Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires, cabeça da chapa da direita que disputa o segundo turno na eleição para presidente da Argentina no próximo dia 22 (Foto: Carta Maior) |
A direita sonha que depois que o primeiro presidente progressista cair na América Latina, os demais serão derrubados como peças de dominó.
Os abutres estão ali, na espreita, esperando sua chance. São gorilas nacionais e estrangeiros, disfarçados com suas fantasias de Halloween, uma festividade tão argentina, tão latino-americana, como seus patrões.
Por Aram Aharonian (jornalista uruguaio vivendo na Venezuela) - no portal Carta Maior, de 01/11/2015
Estamos na época de celebração do Halloween, uma palavra nem um pouco latina, que não significa nada, é só a véspera do Dia de Todos os Santos, também é conhecida como a Noite das Bruxas, uma festa de origem celta que o consumismo globalizado conseguiu instaurar também na América Latina, mais uma demonstração do poder do colonialismo cultural. Mas desta vez não são as bruxas que voam, já que foram derrubadas de suas vassouras pelos abutres, que estão mais na moda.
A dez anos do “NÃO À ALCA”, as pressões pela restauração conservadora na América do Sul se intensificam. Esta onda progressista e popular que teve como líderes a Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula, construtores de uma nova identidade integracionista, um trio que depois foi reforçado por Rafael Correa e Evo Morales, líderes e referências do eixo que enfrenta agora uma feroz ofensiva do capital transnacional, aliado aos setores mais reacionários das sociedades de seus próprios países.
Esses governos progressistas, nacionalistas, com inclinações populares, surgiram das crises e das mobilizações dos movimentos sociais de seus respectivos países, envolveram milhões de pessoas em apoio a profundas transformações sociais, o que significou a perda de privilégios e influência dos poderosos, provocando a ira dos grupos financeiros e dos políticos conservadores, nacionais e transnacionais, e de seus meios de comunicação amestrados, hegemônicos e cartelizados, além dos setores internos mais poderosos, que buscaram e ainda buscam desestabilizá-los e derrubá-los.
Os embates – incluindo a modalidade dos golpes brandos – não foram capazes de derrubar os governos, que possuem forte apelo popular, mas sim conseguiram expulsar do poder presidentes como Fernando Lugo, no Paraguai, e Manuel Zelaya, em Honduras. A direita latino-americana continua na expectativa, e hoje reza por um triunfo de Macri, para que seja um símbolo em todo o continente.
Há uma década, esses setores insistem em prever, e em torcer muito por derrotas eleitorais dos governos progressistas, sonhando que a partir do primeiro presidente que caísse, os demais seriam derrubados como peças de dominó.
O desgaste de vários anos no poder, as mudanças no cenário internacional, os escândalos e as denúncias de corrupção, magnificadas pela imprensa, as mudanças de rumo na economia que resultaram na aplicação de políticas distanciadas das propostas iniciais e a desmobilização e desarticulação dos movimentos sociais que marcaram os tempos do caminho através das ruas, todos esses fatores debilitaram os governos.
Há quem defenda a teoria dos fluxos e refluxos, de ciclos que se terminam… a verdade é que até agora nenhum desses governos foi encerrado pela vontade popular, pelo voto dos cidadãos, ainda quando, em suas vitórias recentes, Nicolás Maduro e Dilma Rousseff tiveram uma pequena vantagem contra seus principais adversários, mas ganharam.
Na Argentina, está em jogo muito mais que um cargo presidencial. A transcendência destas eleições vai além dos limites do território argentino e influirá, de alguma forma, no imaginário coletivo da região. No âmbito nacional, o governo já conseguiu um triunfo: chegar a essa circunstância em absoluta normalidade institucional, com a economia sob controle, apesar das ameaças e das tentativas de gerar tormentas financeiras, e com a presidenta Cristina Kirchner governando até o último dia de seu mandato. Depois de 12 anos de kirchnerismo, a possibilidade de conseguir um novo período para as políticas de redistribuição com inclusão social são também a possibilidade de que os avanços alcançados já não tenham retrocesso, algo que parece pouco provável se houver uma mudança nos rumos da política com o próximo chefe da Casa Rosada.
Presságios dos intrometidos
A agenda eleitoral regional diz que depois deste segundo turno, será a vez da renovação da Assembleia Nacional da Venezuela (um país de Legislativo unicameral, que escolherá seus novos deputados no dia 6 de dezembro, 17 anos depois do primeiro triunfo eleitoral de Hugo Chávez) e, no dia 21 de fevereiro do ano que vem, acontecerá um referendo na Bolívia, onde os cidadãos definirão se apoiam que Evo Morales possa se candidatar uma vez mais à presidência.
