André Singer, cientista político (Foto: da Internet) |
“É muito difícil para a sociedade perceber o que
está acontecendo, porque aparentemente as instituições estão funcionando,
existe uma fachada legal...”
(Meus amigos me sacaneiam porque não uso Whatsapp
e ainda uso e-mail. Mas o que eu quero mesmo é voltar a usar cartas).
Por
Jadson Oliveira – jornalista/blogueiro – editor deste Blog Evidentemente
Caro
companheiro Lustosa (Valdimiro
Lustosa, também chamado Guri),
Há
dias tento escrever alguma coisa sobre ‘A
tão falada democracia... uma falácia”, espicaçado por seu artigo (‘reflexões’)
aqui publicado no último dia 24/junho.
(É
pena que este meu Blog Evidentemente é pouco visitado. Seu artigo teve apenas
91 acessos até hoje. Merecia mais).
Mas
esse Corona, com o flagelo do confinamento mal feito e o genocídio anunciado,
tem me deixado de saco cheio e me tirado a parca inspiração.
A
verdade é que sempre tive pouca consideração pela tal da democracia. Um
substantivo difícil de digerir. Me falta sempre um adjetivo para temperá-la.
Nos
velhos tempos de militante comunista, era mais fácil. A gente tascava logo a
“democracia burguesa” e estava consumada a condenação perpétua à dita cuja.
Navegávamos em ilusões, utopias, escudando-nos nas certezas com as quais a
juventude nos brindava. Éramos militantes, otimistas, mais alegres e mais
felizes.
Agora,
em se falando de Brasil, já entrando no declinar do lavajatismo – arrastando
para a lama da história o bolsonarismo, seu filho dileto -, continuamos a nos
debater em busca dum adjetivo.
Às
vezes, também, dum substantivo: é o caso da mídia hegemônica (monopólios
tradicionais dos meios de comunicação, Globo & Cia). Para eles, os
monopólios, é mais simples: se os governantes são contra o império
estadunidense, trata-se duma ditadura. Estão aí Venezuela, Cuba, Irã, China,
Coreia do Norte;
Se
são alinhados com o império, trata-se duma democracia: Brasil, Israel,
Colômbia, Arábia Saudita, pra não falar no próprio Estados Unidos, “a maior (ou
melhor?) democracia do mundo”.
RESSURGE A DEMOCRACIA: manchete de O Globo
anunciando a vitória do golpe de 1964
Há
ainda fascismo, viés fascista, autoritarismo, neoliberalismo, liberal fascista.
Uns tresloucados por aí (extrema-direita, terraplanistas?) ainda falam,
atualmente, no Brasil, da existência de comunismo no Estado brasileiro
(certamente implantado ou incrementado pelo petismo). Santa ignorância! nesses
tempos de notícias mentirosas aos milhões, instantâneas (fake news).
E
mais: a conexão com o capitalismo. Você mesmo, companheiro, no seu artigo referido acima, destaca “os
escandalosos lucros dos bancos brasileiros ou dos estrangeiros que operam no
Brasil”, ao falar da nossa cruel realidade marcada pela desigualdade.
Destaca
ainda no seu segundo artigo aqui postado no último dia 13 – ‘A ironia da Folha de S.Paulo’ -, ao se
referir à Revolução Francesa. Você lembra que o “Terceiro Estado (a plebe), que
era a maioria, sustentava os outros dois” (o primeiro e o segundo – o clero
católico e a nobreza, respectivamente). “Assim é o capitalismo”, arremata.
Tal
conexão está também em comentários de companheiros nossos/leitores do blog: Osvaldo Laranjeira: “Como alguém disse: "precisamos desmistificar um
caminhão de ilusões da democracia capitalista". Creio que o problema está
no adjetivo "capitalista". Pois enquanto o capitalismo vigorar jamais
teremos uma democracia participativa e que mereça a velha formulação: do povo,
pelo povo e para o povo. Também nunca veremos o tal Estado democrático de
direito”.
Irenio
Viana: “A democracia, verdadeiramente, é
uma falácia mesmo, é a moneycracia”; Rubia
Oliveira: “Democracia SÓ para os ricos. Pobre só tem O VOTO, mesmo assim,
ERROU feio”; e Téo Chaves observa
que “a democracia está submissa às
armas, à ignorância, à desigualdade...”
