“O povo continua na rua, agora rumo ao socialismo”. A consigna, inscrita em muitas das camisetas vermelhas, dá o tom do estado de espírito dos milhares de venezuelanos que inundaram ruas de Caracas para comemorar o primeiro de maio. A concentração dos chavistas (ou bolivarianos, como eles preferem) foi iniciada no bairro La Bandera, por volta das 8h da manhã, e deslocou-se pelas avenidas Nueva Granada e Fuerzas Armadas até a Urdaneta (a mesma usada para lembrar o golpe de abril de 2002), esquina Las Carmelitas, a duas quadras do palácio presidencial Miraflores, no centro da cidade. Com grupos musicais, bandeiras, cartazes e, claro, discursos, a manifestação foi até o início da noite. No imenso palco, as palavras de ordem: “Trabalhadores anti-imperialistas. Pela soberania e pela paz. Unidos construiremos o socialismo”.
O ato serviu também para festejar os 30% de reajuste do salário mínimo, anunciado na véspera pelo presidente Hugo Chávez, destacando que agora a Venezuela tem o maior piso salarial da América Latina. Passou para o equivalente a 372 dólares (para propiciar as comparações), sem incluir o tíquete de alimentação (Segundo o sítio da Telesur, o mínimo da Argentina está em 310 dólares e o do Chile em 266). No Brasil, deve estar agora em torno de 240 dólares, certo?
A mobilização foi organizada pelas forças sindicais mais ou menos alinhadas com a União Nacional dos Trabalhadores (UNT), uma entidade que tentou unir os sindicatos e federações próximos ao chavismo, a partir de 2003. Tentou, mas ao que parece perduraram muitas dificuldades. Atualmente, em meio à natural polêmica, os dirigentes sindicais mais identificados com o governo reorganizam a UNT e criam uma nova central, a Força Socialista Bolivariana dos Trabalhadores (FSBT). Participaram do ato os partidos governistas (eles chamam oficialistas), como o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), recém criado por Chávez e presidido por ele, o Partido Comunista (PCV) e o Pátria Para Todos (PPT).
Central anti-Chávez – Houve outra manifestação, bem menor do que a dos bolivarianos, mas também expressiva. Iniciou-se na praça Morelos, bairro de Bellas Artes, seguindo a marcha pela avenida México até a esquina São Francisco, também no miolo de Caracas. Com grande diferença visual – a maioria usava camisetas brancas – e palavras de ordem com severas críticas à atuação do presidente, inclusive considerando irrisório o aumento do salário mínimo. Foi organizada por sindicatos ligados à Confederação dos Trabalhadores da Venezuela (CTV), central antiga que resistiu e resiste ao chavismo, contando com a participação de partidos oposicionistas, como Un Nuevo Tiempo (UNT), Justicia Primero (JP), que são jovens, e antigos como Acción Democrática (AD) e Copei (dos democratas cristãos), que dominaram a cena política do país na segunda metade do século passado.
Depoimentos de “camisas vermelhas”
Jesús Pérez, 31 anos, casado, um filho - “Vivemos um momento significativo para o país, quando o presidente se empenha em melhorar o bem-estar dos venezuelanos. É um momento importante para a Venezuela, mudou a política de exploração, o presidente tem cortado a parte negativa do capitalismo, não há hoje o jugo como no Brasil e outros países. Não, não é que eu seja chavista, há outras maneiras de pensar, há 40 anos aqui não havia essa política de bem-estar social e segurança alimentar, então temos que agradecer. Não sou filiado a sindicato, nem a partido político, sou católico praticante (estava com camiseta vermelha, com a inscrição “Jesus em ti confio”), da Congregação Coração de Jesus. Acho positivo o aumento de 30% do salário mínimo, foi o único presidente que fez isso na história do país”.
Alirio Freites, 37, solteiro, um filho - “Acompanho o processo dirigido por Chávez, sua atuação é boa, importante, incentiva muito o povo. O reajuste do mínimo foi magnífico, com este salário e a diminuição do desemprego, vamos sair da pobreza. Não sou ligado a sindicato ou partido, pertenço ao Conselho de Trabalhadores, é mais importante do que sindicato, que só faz reclamar salário, nós não, nós atuamos na cultura, com os produtores, com o povo, com os conselhos comunais. Acho que a outra manifestação é necessária para equilibrar o movimento e assim temos mais força. É necessário que exista a oposição”.
