Novo sistema político para enfrentar a crise


De Curitiba (PR)

Enquanto os setores atrelados às grandes corporações internacionais, através da grande imprensa, tentam meter em nossas cabeças que só o novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pode dar um jeito nos estragos causados pela crise financeira mundial (não seria melhor chamar “crise do capitalismo”?), divulgo aqui, para meus poucos leitores, uma visão diferente.

Do economista e presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (Iela) da Universidade Federal de Santa Catarina, Nildo Ouriques, que defende a necessidade de novo sistema político para enfrentar a situação. Interpretando suas palavras, digo que só conseguiremos sair bem da crise, do ponto de vista da nação – da maioria da população, dos movimentos sociais -, se tivermos forças para superar a podre democracia representativa brasileira e, em seu lugar, lograrmos construir uma democracia participativa.

Transcrevo um resumo de sua palestra no seminário Crise – Desafios e Soluções na América Latina, promovido pelo governo do Paraná, nos dias 25, 26 e 27 de março, em Foz do Iguaçu, no Espaço das Américas, local privilegiado de onde se descortinam as fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai. A transcrição é feita com base na cobertura do site da Agência Estadual de Notícias (AEN), do governo paranaense.

Para quem não sabe da guerra travada diariamente entre o governador Roberto Requião e a grande mídia, registro que os debates – com destacadas pessoas do Brasil e de outros países latino-americanos (ver abaixo) – não mereceram a cobertura da imprensa brasileira, inclusive a do Paraná. Presumo que publicações como Carta Capital e Caros Amigos devam publicar alguma matéria a respeito. A cobertura aqui no Paraná fica por conta da TV e rádio Educativa (estatais), trincheiras de luta de Requião.

RESUMO DA PALESTRA do professor Nildo Ouriques (mantenho as aspas apenas nos trechos usados pelo repórter da AEN como citações literais):

O novo sistema político da América Latina deve ir no sentido de um “novo constitucionalismo”, a exemplo do que estão fazendo países como Venezuela, Equador e Bolívia. A redefinição seria baseada principalmente na mudança da ideologia adotada pelos capitalistas, a qual defende o livre comércio, a autorregulação do mercado, das finanças e da produção.
“Aqueles que defenderam essas ideias estão se defrontando com a árdua tarefa de ver o mundo derretendo diante de seus olhos, a partir de práticas advindas de uma ideia que era popular, de fácil aceitação, que ganhou o mundo político, do jornalismo e dos intelectuais com rapidez. Agora este modelo é responsável por mostrar a irracionalidade do sistema capitalista. Portanto, não podemos ceder no juízo teórico e político que estamos fazendo sobre esta crise”.

O sistema político baseado nessas ideias “é incapaz de resolver os grandes problemas, de enfrentar esta crise, mas é parte da crise”. Por isso seria necessária a adoção de um novo sistema. “É preciso pensar a crise desde a economia política. É necessário superar o caráter tecnocrático que o debate sobre a economia adquiriu no Brasil e no mundo nos últimos anos, de forma a evitar ilusões sobre o alcance do problema”.

Os políticos devem mudar suas posturas neste momento. “Estamos precisando de um novo tipo de político, porque o político tradicional ajudou a criar esta crise e não está disposto a enfrentá-la, com suas conseqüências devastadoras. Portanto, faz parte da feição do novo político enfrentar este debate com a grandeza que ele tem, colocando todas as ideias, inclusive as que, à primeira vista, podem nos parecer absurdas”.

PARTICIPAÇÃO POPULAR - A democracia liberal “não dá mais conta do assunto”. O novo sistema político, que está em curso no Equador, Bolívia e Venezuela, coloca que as grandes decisões nacionais devem passar por votação popular. “Não dá para deixar essas discussões para o Congresso Brasileiro, que não é mais capaz de representar e de encontrar uma saída para a crise”.

DEPRESSÃO – O mundo vive uma depressão, “muito mais grave, profunda e, provavelmente, mais prolongada que a de 1929. Não podemos passar por ela como se fosse uma pequena turbulência, como se fosse a crise das bolsas de valores de 1997. Estamos em uma crise sistêmica e é o momento de pensar as grandes alternativas, as novidades e aquilo que foi proibido de ser pensado”.

A crise não pode ser resolvida com medidas anticíclicas.

“Esta parece ser a fé dominante, que implica em uma brutal desvalorização da riqueza, na precarização ainda maior do trabalho e dos trabalhadores, com desemprego massivo em primeiro lugar, que será a face mais evidente da crise, além de uma superexploração dos trabalhadores nos países centrais e nos periféricos, que têm 2/3 dos trabalhadores sem carteira assinada। Em escala global, alguns países sairão com mais poder e riqueza que outros। Teremos um sistema mais desigual do que este que nós temos”।

A crise não se limita ao sistema financeiro, mas afeta também a produção e o comércio.
“Segundo Pascoal Lamy, responsável pela Organização Mundial do Comércio, o comércio retrocederá entre 8% e 9%। A crise afetou a saúde dos bancos, destruiu o sistema bancário dos Estados Unidos e comprometeu de maneira irremediável o sistema europeu, mas não se limita a este mundo. Grandes empresas, antes mesmo da crise, que eram símbolo do capitalismo, como a General Motors e a Chrysler, já apresentavam problemas seríssimos que as comprometeram”.

