NOVA ETAPA DO CAPITALISMO DEIXA ESQUERDA SEM RUMO: “QUANDO ESTÁVAMOS ENCONTRANDO AS RESPOSTAS, AS PERGUNTAS MUDARAM” (parte 1)

Sérgio Gabrielli: a sociedade está mudando e tem perguntas novas (Fotos: Smitson Oliveira - Seabra/Chapada)

Agora a realidade tem um nome: capitalismo financeiro, que não produz, não emprega e não tem compromisso nacional. O valor do patrimônio dos 50 mil fundos de investimento, a maioria controlada por cinco bancos, chega a 4,2 trilhões de reais.

Por Jadson Oliveira – jornalista/blogueiro – editor deste Blog Evidentemente

A primeira parte do título é deste pretensioso blogueiro. A segunda, entre aspas, é do economista José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás, em palestra e debate sobre a conjuntura, em Salvador, no auditório do Sindae, no último dia 27/julho, com participação de 250 pessoas (o outro palestrante foi o ex-governador gaúcho Olívio Dutra).

Nós (os “velhinhos”, como brincou Gabrielli com os da nossa geração) estamos ainda com a cabeça nos operários das grandes indústrias, nos bolcheviques de Lênin de mais de 100 anos atrás, no ‘O que fazer’, do mesmo Lênin. Pra não falar nos “guerrilheiros heroicos” de Fidel/Che ou na “guerra popular prolongada”, o campo cercando a cidade, de Mao. (Esta pequena digressão saudosista é também deste blogueiro).

Enquanto isso, entramos numa nova etapa do capitalismo. Gabrielli chamou “novo momento histórico”, uma “mudança estrutural na forma de organização do capitalismo”. E parece que só agora, pouco a pouco, estamos nos dando conta disso. (A magnitude da nova etapa histórica pode ser comparada com a da abolição formal da escravidão negra e a da Revolução de 30).

Pensamos na “centralidade do trabalho” e devemos pensar mesmo. Mas que trabalho? Que tipo de trabalhador? E que tipo de empresário? A indústria brasileira, como projeto nacional, não existe mais – o capitalismo industrial foi a marca do progresso, do desenvolvimento, do século passado, no pós Revolução de 30. Há de se pensar também nos setores do comércio e de serviços.
Auditório do Sindae superlotado: 250 pessoas
Olívio Dutra e Sérgio Gabrielli, os palestrantes, nas duas pontas; no meio, Valdimiro Lustosa e Osvaldo Laranjeira, dois dos organizadores do evento (o outro foi Goiano/José Donizette)
Mas quem floresce e dá as cartas mesmo, nos dias que correm, é o capital financeiro, com suas ramificações internacionais – os fundos de investimento, os banqueiros, os rentistas, os especuladores – que não produz nada e não emprega quase ninguém.

Quando ainda pensamos e sonhamos com a massa de operários do ABC paulista que ajudou a empurrar para o fim a ditadura militar, Gabrielli nos lembra que os metalúrgicos do ABC, na década de 1970 – dentro dos padrões marxistas, a vanguarda da classe operária -, chegavam a 200 mil, hoje são menos de 100 mil.

2015 – Explosão dos fundos de investimento

“O papel do trabalhador industrial diminuiu substancialmente”, diz ele, acrescentando: “Hoje, as maiores categorias na Bahia, por exemplo, não são os trabalhadores industriais – não estou falando de operários, mas dos trabalhadores industriais no geral -, e sim os agricultores familiares, com 600 mil famílias, uma categoria que não tem uma relação direta com salário”.

“A segunda maior são os empregados (e empregadas) domésticos – 450 mil”, continua o professor titular (aposentado) da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, observando: “A relação capital X trabalho nessas duas categorias é completamente diferente do que nós pensamos da relação clássica capital X trabalho”.

Gabrielli fez um breve resumo da tentativa de construção dum projeto nacional até a derrubada do governo Dilma, em 2016. A partir daí – mais precisamente a partir de 2015, com a explosão dos fundos de investimento -, “descemos ladeira abaixo rumo à financeirização da economia”.
Deta Almeida, que ajudou nos trabalhos, e Sinval Soares, assessor de imprensa do Sindae, que deu o suporte para o debate graças ao apoio dos dirigentes Danillo Assunção (coordenador geral) e Edmilson Barbosa (diretor de imprensa)
E dá um dado assombroso: o valor que está circulando no mercado financeiro equivale a três vezes o PIB brasileiro, valor controlado por 50 mil fundos de investimento. Repisando: o valor do patrimônio desses fundos chega a 4,2 trilhões de reais. Para efeito de comparação: o patrimônio das 800 mil cadernetas de poupança no Brasil é 280 bilhões de reais.

