas neoliberais, ficando sem poder de responder às demandas sociais. “Há que se reconstruir o Estado e pensar num Estado diferente”, aponta.
2 – Adoção de políticas econômicas que reforçam a produção nacional e o mercado interno. Portanto, mais dinheiro circulando. Lembrou a importância disso na Argentina, onde, segundo ele, a pobreza é basicamente devido à renda, não é um problema estrutural.
3 – Há uma vocação para os processos de integração regional. Neste ponto constata uma fragilidade, o que dá origem a muitas críticas. É o fato da integração se dar pelas cúpulas, exemplificando com o Mercosul, onde predominam os acordos alfandegários.
4 – A reafirmação do sistema político democrático e representativo. Observa que “é pouco e limitado”, acenando para o avanço da democracia participativa. E emendou: “Não devemos negar a importância da democracia representativa, mas lutar para complementá-la”.
ESTADO COMO SUJEITO DA MUDANÇA - Nesta altura, Uranga citou a visão crítica do uruguaio Raúl Zibechi (jornalista, escritor, estudioso de movimentos sociais) para frisar que os governos progressistas têm em comum a idéia de recuperar a centralidade do Estado – o Estado como sujeito da mudança, autor central da mudança.
Referiu-se à contradição governo versus direita (mencionei acima) e chamou a atenção para problemas e tensões entre a esquerda e tais governantes, como críticas à falta de espaço para ação dos movimentos e seu papel na luta; a tendência de cooptação de militantes pela máquina governamental; o deslumbramento de muitos deles ao se incorporarem ao Estado.
Há ainda conflitos decorrentes das reivindicações próprias das entidades sociais/sindicais, diante das questões do poder, bem como impasses surgidos da dificuldade de darem um passo adiante e reconhecerem o peso das lutas políticas mais gerais.
FUTURO DA AMÉRICA LATINA - Uranga encerrou sua exposição, na manhã do sábado, dia 20 (da qual me ative apenas a uma pequena parte), destacando a integração como o futuro da América Latina, logo após fazer uma entusiástica pregação em favor da convivência harmoniosa entre as diferenças.
Ele tinha mencionado problemas atuais entre indígenas e brancos na Bolívia, dentro do próprio campo revolucionário – os povos originários têm dificuldade de encarar os brancos como companheiros, depois de 500 anos de brutal discriminação. “Somos diferentes, nosso êxito não está em aniquilar a diferença, mas sim em construir juntos”, proclamou.
(Observação: considerando apenas a América do Sul, com exclusão de Guiana, Suriname e Guiana Francesa, creio que podemos avaliar hoje uma situação animadora: apenas dois países não têm governos considerados progressistas – o Peru, cujos governantes vivem acuados pela mobilização popular; e a Colômbia, uma forte praça de guerra do império dos Estados Unidos.
Claro que há muitas nuances nesse avançar em busca do efetivo protagonismo popular. Identificamos três onde os avanços mostram-se mais radicais: o da Venezuela, com sua Revolução Bolivariana, o da Bolívia – Revolução Democrática e Cultural -, e o do Equador e sua Revolução Cidadã, governos que, não por acaso, são demonizados pela grande mídia brasileira).
Integração a partir de baixo
Os debates com Washington Uranga, muito mais abrangentes, deram-se no seminário “América Latina: Por uma integração a partir de baixo”, organizado pelo Centro de Formação Milton Santos – Lorenzo Milani, no Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (Cepat) – conhecido em Curitiba como Casa do Trabalhador -, nos dias 20 e 21 últimos. Participaram mais de 50 ativistas sociais, inclusive de outros estados e países latino-americanos, sob a coordenação dos professores Ana Inês e Cesar Sanson.
No Brasil, estão entre as entidades que integram o Centro Santos Milani (como é referido de forma abreviada), além do Cepat, que contribuiu na coordenação do evento: o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Comissão Pastoral de Terra (CPT) e as Comunidades Eclesias de Base (CEBs).
A revista IHU On-Line (do Instituto Humanitas Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos/São Leopoldo-RS), com o tema “América Latina, hoje” – edição 292, de 11/05/2009 – foi utilizada como subsídio no seminário.
LEMBRANDO O NOSSO MILTON SANTOS, um dos patronos do centro: “Tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos espíritos seria impossível a regulação pelas finanças”.
Comentários
parabens. belo texto...
concerteza temos que nos envolvermos nos problemas da américa latica, pois do contrario outros farão isso sem a gente e contra a gente!
um forte abraço!