VULNERABILIDADE – O Brasil é vulnerável à crise e apresenta “um desarme intelectual e político brasileiro para enfrentá-la”. Esta vulnerabilidade vem da “aventura especulativa” de um conjunto de empresas e exportadores brasileiros, como Sadia, Votorantin e Aracruz. “Eles lançaram mão das benesses da compra de capital liberada e se endividaram no exterior, em dólar, em curto prazo, deixando um rombo desconhecido pelo Estado brasileiro. Em dezembro, este era um problema seríssimo e forçavam-se as empresas no limite a fazer um ataque especulativo contra a moeda nacional”.

O modelo baseado na economia exportadora, que atrofia o mercado interno e supõe a integração com um país mais desenvolvido, caiu por terra.

“O grande dilema brasileiro é que, enquanto o governo federal busca tomar medidas de austeridade, diante de um mercado de trabalho com problemas, das pequenas e médias empresas com dificuldades e de um mercado interno atrofiado, tem uma elite empresarial que está mandando dinheiro para fora”।

Em 2004, o volume dos depósitos no exterior alcançou 95 bilhões de dólares। Em 2008, chegou a 155 bilhões de dólares.
É impensável do ponto de vista político e econômico aceitar que, enquanto vamos impor medidas de austeridade para a grande maioria da população, que sofre com desemprego e com baixa de salários, uma parte da elite brasileira continua se protegendo em dólar, com depósitos no exterior, fruto de uma ruptura que não ocorreu do modelo que embalou a economia brasileira e que começou em 1994, com o Plano Real”.

É preciso controlar estas remessas de lucros e dividendos, porque as multinacionais americanas só recompõem suas taxas de lucro, como demonstrado nos últimos oito anos. “Elas se defenderam auferindo lucros no mercado financeiro e também pela remessa feita pela periferia, uma parte significativa - em alguns casos, esta forma foi responsável por 40% da recomposição da taxa de lucro, segundo dados do governo dos Estados Unidos. Não temos autoridade para pedir sacrifícios para o povo latino-americano, se não pusermos rígidos controles para redução de capitais e remessas de lucros e dividendos”.

INTEGRAÇÃO – O Brasil precisa pensar na integração da América Latina, com uma “drástica redefinição da política externa, cedendo soberania para ganhar poder”. Só assim poderá ser protagonista no mercado mundial. Para isso, é preciso configurar novas estratégias empresarias e estatais que reconstruam o Estado, depois do pesadelo neoliberal, de baixo para cima, dando legitimidade popular, com vontade coletiva.

A integração deve estar no centro da política brasileira. “Precisamos de uma ‘latino-americanização’ do Itamaraty, do político brasileiro, entendendo que a integração tem que ganhar formas concretas”.

Dilma Rousseff entre os palestrantes

Os ministros brasileiros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) fizeram palestras durante o seminário. Também o governador Roberto Requião deu sua visão sobre a crise na abertura do encontro.

Já os participantes dos debates, além de Nildo Ouriques, foram: os professores Wilson Cano (Unicamp) e José Carlos de Assis (presidente do Instituto Desemprego Zero e assessor da presidência do BNDES), Renato Rabelo (presidente do PC do B), Bernardo Alvarez (presidente do Banco Alba – Alternativa Bolivariana para as Américas), Cristina Pasin (gerente de Acordos Internacionais do Banco Central da Argentina), Gerardo Licandro (gerente de Investigações Econômicas do Banco Central do Uruguai) e Gustavo Soverina (do Ministério da Indústria e Comércio do Paraguai).

Todo o material jornalístico, produzido pela AEN, pode ser acessado nos sites http://www.aenoticias.pr.gov.br/ e http://www.crise.pr.gov.br/.