Aidée Alvarez, 45, casada, dois filhos; e Elismar López, 28, casada, um filho (são da Corporação Venezuelana Agrária, CVA, sediada no Estado Lara, vieram a Caracas para o primeiro de maio, com o que uma falava a outra concordava) - “Não somos de sindicato, nem partido, estamos aqui porque o governo trabalha pelo desenvolvimento da agricultura. O governo Chávez é bom para a gente necessitada, a gente do povo” (Em suas camisetas, estava “Terras e homens livres”).
Braulio Aular, 57, “ajuntado”, quatro filhos com a primeira mulher e dois com a atual, oficial de segurança da prefeitura (alcaldía) de Libertador, onde trabalham mais de 70 mil pessoas, está filiado ao Sindicato dos Operários Bolivarianos - “A outra manifestação é dos contrários ao sistema revolucionário, dos que atuam na contra-revolução. O presidente Chávez trabalha pelo povo, inclusive de outros países, na sua ação internacional. Agora estamos reorganizando o movimento sindical, antes os sindicatos eram patronais. Os que querem trabalhar pela Venezuela, tudo bem, mas a maioria da oposição é contra a Venezuela. Ficamos uns 40 anos de joelho diante do império, agora estamos tirando esse jugo, lutando pela integração da América Latina. Devemos ficar de joelhos unicamente diante de Deus, mas na Terra não ficamos de joelhos perante ninguém” (contou que foi da marinha mercante, já esteve em Salvador e Rio de Janeiro e gosta muito da música brasileira. Citou, nesta ordem, Vinicius, Tom Jobim, Luis Bonfá, Gal, Simone, Bete Carvalho, Elis Regina, Ari Barroso, Altemar Dutra, Chico Buarque, Roberto Carlos, Milton Simonei (se existe, não conheço), Milton Nascimento e Clara Nunes).
Depoimentos de “camisas brancas”
Orlando Ribas, 52, dirigente sindical há 30 anos, é secretário geral do Sindicato Único da Construção de Caracas, Miranda e Vargas (dois estados), com oito mil filiados - “As duas manifestações são fruto de distintas correntes, uma independente e a outra que apóia Chávez, nós não temos ligação com partidos políticos. O aumento de 30% do salário mímino temos que aceitar por obrigação, mas não corresponde às expectativas, porque a inflação devora rapidamente. (Venezuela tem um dos maiores índices de inflação da América Latina, no ano passado chegou a 22,5%). A CTV vai continuar existindo, enquanto a UNT vai ser substituída por outra central, a FSBT, que apóia Chávez. Nossas bandeiras de luta você pode ver aí nas faixas e cartazes: contra o alto custo de vida, pela liberdade sindical (sem intervenção do governo), pela discussão das convenções coletivas, pagamento de indenizações a aposentados e debate sobre o currículo escolar” (há uma polêmica aqui sobre a implantação de um novo currículo).
Carlos Eduardo, 34, solteiro, uma filha, trabalhador social - “Aqui estamos reivindicando, para que não se imponha o projeto socialista, nem o currículo escolar bolivariano. Queremos a construção de uma Venezuela para todos. Chávez é totalitário, tem um projeto comunista marxista que não queremos. O aumento de 30% é insignificante, porque a inflação até março chegou a 42%, não é justo. Não sou de nenhum sindicato, nem de partido, defendo o bem-estar social e mais segurança”.
Mariela Ramos, 51, casada, três filhos - “Não, não estou participando da manifestação, aqui realmente as pessoas são contra o presidente Chávez, eu o apóio em algumas coisas. Sou militante da Igreja Católica” (Na verdade, estava distribuindo figurinhas da Madre Candelaria de San José, beatificada no início da semana em Caracas, para angariar donativos. Pregou uma no bolso da minha camisa, mas dei uma desculpa para não dar dinheiro e ela desistiu numa boa).
José Zambrano, 41, solteiro, dois filhos, supervisor escolar, é filiado ao Sindicato dos Operários Educacionais e ao partido político Copei - “Apóio Chávez em algumas coisas, como na área de seguro social, as pensões para pessoas da terceira idade. Porém, condeno a qualidade da educação, que baixou cerca de 40%; ele diz que vai eliminar a burocracia, mas agora ela está pior; a família Chávez agora é dona de terras (um deputado fez recentemente uma denúncia neste sentido), enquanto os pobres continuam pobres”.
Comentários
Já que o blog cita o piso salarial brasileiro, é bom explicar que o atual alcançou o patamar de US$ 245dólares, mas a nossa inflação anual permanece entre 4% a 4,5%. É bom lembrar também o quanto o Governo Lula avançou nessa questão, comparando que no Governo Fernando Henrique Cardoso o salário mínimo chegou ao máximo de US$ 56,00. Dá pra comparar?