Pioneirismo da nova Constituição boliviana

Foto: Manoel Porto



A nova Constituição da Bolívia, aprovada com 61% dos votos no referendo do último domingo, dia 25, é pioneira na América Latina ao reconhecer o Estado plurinacional, ou seja, explicitar em seus dispositivos a autonomia dos povos e nações indígenas. É uma das reivindicações dos povos originários da região andina, que vêm avançando politicamente também no Equador, Peru, Chile e México.

No Chile essa luta é liderada pelo povo Mapuche, nação indígena com 1,5 milhão de habitantes (mais 400 mil na Argentina), protagonista de embates contra governantes do país nos últimos anos, incluindo a atual presidente Michelle Bachelet. A abordagem do tema foi feita nesta quinta-feira, dia 29, por Claudio Carihuentro (foto), que representa organizações Mapuche no Fórum Social Mundial (FSM), em Belém, capital do Pará.

Ele participou da mesa de debates no Espaço pelos Direitos Coletivos dos Povos, onde se discutiu a situação de povos e nações sem estado, como é o caso dos indígenas e também dos povos do País Basco, da Catalunha, Galícia, os curdos, bem como o caso conturbado dos palestinos, na mídia todos os dias devido aos massacres perpetrados pelo exército de Israel.

Representantes de 30 povos nessa condição estiveram no FSM. Participaram dos trabalhos estudiosos reconhecidos internacionalmente, dentre os quais os sociólogos Emir Sader (brasileiro) e Boaventura de Souza (português). Pela primeira vez, o direito à autodeterminação é um dos 10 eixos temáticos do Fórum Social.

Claudio Carihuentro diz que, enquanto princípios (deixando de lado questões específicas de cada realidade), os mapuches e demais povos andinos defendem exatamente o definido na nova Carta Magna boliviana: Estado plurinacional, autonomia territorial e representação própria junto ao governo central. (Para se entender melhor: haverá na Bolívia representantes eleitos por cada povo indígena para atuação junto ao presidente da República, independentemente de deputados ou senadores, por exemplo).

Ele chama a atenção para não se confundir com a autonomia pregada pelas oligarquias da chamada Meia Lua, tendo à frente o estado de Santa Cruz, as quais, na verdade, querem autonomia na exploração dos recursos naturais, especialmente o gás e o petróleo. Pregam, de fato, o separatismo, visando boicotar o processo de mudança liderado por Evo Morales, o qual, em última análise, institui a exploração dos recursos do país em favor do povo.

Luta do povo Mapuche

Um breve retrospecto da luta dos Mapuche desde a época de Salvador Allende, o primeiro socialista a ser eleito, dentro dos preceitos na nossa democracia representativa. Allende efetuou a devolução das terras indígenas, o que foi anulado logo após a tomada do poder pelos militares sob o comando de Pinochet, em 1973.

Com a redemocratização, foi fechado um acordo com os indígenas, segundo o qual terras foram devolvidas, eles passaram a valorizar sua própria língua e a usufruir alguns outros direitos. Em troca, os Mapuche restrigiam novas demandas por terra às vias legais. “Mas, a luta por vias institucionais não gerou resultados satisfatórios”, conta Carihuentro.

“Em 1994 – continua – iniciamos as ocupações de terras e os protestos de rua”. E as forças governamentais responderam com o incremento da repressão policial. O ex-presidente Ricardo Lagos usou a chamada lei antiterrorista, parida pela ditadura de Pinochet, enquanto a atual Bachelet, de corte mais à esquerda, abriu mão de utilizar tal legislação. Mas os choques e a repressão prosseguem. Claudio Carihuentro contabiliza, na recente fase democrática, dois mortos e 50 presos entre os indígenas.

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