Comentários

Goiano disse…
Meu nobre jornalista e hoje analista politico-economico, Jadson Oliveira.
Jadson, comundo contigo quando expessa que a "crise deixa de ser financeira e passa a ser do Capitalismo". Ora, é perceptivel que a crise é sistêmica, uma crise do modo de produção capitalista, do conjunto do sistema global, tanto na área produtiva, financeira, energia(petroleo),instituições(corrupção, meio ambiente(destruição do planeta)e ideologica(neoliberal).E não adianta o presidente Lula querer emprestar dolares para o FMI, pois nós estamos dentro desta crise e de uma forma muito forte. A globalização do capital, agora propicia uma crise da mesma forma globalizada, com adendo que talvez eles não pensaram, agora os mesmos problemas são compartilhados pelos trabalhadores, pena que falta organização para estes, mas, logo, logo começam as manifestações, por conta da miséria, desemprego, saúde, corrupção, promessas, etc.
Vale a pena ver os movimentos sociais organizados, vale a pena sonhar, quem sabe não reconstruir este estado e sim pensar na derrocada da podridão.
Edelson disse…
oh!companheiro, quanta saudade. Pensei até que tinha se embrenhado na floresta amazonica e perdido o rumo. Sem notícias, sem nenhuma reportagem, estava deveras preocupado. Mas, contrariando o ditado: As coisas boas sobrevivem. Parabéns por mais este artigo. Não fica com tanta leseira...escreve m
eu camarada, que eu leio...
Abraços do amigo,
Edelson
Jadson disse…
Ok velho companheiro Edelson, parece que a leseira tá passando. E Goiano, companheiro sempre no front das lutas sociais (é só acompanhar, além do passado, os quatro/cinco anos de luta do Projeto Velame Vivo), o "x" da questão é mesmo a participação organizada dos movimentos sociais.
Pode-se dizer, isto é clichê da esquerda, a panaceia... Claro que não é a solução de tudo, mas sem o protagonismo popular não há qualquer possibilidade das coisas andarem no rumo do interesse da maioria. (A propósito, quero que vocês leem um comentário que fiz nos blogs Mídia Baiana e De papo com Joaninha, sobre a polêmica da exigência do diploma para jornalistas).
Não sei se vocês se lembram, mas há uns três anos o Stédile, do MST, em entrevista à Carta Capital, previu que pelos meados do atual mandato presidencial (fosse com Lula ou outro), ocorreriam mobilizações populares no Brasil, o povo ganharia as ruas, etc. Ele próprio dizia que sua previsão era, na verdade, um chute. Podia-se observar assim uma espécie de torcida, aquele pensamento desejoso que marcou e prejudicou muito o nosso voluntarismo dos anos 60/70. Eu cheguei a comentar que notava uma certa angústia no Stédile, um lutador social de alto valor, demonizado pela nossa grande mídia, incansável numa luta que nunca(?) se espalha por amplas massas. Será?
Agora, com a crise do capitalismo, com a derrocada do neoliberalismo, os movimentos sociais terão forças para avançar? Ou o capitalismo vai se remendar e continuar sua marcha voraz, em detrimento da vida, em detrimento de algum tipo de sistema político (socialismo?) que proporcione "a maior soma de felicidade possível" para o povo, expressão sempre usada por Hugo Chávez, citando seu guru, o libertador Simón Bolívar?
Será, companheiros?
Joana D'Arck disse…
Ainda bem que a leseira passou, companheiro. Seus textos fazem muita falta, especialmente por você colocar em discussão questões como a crise do capitalismo.Gosto também quando você nos revela um pouco da vivência dessa vida cigana que a gente morre de inveja. Mais uma vez tomei a ousadia de mudar o título do blog e acho que agora acertei em cheio, porque evidentemente é sua cara. Mas pensando bem, proponho uma enquete para a escolha do títutlo do blog. Que acha? Joana.
Jadson disse…
O novo título tá ótimo, mais personalizado. Mas querendo fazer a enquete, tudo bem. Vc sabe, vc é a mãe deste blog, Deta é a madrinha.
Anônimo disse…
Amigos,
Entre a nova esquerda Latino Americana chamada de Novos Ditadores e a final do Big Brother (o da Globo e não o de Orwell) que se aproxima, provavelmente parcela pequena da população está realmente preocupada com "a crise". É apenas mais uma notícia da grande mídia, tão importante quanto o vestido de Michele Obama ao encontrar a Rainha.
Espero sinceramente que sua voz seja ouvida, meu cara pai. Farei minha parte e divulgarei, como sempre, o blog para meus alunos... e um dia quem sabe essas palavras sejam mais relevantes que: "Lula is the man!" by Barata Obama.
Jadson disse…
Bem falado, Fabiano. Prazer tê-lo visitando meu blog. Curiosidade: de onde saiu a sacanagem ‘Barata’ Obama? Entre os jovens? Nunca a tinha visto ou ouvido. Coincidência, estava vendo teu site Viananet – Literatura e Antropologia na rede, mudei pro meu blog e me deparei com seu comentário. (A propósito, teu site é cheio dessas coisas novas (novas?) da tecnologia da informática, links, vídeos, não sei o que mais, uma parafernália que me deixa atarantado).
Bem, meu blog parece que tá saindo da “leseira”, como disse o velho companheiro Edelson.
Anônimo disse…
A parafernália nos meus sites é um mal necessário para atrair a atenção dos meus alunos, principalmente. Ninguém hoje mais novo tem paciência de ler, aí preciso colocar vídeos, áudios e imagens para estimular mais.

Quanto ao apelido "Barata" foi eu mesmo que criei na hora que estava escrevendo, mas não duvido que alguém mais o use também. Pena que só faz sentido em português.

Boas aventuras,

Fabiano