Na Venezuela, a principal força política governista, o Partido Socialista Unido (PSUV) tenta manter a maioria parlamentar – que hoje é bastante ampla – contra uma nova ofensiva da Mesa de Unidade Democrática (MUD), referente da oposição. Um triunfo da direita no país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo poderia abrir as portas a um referendo contra o presidente Nicolás Maduro, em 2017. Contudo, mesmo em caso de derrota, está garantida a opção permanente do golpe.
Assim que soube dos resultados na Argentina, e da confirmação de um segundo turno, Henrique Capriles, duas vezes candidato presidencial da oposição venezuelana e hoje governador do Estado de Miranda, o mais poderoso do país politicamente, afirmou que “o grande desafio de Mauricio Macri, se quiser ganhar o segundo turno, é o de se posicionar como líder da mudança”. Assim, especulando com a ideia de que o triunfo de Macri estimulará um triunfo da oposição também na Venezuela.
Neste concerto de desconcertados, Samuel Doria Medina, magnata do cimento e ex-candidato ultraconservador à presidência da Bolívia, anunciou que “está chegando um novo tempo”, e comemorou “a unidade liderada por Macri, unidade que será vitória no 22N” – alusão ao 22 de novembro, dia do segundo turno na Argentina. Doria também quer pescar nesse rio e sonha com ventos que sirvam de estímulo para que os bolivianos rejeitem a uma nova candidatura de Evo.
No Equador, enquanto o Movimento País, do presidente Rafael Correa, manifestava seu apoio a Daniel Scioli, o banqueiro, líder da oposição e ex-candidato presidencial Guillermo Lasso dizia que “a luta de Mauricio Macri nos inspira e enche de ânimo para alcançar melhores dias no Equador”.
O líder da aliança direitista Cambiemos (“Mudemos”) não falou nunca em integração regional, mas a chancelaria paraguaia especula que a direita argentina consiga mudar as diretrizes pela qual o Mercosul caminha – tal como exigiram Aécio Neves no Brasil e Lacalle Pou no Uruguai, perdedores nas eleições do ano passado –, para permitir que os países membros possam assinar individualmente tratados de livre comércio com os Estados Unidos e a União Europeia. Em abril, o “Grupo Consenso”, integrado por referentes do PRO e do radicalismo macrista, defendeu um “fortalecimento das nossas relações com a Europa e os Estados Unidos”, e avançar em uma “rápida, ampla e franca discussão com nossos sócios do Mercosul”, buscando uma abertura com relação à Aliança do Pacífico.
Os abutres estão ali, na espreita, esperando sua chance. São gorilas nacionais e estrangeiros, disfarçados com suas fantasias de Halloween, uma festividade tão argentina, tão latino-americana, como seus patrões.
Tradução: Victor Farinelli
A dez anos do “NÃO À ALCA”, as pressões pela restauração conservadora na América do Sul se intensificam. Esta onda progressista e popular que teve como líderes a Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula, construtores de uma nova identidade integracionista, um trio que depois foi reforçado por Rafael Correa e Evo Morales, líderes e referências do eixo que enfrenta agora uma feroz ofensiva do capital transnacional, aliado aos setores mais reacionários das sociedades de seus próprios países.
Esses governos progressistas, nacionalistas, com inclinações populares, surgiram das crises e das mobilizações dos movimentos sociais de seus respectivos países, envolveram milhões de pessoas em apoio a profundas transformações sociais, o que significou a perda de privilégios e influência dos poderosos, provocando a ira dos grupos financeiros e dos políticos conservadores, nacionais e transnacionais, e de seus meios de comunicação amestrados, hegemônicos e cartelizados, além dos setores internos mais poderosos, que buscaram e ainda buscam desestabilizá-los e derrubá-los.
Os embates – incluindo a modalidade dos golpes brandos – não foram capazes de derrubar os governos, que possuem forte apelo popular, mas sim conseguiram expulsar do poder presidentes como Fernando Lugo, no Paraguai, e Manuel Zelaya, em Honduras. A direita latino-americana continua na expectativa, e hoje reza por um triunfo de Macri, para que seja um símbolo em todo o continente.
Há uma década, esses setores insistem em prever, e em torcer muito por derrotas eleitorais dos governos progressistas, sonhando que a partir do primeiro presidente que caísse, os demais seriam derrubados como peças de dominó.
O desgaste de vários anos no poder, as mudanças no cenário internacional, os escândalos e as denúncias de corrupção, magnificadas pela imprensa, as mudanças de rumo na economia que resultaram na aplicação de políticas distanciadas das propostas iniciais e a desmobilização e desarticulação dos movimentos sociais que marcaram os tempos do caminho através das ruas, todos esses fatores debilitaram os governos.
