Socialismo de contrabando?
Esta expressão é da lavra da oposição a Hugo Chávez, a qual não se cansa de denunciar que o presidente perdeu o referendo de 2 de dezembro último, sobre a institucionalização do socialismo na Venezuela, e não pára de fazer propaganda do novo regime, implantando-o em cada ação do governo. Ou seja, “de contrabando”, porque rejeitado pela consulta popular. A irritação dos oposicionistas tem sentido. Nos últimos dois meses, o líder da revolução bolivariana já nacionalizou e/ou expropriou e/ou comprou algumas empresas. Citando os casos mais rumorosos: as três maiores da indústria de cimento (uma mexicana, outra francesa e a terceira suíça); uma empresa agrícola, responsável por 37% da produção de leite e derivados; várias fincas (fazendas, chácaras), cujas terras serão entregues a agricultores para um tipo de exploração coletiva; e antes havia sido comprada a CanTV, uma das maiores na prestação de serviços no ramo de informática. (Para não falar nos conselhos comunais, às quais Chávez às vezes se refere como comunas socialistas).
A última, cuja desapropriação foi aprovada nesta terça, dia 29, pela Assembléia Nacional, foi uma grande siderúrgica chamada Sidor, que era do Estado, foi privatizada na onda neoliberal antes de Chávez e agora estatizada novamente. O governo estava negociando para comprar, mas como não chegaram a um entendimento quanto ao preço, foi feita a desapropriação, alegando-se a existência de irregularidades na empresa. Sempre que o presidente anuncia tais ações, diz mais ou menos assim: “Esta agora será uma empresa so-ci-a-lis-ta”, assim, marcando as sílabas. Em seguida, explica, didaticamente, as diferenças entre o capitalismo e o socialismo. Joga todo o peso de seu carisma e sua popularidade para massificar as vantagens do socialismo e a perversidade do capitalismo. E isso, ao vivo a cores, em TV e rádio estatais. Em várias ocasiões, em cadeia nacional de rádio e TV.
Os oposicionistas não se conformam e os oficialistas (o nome mais comum aqui para os governistas) parecem não ligar muito, pois não se vê esforços para justificar a ofensiva do governo. Ultimamente, Chávez referiu-se à denúncia da oposição. Argumentou que não há contrabando algum, que toda ação governamental está contida nos limites da Constituição (e mostra o livrinho azul, folheia, lê um artigo ou outro). Comentou que se a reforma constitucional fosse aprovada em 2 de dezembro (lamenta que “perdemos, por uma diferençazinha... Bem, mas perdemos”), os conselhos comunais, por exemplo, já podiam fazer parte do orçamento do país. E segue adiante, na sua pregação incansável: “O socialismo...” E no final, levanta o braço esquerdo (é canhoto), mão fechada: “Pátria, socialismo ou morte!” A platéia grita em resposta: “Venceremos"
Sem pobreza à vista (Conhecendo Caracas)
Nesta terça-feira, dia 29, fiz uma extensa caminhada. Me lembrou as aventuras de grande caminhador, em companhia de (e muitas vezes instigado por) Deta, a parceira de quase 13 anos. Mas desta vez fui sozinho mesmo. Foram três horas, das 10h às 13h. Seriam em torno de 15 quilômetros, já que meu ritmo está ao redor de 5 quilômetros/hora, mas deve ser menos porque havia muita subida. Andei do centro de Baruta ao de El Hatillo, dois dos cinco municípios que formam Caracas. Foi uma ação meio temerária. O trecho não é apropriado para caminhadas: além das subidas, há partes sem passeio e desertas, isto é, só passam carros, muitos carros, o trânsito é sempre intenso.
O que motiva o título é a ausência de casas pobres por todo o percurso. São centenas de edifícios de luxo, blocos de edifícios com entradas devidamente vigiadas, privativas. Mansões encravadas nos morros (já disse algumas vezes que Caracas está num vale e se expandiu entre montanhas) e muita área verde. Há também muitos centros comerciais. Um “paraíso” da classe média alta. Não é por acaso que os prefeitos (alcaldes) dos dois municípios são da oposição a Chávez. Decididamente, ali não é lugar para os chavistas. A capa asfáltica das ruas é sempre muito boa. Pelo caminho, ainda no território de Baruta, há placas onde o prefeito informa que 82% das vias estão sem buracos. Uma saudável, cansativa e instrutiva caminhada. O retorno foi de ônibus, com direito a um copo de shop (aqui chama-se sifón) na Taberna Sagres (centro de Baruta), de um português muito simpático, onde se pode beber, comer e assistir (e apostar) a corridas de cavalo (carreras).
“A arepa fica quadrada”
Esta é mais para os jornalistas (editores, tituleiros, mancheteiros). Os leitores deste blog já conhecem a arepa, a mais venezuelana das comidas, que tem forma circular (veja postagem anterior). O título é a manchete principal da primeira página do Últimas Notícias, o jornal mais lido do país, e foi motivado pelo aumento de preço da farinha de milho, o ingrediente básico do alimento. Está assim em espanhol: “La arepa se puso cuadrada” (literalmente, seria “a arepa se pôs quadrada” ou “ficou quadrada”). Gostei. Cultivo essa mania de jornalista, ficar nas bancas espiando as manchetes dos periódicos.
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