MARTÍN GRANOVSKY E O RENASCIMENTO DA PÁTRIA GRANDE: O GESTO E A EMOÇÃO NO DOCUMENTÁRIO

(Foto: da Carta Maior)
O trabalho de Granovsky revive o clima da Cúpula das Américas de Mar del Plata, realizada há dez anos, quando os presidentes da região rechaçaram a ALCA.

Por Cristian Vitale – reproduzido do portal Carta Maior, de 05/11/2015 (o título era apenas: O Renascimento da Pátria Grande)

Ele já havia concluído a investigação, e estava escrevendo o livro, quando o tempo desabou sobre si. O livro era (é) sobre aquele “Não à ALCA”, ocorrido há exatos dez anos, na IV Cúpula das Américas, em Mar del Plata. “Os jornalistas mais experientes têm um problema: se o trabalho não gera um produto industrial, não terminamos”, diz Martín Granovsky. “Por sorte, me ocorreu a ideia de terminar com um resultado que foi além do meu próprio trabalho”, comenta, entre sorrisos. “Decidi fazer um documentário”, conta o jornalista, que terá duas estreias esta semana. Uma delas será da versão coproduzida junto com a Televisão Pública da Argentina, que será exibida às 23h15. A outra será do documentário original, apresentada às 18h, no Festival de Cinema de Mar del Plata. “Há três meses, eu comecei a planificar este trabalho que devia ter, por um lado, testemunhos atuais de vários dos protagonistas e por outro material inédito de arquivo, porque eu sabia que a sessão reservada dos presidentes tinha sido filmada e as cópias dessas imagens estavam pelo menos em dois países da América Latina”, conta Granovsky.


Em três meses, o livro não terminado se transformou num documentário concluído e contundente, sob o título de “O Renascimento da Pátria Grande”, com 83 minutos que revivem o clima da cúpula que decidiu rejeitar a formação de uma área de livre comércio das Américas, apoiada pelos Estados Unidos. “Conseguimos os objetivos, porque encontramos o material inédito e os testemunhos dados especialmente para este trabalho, por protagonistas como Luiz Inácio Lula da Silva, Evo Morales, o então chanceler de Hugo Chávez, Alí Rodríguez, o presidente do Paraguai da época, Nicanor Duarte, o coordenador da Cúpula, Jorge Taiana, o chanceler argentino Rafael Bielsa, o negociador comercial Alfredo Chiaradía, os que marcharam e protagonizaram o ato no estádio mundialista Hebe de Bonafini, Teresa Parodi, Horacio Ghilini e Luis D’Elía, além do assessor internacional de Lula, Marco Aurélio García, e o vice-chanceler brasileiro, Samuel Pinheiro Guimarães”.

“Em meu registro, já não como jornalista, mas sim como graduado em História, o Não à ALCA é o primeiro ato de rebelião coletiva contra Washington impulsionada por chefes de Estado em toda a história das Américas”, analisa Granovsky. “Os povos muitas vezes se rebelaram, ou um Estado sozinho pode tê-lo feito, mas nunca houve uma rebelião coletiva desse alcance até então, e que além disso teve sucesso, porque a ALCA só podia ser aprovada por consenso, e esse consenso não foi possível, devido à decisão e atuação dos presidentes da Argentina, Brasil, Venezuela, Uruguai e Paraguai”.

“O normal era que os presidentes assinassem algo que já vinha cozinhado, mas naquele caso isso não aconteceu, e Bush não conseguiu reverter as desvantagens da ALCA que ficaram evidenciadas durante as negociações entre os chanceleres”. Granovsky, jornalista do diário argentino Página/12 desde 1987, conta que no documentário é possível ver claramente como o grupo integrado por Estados Unidos, Canadá, México, Panamá, Nicarágua e Jamaica trabalha contra um outro grupo, formado por Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela, no qual “em alguns momentos, parece uma assembleia universitária ou sindical, onde os olhares importam, os gestos, as simpatias, os rancores e as disputas”. Uma assembleia de 34 chefes de Estado, “algo que normalmente não acontece porque as decisões estão previamente cozinhadas”. Outro fator novo importante é que as reuniões a portas fechadas não se filmam, mas em Mar del Plata elas foram filmadas. “Eu sabia disso, e uma coisa é que isso seja contado em um livro, outra bem diferente é que seja visto, por exemplo, o gesto furioso de insatisfação de Kirchner quando o primeiro-ministro do Canadá insiste pela quinta vez em não passar a outro tema, como o presidente argentino havia proposto, e propõe seguir debatendo algo que já havia sido discutido 25 vezes.”