O que significa isso? Significa que qualquer empresário vai pensar várias vezes antes de investir nos seus negócios. “O industrial – explica o professor e estudioso de Economia – que pode vir a fazer uma nova fábrica, vai pensar duas vezes se faz isso ou se aplica no fundo de investimento”.

É o capitalismo financeiro nadando a braçada, sem qualquer compromisso nacional, cinco bancos controlando a maioria desses fundos, informa Gabrielli e pergunta: Como enfrentar isso? Sua palestra, que abrange mais aspectos da realidade brasileira, certamente não pretendeu responder esse tremendo desafio, mas dá subsídios valiosos para buscarmos uma resposta necessária.

PS 1: Este blog já publicou oito matérias em torno deste debate e haverá outras, pois o evento foi riquíssimo. Resolvi dividir a cobertura para evitar matérias muito longas e não perder a oportunidade de divulgar dados importantes sobre o que foi discutido.

PS 2: O Sindae nos brindou com a cobertura online ao vivo. Na sua página do Facebook, você pode acessar o vídeo: ‘Conjuntura Política e Econômica – Gabrielli e Dutra’. Link: www.facebook.com/sindaeba/ 

PS 3: A análise que Gabrielli nos apresentou em Salvador estará presente, de alguma forma, nos debates dos quais participará no âmbito do PT e outros partidos e movimentos sociais, a nível nacional, durante este semestre, em busca de resoluções políticas das forças progressistas.

PS 4: O economista Márcio Pochmann, em palestra recente em Porto Alegre, aborda assuntos semelhantes numa linha próxima à de Gabrielli, conforme matéria do site Sul21, postada no Portal Vermelho: ‘Márcio Pochmann diz que partidos e sindicatos deverão se reinventar’. Link: http://www.vermelho.org.br/noticia/322767-1

Comentários

jadson oliveira disse…

Transcrevo comentários que recebi através de email:

De Euller Meira:
Muito boa a matéria Jadson, quando vai ter outro encontro desse ?

Respondi:
Euller, obrigado pelo interesse. Pensamos (os organizadores) em organizar mais debates, pois a assistência foi grande. Vamos ver, vc será informado, abraços, Jadson

De Augusto Conceição:
Gostei da matéria Jadson. Talvez em outra ocasião enquanto trabalho jornalistico, caberia evidenciar o caráter polemico desse tema,
abs,

Respondi:
Companheiro, o assunto realmente merece ser discutido. Por enquanto, quero fazer mais matérias a partir do papo de Gabrielli, tem um rico material. Em seguida quero ver se faço matéria com intervenções no debate. Vou ver com calma, o Sindae gravou tudo. Me lembro, por exemplo, que Paulo Pontes (que ficou muito conhecido, independentemente de sua vida militante, porque foi preso junto com Teodomiro, em 1971, lembra?) fez uns questionamentos, mas preciso rever. Abraço, Jadson
Unknown disse…
Muito boa a matéria, impressionante riqueza de dados - de tal forma que permite várias interpretações sobre esse momento histórico e crucial da sociedade. Estaremos no limiar para reinaugurar um mundo sem emprego???
Anônimo disse…
Muito boa a análise, talvez seja interessante abordar aqui e nos debates presenciais, associado ao problema da financeiração da economia, um outro problema decorrente no setor produtivo que é a robotização com inteligência artificial, que está impactando a existência de várias profissões, gerando uma massa de desempregados no mundo. Como a esquerda fará frente a esse outro grande desafio?
Mônica Bichara disse…
Excelente cobertura, excelente debate. Senti muito não poder participar, mas graças ao Evidentemente pude acompanhar com riqueza de detalhes. Parabéns, companheiro
jadson oliveira disse…
Citei o economista Márcio Pochmann em matéria postada no Portal Vermelho, sobre seminário do PT realizado em Porto Alegre. No site Sul21, a cobertura teve o título: Pochmann: “sociedade que deu origem ao PT não existe mais. Estamos com uma retórica envelhecida”. Deixo o link (a matéria é mais ampla do que a publicada pelo Vermelho):https://www.sul21.com.br/areazero/2019/08/pochmann-sociedade-que-deu-origem-ao-pt-nao-existe-mais-estamos-com-um-retorica-envelhecida/
jadson oliveira disse…
Comentário, via Facebook, de Aloisio Barroso:

