ARAM AHARONIAN: ENTRE ESPECULAÇÕES E AGOUROS PELO FIM DO CHAVISMO

(Foto: Globovisión/Flickr)

Chávez, junto aos seus principais assessores, criou um projeto de país, mas após a sua morte, se produziu uma ruptura nessa unidade interna.

Por Aram Aharonian (jornalista uruguaio vivendo na Venezuela) - reproduzido do portal Carta Maior, de 18/10/2015

Dentro de 50 dias, a Venezuela vai eleger os novos integrantes da Assembleia Nacional, um pleito cujo resultado hoje é imprevisível, com um país diante de uma confrontação eleitoral entre a metáfora opositora do desastre e a vitória perfeita esperada pelo governo, que abusa da consigna da consolidação do processo bolivariano. E, segundo os chavistas, revolucionário.

Para fazer uma análise mais séria, deveríamos partir dos dados de quase vinte eleições anteriores, desde a disputa de 17 anos atrás, quando Hugo Chávez chegou à presidência, as pesquisas de opinião, a análise da capacidade de mobilização do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e da Mesa de Unidade Democrática (MUD - coalizão opositora).

Não se pode deixar de considerar a delicada situação econômica do país, junto com a escassez e as longas filas, o que, para os analistas estrangeiros significa um “previsível” voto de castigo ao governo de Nicolás Maduro, com uma esperada maioria para a oposição. Mas a Venezuela é um país onde todos, bolivarianos e antichavistas, sentem falta da liderança de Hugo Chávez. O problema existe e é preciso reconhecer a responsabilidade do governo, que prefere insistir com a “guerra econômica” que, sem dúvida, não pode ser a única culpada.
 
E como se já não bastasse os problemas internos, o inimigo maior quer ajudar na desestabilização, promovendo dois conflitos limítrofes, com a Guiana – pelo território Essequibo – e com a Colômbia – pelo contrabando e a exportação dos seus problemas de segurança, especialmente o paramilitarismo.
 
Tibisay Lucena, a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral, alertou sobre uma conspiração contra o organismo, uma denúncia que se repete a cada ano em que há eleições, e que nem sempre surge de dentro do país. Desta vez, a pressão veio do secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, e virão outros mais agressivos, segundo o diretor do diário Últimas Notícias, Eleazar Díaz Rangel.
 
Não é nada divertido fazer filas de até oito horas para poder conseguir comida ou medicamentos. Essas filas são ordenadas e a escassez não se deve somente ao contrabando de produtos que vai ao outro lado da fronteira. Produtos de preços regulados, e também importados a taxa oficial, também estão em falta. Os controles não surtiram o efeito esperado e a brecha cambial é monumental.
 
Na fronteira com a Colômbia foram detidos 66 militares venezuelanos, implicados em ações delinquenciais que continuam acontecendo. Em menos de uma semana, três ataques sucessivos a instalações estatais deixaram em evidência que se trata de planos da oposição radical que se repetirão até o dia das eleições. E depois.
 
A metáfora do desastre
 
Essa Venezuela em campanha eleitoral, onde a oposição constrói seu discurso e estratégia em torno da metáfora do desastre, que se impõe graças ao seu efeito persuasivo transversal a todo programa de televisão, cobertura de jornais, portais ou rádios.
 
“As metáforas, em tantos elementos alegóricos – explica a socióloga Maryclén Stelling –, manifestam algo que não necessariamente se diz explicitamente, mas que são entendidos pela associação de conceitos e vivências”. Por isso, palavras como terremoto, tsunami, tempestades, erosão, são reinterpretadas, dando a elas uma nova noção.
 
Logo, os think tanks apresentam a ideia da reconstrução, recuperação, reativação, recolhimento dos escombros, do resgate, da ação para refazer o país depois do desastre. A oposição busca a solidariedade (em forma de voto) em torno do desastre. O último passo antes de dar o passo a frente… em direção ao abismo.
 
Uma vitória do governo ou do povo?
 

Enquanto isso, o governo insiste na “vitória perfeita”, “a união popular para defender a pátria (…) e abrir o caminho”. Essa é a mensagem de Maduro: “Não há vitórias predestinadas, é preciso constituir as vitórias, e depois desfrutá-las”. “Necessitamos uma grande vitória política (…) para assegurar a paz no país”.
 
Muitos dirigentes chavistas – em geral, distanciados devido ao madurismo do governo – destacam que diminuíram, quase desapareceram, as autocríticas do processo bolivariano.
 
“Estas eleições não terminarão em vitória nossa, por causa da inércia, porque o chavismo está presente mas precisa de uma ação muito mais vigorosa, mais dinâmica por parte do governo e das forças políticas que o acompanham”, analisa o ex-chanceler, ex-ministro de Energia, ex-secretário-geral da Unasul e atual embaixador em Cuba, Alí Rodríguez. Mas parece que esse silêncio é o que mais acompanha essa inércia.
 
Por isso falam de uma “vitória popular”, do poder popular que emerge das comunas onde ainda se respira uma consciência sobre a necessidade de preservar as inegáveis conquistas do chavismo, e não do governo nem da máquina eleitoral do cambaleante Grande Polo Patriótico (coalizão governista).
 