– O gesto que potencializa um suporte como o documentário.

– Exatamente. Esta é a cozinha das decisões, que é duplamente inédita. Primeiro porque nunca passa ao nível multilateral, e além do mais está filmada. Ver esse material é uma experiência didática importante. Toda a história das Américas, toda a relação entre os Estados Unidos e o resto do continente estão concentradas em dois dias, em convergência com a participação popular. O trem de Buenos Aires a Mar del Plata, a marcha de 40 quadras debaixo de chuva, o ato onde Chávez repete “ALCA, ALCA, al carajo”… Nosso trabalho tem momentos muito belos. Teresa Parodi canta a capella. Evo, que em 2005 era candidato e só ganharia as eleições em dezembro, conta, em um salão do Palácio Quemado de La Paz, que quando soube o resultado da cúpula, disse a si mesmo: “se ganho (as eleições), vou estar protegido”. Logo em seguida, percebemos que a cúpula tinha um significado especial para a vida de todos os que participaram. Notamos nas entrevistas que deram e em seus semblantes durante os testemunhos. Eles se transformam. Nossa equipe foi integrada pelo diretor Luciano Leyrado, pelo produtor Iván Granovsky e pelo diretor de fotografia Gabriel Pomeraniec. Três profissionais maravilhosos, que puderam captar, com toda a objetividade, como os protagonistas choram, como se emocionam, como sorriem felicidade.

– O fator emotivo…

– Lula diz, ao falar sobre sua relação pessoal e política com Kirchner e Chávez que essa “era a alegria da integração”. E aqui eu quero fazer um pouco de história: para conseguir um NÃO ao projeto da ALCA, era preciso um consenso, porque nas cúpulas não se vota. Ou são todos ou é nenhum. O que contam os presidentes no documentário é que a química foi gerada por eles mesmos. Lula fala de Kirchner e se emociona, a comoção típica de quem lembra de um amigo muito querido. Descreve Chávez como uma pessoa amável e hiperativa. Alí Rodríguez fala que Chávez tinha obsessão pelos projetos de integração. Duarte disse que se sentia constrangido, porque os chefes eram Lula, Chávez e Kirchner, enquanto ele e o uruguaio Tabaré Vázquez, como chefes de Estado de países pequenos, eram a tropa.

O contraponto dos testemunhos e o arquivo inédito terão uma versão que será transmitida no próximo sábado, dia 7 de novembro, pelo canal TeleSur. A transmissão foi possível, como conta Granovsky, “graças à visão da presidenta do INCAA (Instituto Nacional de Cine e Artes Audiovisuais da Argentina), Lucrecia Cardoso, pelo entusiasmo imediato de Patricia Villegas, da Telesur, de Pablo Gentili, da Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), pela alegria eficaz de Tristán Bauer para a coprodução e por aqueles que entenderam que para não fazer uma obra comercial, para que os documentários possam ser difundidos gratuitamente nas universidades, nos sindicatos ou nos partidos políticos de toda a América Latina, em vez de pensar nas vendas, era melhor participar da sua realização, e assim o fizeram o Instituto Lula, a Federação Latino-Americana dos Trabalhadores da Educação, a Universidade Metropolitana pela Educação e o Trabalho, a Federação Latino-Americana de Municípios e a Federação Argentina de Municípios, entre outros”.

“Não se trata de deixar o jornalismo escrito e muito menos minha colaboração com o diário Página/12, que depois de 28 anos é uma casa muito querida, mas em me dedicar a fazer documentários a partir do ano que vem”, conta Granovsky. “Não sabia como, e agora aprendi algo trabalhando com Lucho, Iván e Gabi, portanto tenho um ofício a mais na vida.”

Tradução: Victor Farinelli

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