Novidade zero. Se tivessem lido o economista José Carlos Braga, no início dos anos 90...
jadson oliveira disse…
Comentário, via Facebook, de Amanda Lula da Silva:

Muito bom, companheiro! Tudo o que estamos vivendo faz parte de um novo ciclo do capitalismo global e das suas apostas no fim do trabalho como nós conhecemos, do consumo, da produção, do uso de matérias primas, e do papel da humanidade na produção da vida, sem com isso, romper com paradigmas fundamentais da manutenção do próprio capitalismo, como o patriarcado e o papel da mulher na produção da vida, mas diferente no papel do cuidado, e a internet das coisas é assunto que deve interessar todas as mulheres e o feminismo, como também o racismo, que tem permitido no Brasil, assassinatos cotidianos, genocídio e expulsão por meio de queimadas na Amazônia ou da lama das mineradoras. As perguntas são mesmo outras, é um outro tempo do mundo, parafraseando o professor Paulo Arantes, um debate urgente e necessário para a esquerda que ainda acredita que um outro mundo é possível, obrigada pelas suas contribuições!
jadson oliveira disse…
Comentário, via Facebook, de Maria Renilda Daltro Moura:

Eu acredito que Um outro Mundo é Possíve!l Mas, sinto que está faltando ânimo e coragem pra caminhar. Faço minhas as palavras de Haddad :" me olhei no espelho e não gostei do que vi". ...
jadson oliveira disse…
Comentário, via Facebook, de Henrique Ruscitti:

Piada é ler um texto como esse, onde os Ditos "Velhinhos", mobilizam até hoje o sexo livre, o enfraquecimento da igreja, a bipolaridade do gênero, como também a dicotomia do próprio feminismo, o fazendo separar dos homens, com um orgulho a receber menos que ele, que na teoria, faz os 2 escravos, mas os meios de produção se tornaram crescentes e machistas, chegando a 96%, de empresários homens, ou seja, os velhinhos falam em capitalismo, mas esquece o X da questão, quando se trata de números, pois os velhinhos, desde a redemocratizacão, quando eram bem novinhos, se alimentam até hoje, de quem trabalha, ou seja, milhares de "reformistas", que a quase 40 anos, lançam suas teorias como geometria espacial perdida, que do coeficiente para o resto, a verdade é que a sua geração senhor, dizimou a minha, deixando um estado morrendo de Obesidade, se alimentando de quase 4/5, de tudo que é produzido neste país, ou seja, Tira dentes foi decaptado por lutar pela desigualdade de 1/5, se o povo realmente fosse fazer justiça, a um sistema ortodoxo dividido hoje, com um lado triste e com viéz genocida, a pergunta que fica é, o que o Povo faria com os senhores? Seus mais de 30 mil de aposentadia é a consequência da ausência da minha, que morrerei trabalhando, porque a geração de vocês, roubou todos os direitos da minha geração, isso é Matemática senhor, pois se Brasília custa 1/3, de todo um país, se 50 milhões de pessoas que trabalhar contribuem para pessoas que ficam 8 anos, tomando café e vivendo com auxílio palito e mordomias, que cada um custa em erário mais de 10 milhões por ano, o que poderia esperar do capitalismo? Se os próprios esquerdistas em sua bancada em Maioria durante 30 anos, nunca fizeram uma única proposta real, para reformar a previdência, sabe porquê ? Porque vocês são bons de falar, mas na prática, são mais perversos do que o próprio empresariado que vocês criticam, pois o empresário precisa ficar dentro da fábrica trabalhando, os senhores apenas 8 anos, e vejam, a atrocidade que fizeram a este país, em menos de 40 anos. O senhor entrou para história como um genocida, pois daqui a pouco anos, muitos morrerão de suicídio, por ter vergonha de pedir comida a alguém, o tipo de cidadão que trabalhou a vida inteira, para morrer saqueado pelos "velhinhos" riquinhos, ou seja, o Club do "saudosismo" , em suas rodadas de Wisky, fica nas nuvens e fantasias por algumas horas, pela manhã, vem a ressaca, pois os fantasmas de nós jovens, que morreremos velhos, sem nossos direitos, lembraremos dos senhores, que saquearam nossos direitos, pois a culpa não foi do capitalismo, nem do empresariado, mas de genocidas, que se intitularam esquerdisras engordando um estado perverso, para ser subserviente aos seus próprios interesses.