A oposição assegura que vão ganhar as eleições parlamentares (uma forma de abrir o guarda-chuvas – como o vem fazendo desde 2004 – e denunciar que se não conseguem é porque houve fraude), e por isso deveria, antes de tudo, dar a conhecer as propostas que defenderam se conseguem a maioria no Legislativo. Os meios de comunicação que estão do seu lado, por exemplo, são contrários a ajustes como o da gasolina, se expressam muitas vezes a favor da Guiana e se mostram contrários aos acordos de paz conseguidos pela Colômbia com as FARC. Será essa a linha da MUD na Assembleia?
 
Fim do chavismo?
 
Chávez, junto aos seus principais assessores, criou um projeto de país que, com o tempo, derivou num projeto de sociedade que foi além do capitalismo e conseguiu ser hegemônico pela força da sua liderança e capacidade estratégica. Após a sua morte, se produziu uma ruptura nessa unidade interna, inclusive dentro do gabinete de Maduro, enquanto aumentaram as pressões vindas da social-democracia europeia, especialmente a francesa, os grandes grupos financeiros transnacionais e até mesmo do Vaticano, para dar um fim à revolução chavista.
 
E assim surgiram informações contraditórias sobre a política econômica: o presidente anuncia a necessidade de ajustar os preços da gasolina, a urgência de uma revolução tributária, de controles nos preços… que ficam em meros anúncios.
 
Hoje, a economia está nas mãos do general de brigada Marco Torres, ministro da Economia, Fazenda e da Banca Pública, presidente do estatal Banco da Venezuela, que anunciou o estabelecimento de mesas de trabalho com as principais empresas financeiras do mundo, como JP Morgan, para convidá-las a investir no país, o que tampouco significa uma política de abertura. Mas Maduro – que insiste em fazer novos anúncios que, em muitos casos, não saem do discurso – continua falando em radicalizar a revolução, o que supõe o avanço na direção de um modelo com maior participação dos trabalhadores e o fortalecimento da participação popular.
 
O analista Manuel Azuaje afirma que grupos que formam parte do governo se enfrentaram em temas nevrálgicos, como a orientação da política econômica. “A desaparição física de Chávez acabou com a coesão dentro do projeto de governo, sua ausência fez com que os diferentes grupos dentro da coalizão governista entrassem em enfrentamento direto, sem que nenhum consiga formar uma hegemonia. Desse modo, o vazio se perpetua”.
 
Esta falta de consenso – ou de convicções – vem sendo aproveitada pela direita verborrágica, em aliança com o imperialismo, para intensificar suas estratégias e colapsar o país. Em várias ocasiões, Maduro tomou decisões para reverter medidas que causaram importantes críticas e desacordos por parte da base chavista, como a paralisação do projeto da lei de sementes – que abria as portas aos transgênicos –, a ação para impedir a desaparição da comuna El Maizal, e a derrogação do projeto de abertura de novas minas para exploração de carvão.
 
Mas a verdade é que alguns no governo apostam num programa de aberturas econômicas, outros escutam reclamações populares e tomam decisões que refletem o espírito de Chávez. O retorno ao passado não é uma opção, nem a retirada é uma estratégia. É a hora de reconhecer os aliados fundamentais e apoiá-los para que possam vencer todos aqueles que querem jogar fora tudo o que foi alcançado, comenta Azuaje.
 
Futurologia
 

Dois são os cenários possíveis: um onde o PSUV ganha a maioria de deputados eleitos, outro em que a oposição consegue a maior parte das cadeiras. Os 51 parlamentares serão eleitos através de uma fórmula proporcional, de forma parelha. A decisão sobre quem vai ganhar a maioria estará nos circuitos, em relação aos quais é mais difícil fazer um prognóstico a partir das inclinações globais.
 
Uma eleição “parelha” criaria uma alta tensão, que seria adicionalmente estimulada por denúncias de fraude; haverá incitação à violência e iniciativas fora da harmonia e da legalidade, que podem levar a uma derrota moral dos insurgentes, mas que terão efeitos colaterais danosos ao país.
 
No caso de que a oposição obtenha maioria de deputados, poderiam designar o presidente da Assembleia, o que daria lugar a uma situação objetiva de contraste entre poderes, que poderia implicar posteriormente acordos e rusgas, que irão sendo resolvidos enquanto não se perde de vista as eleições para governadores que aparecem no horizonte, no final de 2016, como reconhece o analista político opositor Leopoldo Puchi.
 
Se a situação poderia desaguar numa confrontação de poderes muito forte no próximo ano, e a válvula de escape disso seria, com certeza, um referendo em 2016, ou no começo de 2017, sobre o governo de Maduro. Esse cenário se aceleraria no caso de a oposição obter dois terços da Assembleia unicameral nas eleições de dezembro, o que hoje parece ser mais desejo que realidade.
 
O que não se pode descartar é que, ganhe o governo ou a oposição, a tensão vai aumentar, e portanto é preciso processá-la agora, já que os problemas econômicos, no eixo de tudo o que ocorre, exigem um programa de medidas entre dezembro e janeiro. E, no plano político, o diálogo é um instrumento insubstituível.
 
Tradução: Victor Farinelli

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