Há quem defenda a teoria dos fluxos e refluxos, de ciclos que se terminam… a verdade é que até agora nenhum desses governos foi encerrado pela vontade popular, pelo voto dos cidadãos, ainda quando, em suas vitórias recentes, Nicolás Maduro e Dilma Rousseff tiveram uma pequena vantagem contra seus principais adversários, mas ganharam.
Na Argentina, está em jogo muito mais que um cargo presidencial. A transcendência destas eleições vai além dos limites do território argentino e influirá, de alguma forma, no imaginário coletivo da região. No âmbito nacional, o governo já conseguiu um triunfo: chegar a essa circunstância em absoluta normalidade institucional, com a economia sob controle, apesar das ameaças e das tentativas de gerar tormentas financeiras, e com a presidenta Cristina Kirchner governando até o último dia de seu mandato. Depois de 12 anos de kirchnerismo, a possibilidade de conseguir um novo período para as políticas de redistribuição com inclusão social são também a possibilidade de que os avanços alcançados já não tenham retrocesso, algo que parece pouco provável se houver uma mudança nos rumos da política com o próximo chefe da Casa Rosada.
Presságios dos intrometidos
A agenda eleitoral regional diz que depois deste segundo turno, será a vez da renovação da Assembleia Nacional da Venezuela (um país de Legislativo unicameral, que escolherá seus novos deputados no dia 6 de dezembro, 17 anos depois do primeiro triunfo eleitoral de Hugo Chávez) e, no dia 21 de fevereiro do ano que vem, acontecerá um referendo na Bolívia, onde os cidadãos definirão se apoiam que Evo Morales possa se candidatar uma vez mais à presidência.
Na Venezuela, a principal força política governista, o Partido Socialista Unido (PSUV) tenta manter a maioria parlamentar – que hoje é bastante ampla – contra uma nova ofensiva da Mesa de Unidade Democrática (MUD), referente da oposição. Um triunfo da direita no país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo poderia abrir as portas a um referendo contra o presidente Nicolás Maduro, em 2017. Contudo, mesmo em caso de derrota, está garantida a opção permanente do golpe.
Assim que soube dos resultados na Argentina, e da confirmação de um segundo turno, Henrique Capriles, duas vezes candidato presidencial da oposição venezuelana e hoje governador do Estado de Miranda, o mais poderoso do país politicamente, afirmou que “o grande desafio de Mauricio Macri, se quiser ganhar o segundo turno, é o de se posicionar como líder da mudança”. Assim, especulando com a ideia de que o triunfo de Macri estimulará um triunfo da oposição também na Venezuela.
Neste concerto de desconcertados, Samuel Doria Medina, magnata do cimento e ex-candidato ultraconservador à presidência da Bolívia, anunciou que “está chegando um novo tempo”, e comemorou “a unidade liderada por Macri, unidade que será vitória no 22N” – alusão ao 22 de novembro, dia do segundo turno na Argentina. Doria também quer pescar nesse rio e sonha com ventos que sirvam de estímulo para que os bolivianos rejeitem a uma nova candidatura de Evo.
No Equador, enquanto o Movimento País, do presidente Rafael Correa, manifestava seu apoio a Daniel Scioli, o banqueiro, líder da oposição e ex-candidato presidencial Guillermo Lasso dizia que “a luta de Mauricio Macri nos inspira e enche de ânimo para alcançar melhores dias no Equador”.
O líder da aliança direitista Cambiemos (“Mudemos”) não falou nunca em integração regional, mas a chancelaria paraguaia especula que a direita argentina consiga mudar as diretrizes pela qual o Mercosul caminha – tal como exigiram Aécio Neves no Brasil e Lacalle Pou no Uruguai, perdedores nas eleições do ano passado –, para permitir que os países membros possam assinar individualmente tratados de livre comércio com os Estados Unidos e a União Europeia. Em abril, o “Grupo Consenso”, integrado por referentes do PRO e do radicalismo macrista, defendeu um “fortalecimento das nossas relações com a Europa e os Estados Unidos”, e avançar em uma “rápida, ampla e franca discussão com nossos sócios do Mercosul”, buscando uma abertura com relação à Aliança do Pacífico.
Os abutres estão ali, na espreita, esperando sua chance. São gorilas nacionais e estrangeiros, disfarçados com suas fantasias de Halloween, uma festividade tão argentina, tão latino-americana, como seus patrões.
Tradução: Victor Farinelli
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