CRISTINA KIRCHNER: O “PARTIDO JUDICIÁRIO” PERSEGUE DIRIGENTES POPULARES EM CONLUIO COM MONOPÓLIOS DA MÍDIA

(Foto: Presidência da Argentina)

A ex-presidenta argentina definiu o “Partido Judiciário” como um partido que acossa os dirigentes populares através da perseguição, com campanhas montadas em cumplicidade com os grandes meios privados de comunicação, campanhas baseadas em mentiras repetidas até que as pessoas acabam tomando-as como verdades, com causas que são inventadas entre juízes e promotores.

Por Darío Pignotti (jornalista argentino que vive no Brasil) – reproduzido do portal Carta Maior, de 12/02/2016 (o título e destaque acima são da edição deste blog)

Argentina: Cristina antecipa seu retorno?
Há uma coisa na Argentina que tanto a direita quanto a esquerda concordam: Cristina Kirchner está mais forte que nunca.
Existe preocupação hoje na direita argentina. Ha alguns dias, em Buenos Aires, os rumores correm e falam sobre um retorno (iminente?) da ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, que deixou o governo com cerca de 50 % de popularidade, para assumir o papel de líder da oposição contra “este regime instaurado por Mauricio Macri, cujos dois primeiros meses de governo estiveram marcados por demissões, repressão e censura. Cristina é uma grande dor de cabeça para a direita”, assegura Martín Sabbatella, um dos homens de confiança da ex-mandatária, em entrevista para Carta Maior.
 
As pesquisas mostraram que se Cristina tivesse sido candidata em 2015 – o que não foi possível, já que a Constituição impede uma segunda reeleição consecutiva – certamente teria vencido Macri, que foi eleito graças a uma estreita vantagem, no segundo turno que disputou com Daniel Scioli.
 
Durante o diálogo com Carta Maior, o jovem dirigente cristinista Martín Sabbatella falou do agitado cenário político argentino, iniciado em dezembro com um ato de cerca de 100 mil e militantes, reunidos na Praça de Maio (https://www.youtube.com/watch?v=Wqt9z84s7jk) para se despedir da ex-mandatária, e continuado em janeiro com outro encontro, convocado para defender a democracia midiática e denunciar a caça às bruxas contra os jornalistas que se opõem ao macrismo.
 
Sabbatella se tornou um dos dirigentes próximos a Cristina desde que ela o escolheu como o funcionário encarregado de liderar a batalha cotidiana contra o oligopólio midiático do Grupo Clarín, que resistiu para não aplicar a lei de democratização da comunicação.

Essa lei, também conhecida como Ley de Medios, um dos símbolos dos doze anos de kirchnerismo (governos de Néstor e Cristina), foi anulada por Macri poucos dias depois de chegar à Casa Rosada, medida tomada junto com a demissão de Sabbatella como responsável pela AFCSA (Autoridade Federal de Comunicação e Serviços Audiovisuais), entidade criada para fazer funcionar as determinações da nova legislação, o que incluía garantir que o Grupo Clarín cumprisse com a desmonopolização e se desfizesse de parte das empresas que formam sua rede tentacular de televisão aberta e a cabo.


Retorno


– Cristina antecipará seu retorno ao cenário político?
 
– Não posso falar por Cristina, ela é quem deve decidir quais serão seus próximos passos políticos.
 
Claro que ela vem observando como a situação se agravou em muito pouco tempo, ninguém esperava uma política de choque tão autoritária, tão agressiva quanto a que temos vivido desde que Macri chegou ao governo. Agora, se sua pergunta quer dizer “quando Cristina vai voltar”, eu a colocaria de outra forma, porque Cristina nunca se foi, ela somente terminou seu mandato, não ocupa mais a Casa Rosada, mas ela continua estando presente.
 
Ela tem passado estes dias descansando na Patagônia, junto com sua família, mas se mantém em contato permanente com os companheiros, consultando, analisando, tomando decisões.
 
Veja bem uma curiosidade que está sucedendo hoje na Argentina, algo que tanto nós quanto a direita concordamos: todo mundo sabe que Cristina está mais forte que nunca.
 
Depois de ver a multidão que foi espontaneamente à Casa Rosada para se despedir dela no dia 9 de dezembro, estou seguro de que se hoje ela convocasse um ato em Buenos Aires encheria qualquer praça, e também sabemos que Macri não seria capaz de mobilizar tanta gente quanto ela.
 
Cristina desmente o princípio de que quando um presidente deixa o governo sua popularidade sofre um baque. Ela saiu com um índice de aprovação alto, e nisso a situação de Cristina se compara com a do ex-presidente Lula no Brasil, em 2010, quando terminou seu segundo mandato com altíssima aprovação.
 
Cristina é, sem dúvidas, a condutora indiscutível do movimento popular na Argentina. Se tivesse sido ela a candidata em outubro passado, tenho certeza de que venceria contra Macri.
 
– Então é possível que ela se apresente como candidata para um terceiro mandato em 2019.
 