Isso bate com uma reflexão que sempre
me ocorre: não seria mais justo, mais esclarecedor, se ressaltar a vigência do
sistema capitalista, ao invés do desgastado sistema democrático? Lembremos da
memorável manchete do jornal O Globo, logo após o golpe militar de 31 de março
de 1964: RESSURGE A DEMOCRACIA (foi dia 1º de abril ou 2 de abril?).
Mas,
porém, todavia, companheiro Lustosa, volto aos adjetivos. (Não esquecer que,
oficialmente, vivemos na chamada “democracia representativa”, doente terminal
há décadas. Característica central: os eleitores votam e escolhem seus
representantes de quatro em quatro anos. E adeus: na próxima eleição, nos vemos
novamente).
Confesso
ter uma simpatia especial pela chamada “democracia participativa” (ou “direta” –
alô, companheiro Laranjeira). Conheci-a, um pouco, nas duas temporadas que
passei em Caracas, 2008 (três meses) e 2012 (cinco meses): eleição todos os
anos, dispositivo constitucional revogatório de mandato presidencial, povo nas
ruas permanentemente, milícias populares, comunas populares, mídia
contra-hegemônica a todo vapor contra os monopólios privados de comunicação.
Autoritarismo incremental, aplicado por dentro
das leis e conduzido por líderes democraticamente eleitos
Centrando
na conjuntura atual brasileira: golpe contra Dilma, governos Temer/Bolsonaro e,
principal, descalabro resultante do
genocídio sanitário e da crise econômica e política. Com o agravante:
incapacidade da esquerda (ou centro-esquerda) – baleada pela campanha do
suposto combate à corrupção - de interagir com as massas populares.
O
sociólogo português Boaventura de Sousa Santos cunhou uma conceituação que,
pelo que entendi, é bem esclarecedora para nossos dias: “democracia híbrida”. É
uma meia democracia e meia ditadura. Com as características da alternativa
abaixo, acho que dá pra entender (queria deixar um link aqui, mas não consegui
localizar pelo Google. Vale a pena ler).
Outra,
que achei espetacular, é dum grupo de estudiosos brasileiros, conforme um
deles, o cientista político André Singer. Chama-se “autoritarismo furtivo”.
Segue o resumo do próprio Singer (baseado em postagem do site Brasil247):
1 – “O autoritarismo furtivo é incremental, ele
vai se dando continuamente, pouco a pouco. Todos os dias o Poder Executivo vai
tentando alargar seus poderes e suprimir os contrapoderes. Vai tentando se
sobrepor até o momento em que você imperceptivelmente cai em uma ditadura.
2 - A segunda característica é que ele
justamente se dá por dentro das leis, não rompendo com as leis. Um exemplo bem
fácil para nós aqui no Brasil é o impeachment da ex-presidente Dilma, porque
eles usaram uma brecha que existia dentro das leis. O que esse processo gerou
foi uma ruptura de democracia por dentro das leis.
3 - A terceira característica é que esse
processo de autoritarismo furtivo é conduzido por líderes democraticamente
eleitos, então não vem com uma força de fora do sistema político, como as
Forças Armadas.
O resultado é que é muito difícil para a
sociedade perceber o que está acontecendo, porque aparentemente as instituições
estão funcionando, existe uma fachada legal, uma fachada de normalidade que é
feita de propósito”.
É
isso aí, Lustosinha, um forte abraço. Espero ajudar no seu esforço de reflexão.
Agradeço por manter respirando este meu blog nesse malfadado confinamento. O
qual, infelizmente, deve romper no tempo, pois o tal do distanciamento social
segue capenga, sob os auspícios do (des)governo Bolsonaro/Guedes.
Comentários
Na qualidade de m dos seus mais fervorosos leitores, quero agradecer a sua permanência bem como esta grandiosa resposta. apesar de minha limitação interná
utica, pois me considero "analfabyte" ou um excluído digital, tento me manter atualizado lendo meus amigos que se dedicam a nos ilustrar, como você e Lustosa, mesmo com toda a dificuldade. Obrigado por existir e insistir em escrever. abraços, Sérgio.