– Dentro do movimento popular, neste momento, ninguém está discutindo ainda qual será a estratégia eleitoral para daqui a quatro anos. Tenho certeza que Cristina não está preocupada com esse tema, porque agora há outros assuntos prioritários.
 
Ainda assim, se tivesse que dar minha opinião pessoal, diria que gosto da ideia de que ela seja presidenta pela terceira vez, assim como milhões de argentinos também gostariam.
 
Cristina e Lula assediados pelo “Partido Judiciário”


Martín Sabbatella conta que tem se informado a respeito da caça promovida por setores da Justiça e dos meios grandes (que não são o mesmo que grandes meios) de comunicação brasileiros contra o ex-presidente Lula. E observa que tanto no Brasil quanto na Argentina se formaram “partidos judiciários”, que operam como braços da direita para atacar os grandes líderes populares.
 
– A situação de Cristina e de Lula são similares?
 
– Cristina deixou o governo em dezembro, ainda não podemos fazer um diagnóstico completo da situação, mas não há dúvidas de que surgem muitos pontos em comum sobre como a direita ataca tanto Lula quanto Cristina.
 
A estratégia dos partidos de direita da Argentina, do Brasil, da América Latina, é fortalecida pelo apoio que recebem de parte dos poderes judiciários.
 
Os poderes judiciários dos nossos países às vezes atuam como máfias. Estamos falando de amplos setores da Justiça que foram colonizados pelas corporações, ou que temem enfrentar essas corporações econômicas e midiáticas.
 
A presidenta Cristina vem denunciando essa manipulação da lei com fins políticos e eleitorais há tempos. Ela definiu esse grupo de poder como o “Partido Judiciário”, se trata de um partido que acossa os dirigentes populares através da perseguição, com campanhas montadas em cumplicidade com os grandes meios privados de comunicação, campanhas baseadas em mentiras repetidas até que as pessoas acabam tomando-as como verdades, com causas que são inventadas entre juízes e promotores.
 
Então, se pode dizer, sem querer fazer comparações automáticas ou simplistas, que se pode ver claras semelhanças entre as campanhas sujas realizadas contra Cristina e as que sofrem outros dirigentes da região, como a que ataca o ex-presidente Lula.
 
E então nos perguntamos: por que continuam hostilizando Cristina se acabam de ganhar uma eleição presidencial com Macri?
 
Porque querem destruir o legado do seu governo e do presidente Néstor Kirchner. Querem destruir seu capital político, seu capital simbólico.
 
A direita queria que o kirchnerismo desaparecesse no dia 10 de dezembro de 2015 (último dia de mandato de Cristina) e isso não aconteceu. Por isso seguirão hostilizando Cristina, através do “Partido Judiciário” e dos meios (de comunicação) hegemônicos.


Praças cheias, contra Macri


Sabbatella analisa com realismo o cenário argentino surgido após as eleições de outubro do ano passado. “Nós assimilamos o fato de que perdemos, isso não se pode negar. E também aceitamos que a direita venceu, por pouco mas venceu. E também somos conscientes de que a direita vai utilizar todo o poder que tem agora para nos golpear com dureza”.
 
Mas, ao mesmo tempo, o dirigente cristinista destaca a “capacidade de resistência e mobilização” demostrada pelo movimento popular nestes dois meses, quando não só lotaram Praça de Maio de Buenos Aires (em frente ao palácio presidencial), como as dezenas de “praças do povo”, no interior do país.
 
Neste sábado (13/2), o próprio Sabbatella encabeçará um ato numa praça de Buenos Aires, onde também se apresentará Fito Páez, um dos maiores ícones do rock argentino.
 
– Macri esperava tamanha mobilização opositora?
 
– Creio que não, me parece que a direita está perplexa ao ver como o povo argentino está se colocando contra os seus abusos, seu autoritarismo, a repressão aberta. Reprimiu trabalhadores na cidade de La Plata (capital da província de Buenos Aires), prendeu uma dirigente popular como Milagro Sala (na província de Jujuy, região noroeste).
 
– Quem analisa a situação argentina de longe acha paradoxal ver tantas mobilizações contra um governo recém iniciado.
 
– A direita também está vivendo essa perplexidade, porque creio que não esperava ver protestos na Praça de Maio e em outras praças centrais, em capitais e grandes centros de todo o país. Isso acontece devido à consciência nacional, popular e democrática, criada ao longo de 12 anos dos governos de Néstor Kirchner e Cristina.
 
O kirchnerismo deixou um legado que está presente, tem uma dimensão fundacional, o kirchnerismo é como uma casa onde habitam as diversas tradições da cultura política nacional e popular.
 
– O governo Macri se trata de um governo de direita clássico?
 
– Estamos sob um governo que repete os velhos costumes da direita, que criminaliza a mobilização social, que busca disciplinar os movimentos, é a direita de sempre, que quis vender uma imagem suave, uma imagem que se desvaneceu rapidamente.
 
Macri pertence à tradição da velha direita argentina, que é uma direita com muitos pontos de contato com as de outros países latino-americanos.
 
Da mesma forma com que os movimentos populares da nossa América têm pontos em comum, os grupos de direita também são parecidos, e Macri traz de volta muitas coisas que já vimos nos Anos 90, com Menem, com Alberto Fujimori (ex-presidente peruano) e também com Fernando Collor, entre outros personagens da década neoliberal.
 
Claro que Macri possui características próprias, particulares, mas o que mais importa são seus pontos de coincidência com os grupos de direita dos países vizinhos.
 
A direita de Macri atua como a direita do Brasil e de outros países latino-americanos. Quando estão na oposição, utilizam métodos desestabilizadores, contando com o apoio dos meios de comunicação e dos juízes cúmplices.
 
E quando chegam ao poder passam a tentar destruir os direitos conquistados pelas maiorias populares, se apropriar dos recursos da pátria para entregar às grandes corporações internacionais, subordinando-se automaticamente aos interesses dos Estados Unidos.
 
Ou seja, é um governo eleito, legítimo, mas que governa obedecendo aos poderes concentrados. Hoje, a Argentina está sendo governada por seus donos. Além de fomentar a exclusão, este governo reprime mais do que imaginávamos.
 
– É uma direita dura
 
– É um governo legal, que por momentos governa como se não fosse de fato (Nota deste blog: “governo de fato” = ditadura): reprime, não respeita as leis, governa através de decretos, não convoca o parlamento.


Censura e livre mercado


“Desde que Macri, que está co-governando o país junto com o Grupo Clarín, a Argentina vive sob um sistema de censura moldado pelo livre mercado”, resume Sabbatella.
 
– Você pode explicar melhor essa relação entre mercado e censura?
 
– Esse tipo de censura é a que estamos vendo desde o dia 10 de dezembro: Macri está devolvendo com juros os favores que recebeu do Grupo Clarín durante a sua campanha, instaurando uma censura contra todos os que questionam seus atropelos. Existe um acordo mais ou menos implícito entre os grandes meios privados e o macrismo, para impedir que os jornalistas críticos ao governo trabalhem, isso foi o que aconteceu no mês passado, quando quebraram o contrato do radialista Víctor Hugo Morales. Nesse caso, se viu claramente como a censura do mercado funciona, porque Víctor Hugo tinha a maior audiência da sua emissora de rádio. Ou seja, não mandaram ele embora porque não dava lucro, e sim porque as empresas estão alinhadas ideologicamente com o modelo de Macri.
 
Hoje temos um ministro da área das comunicações que diz sem nenhum cuidado que as comunicações devem ser deixadas a mercê do jogo da oferta e da procura, como se as notícias fossem mercadorias, como se não houvesse monopólios, oligopólios que conspiram contra a pluralidade.
 
Se o projeto comunicacional de Macri se impõe, voltaremos ao capitalismo selvagem dos Anos 90, e a pluralidade que foi se construindo durante o governo de Cristina, através da Ley de Medios, será seriamente ameaçada. A lei que aprovamos graças à valentia da presidenta em 2009, que quebrou o tabu de que os políticos nunca tinham a coragem de enfrentar o Clarín, um grupo econômico que exercia um poder de fato, chantageando todos os presidentes, impondo sua agenda.
 
Com essa lei, Cristina e o kirchnerismo foram além da fronteira do possível, e revalorizaram o campo da política, que havia sucumbido aos caprichos do Grupo Clarín.
 
Entre os políticos, havia se instalado o conceito de que era impossível desafiar o Clarín, e o kirchnerismo demonstrou que é possível desafiá-lo, e ao mesmo tempo ganhar o respaldo do povo.
 
Mas além disso, temos que lembrar que essa lei é uma conquista do povo argentino.
 
– É por isso que as pessoas vão às ruas para defendê-la.
 
– Sim, por isso. Acontece que o povo teve uma participação importante na elaboração da lei, através de debates realizados em todas as províncias, consultas nas faculdades de comunicação, nos sindicatos de jornalistas. Quando a lei foi aprovada, apesar da chantagem do Grupo Clarín para que não prosperasse, houve um grande apoio da sociedade, e o voto quase unânime do Congresso a favor.
 
É uma conquista política que o povo argentino não vai querer perder, e nem vai aceitar isso em silêncio, por isso vemos gente marchando, assinando petições, se mobilizando.
 
Os que querem enterrar a lei o fazem porque são conservadores ideologicamente, mas também porque pretendem blindar este governo, o governo deles, com essa censura que vêm impondo junto com os grandes meios privados.
 
Essa censura das corporações privadas busca impedir que a repressão seja denunciada, impedir que a crítica aos ajustes neoliberais seja expressada e difundida, impedir que se fale sobre a polêmica política de sujeição ao Fundo Monetário Internacional e de claudicação diante dos fundos abutres.
 
Tradução: Victor Farinelli

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