EM BRASÍLIA, MILITANTES DE ESQUERDA SE UNEM PARA ENFRENTAR O CONSERVADORISMO

(Foto: Patrick Mariano/Facebook)

Eles adotaram a Praça do Balaio como ponto de referência para discussões sobre a defesa da democracia e dos direitos sociais.


“O avanço conservador no Brasil se dá via concentração dos meios de comunicação”, alertou Bia Barbosa, do Intervozes.


“Esse povo do governo acha que, alisando a direita e passando a mão na Rede Globo, vão ter governabilidade para fazer um bom governo. Chega de ‘ingenuidade’, para não dizer outra coisa”, desabafou Alexandre Conceição, da coordenação do MST. 

Por Najla Passos, no portal Carta Maior, de 02/09/2015

Noite de segunda na capital federal. Mais de cem pessoas se reúnem em uma praça pública, na 202 Norte, em frente ao Balaio Café, tradicional espaço de vanguarda do Plano Piloto, para discutir o tema "Democracia, poder punitivo e efetivação da cidadania", no evento batizado de Okupa Praça do Balaio. 
 
De acordo com o advogado Patrick Mariano, um dos organizadores, o objetivo é “pensar estratégias de atuação contra a escalada autoritária e a retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, neste momento delicado em que se assistem tentativas diárias de desmonte dos direitos constitucionais e ataques às conquistas sociais”.
 
Na mesa, o professor universitário e ex-reitor da UnB, José Geraldo de Souza Junior, o advogado e ex-presidente da OAB, Cezar Britto, um dos coordenadores nacionais do MST, Alexandre Conceição, e a coordenadora do Intervozes, Bia Barbosa. Na plateia, advogados populares, militantes de movimentos sociais e de partidos políticos de esquerda. 
 
Idealizado pela Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), o evento logo contou com a adesão de movimentos como MST, Consulta Popular e Levante da Juventude. Militantes do PSOL e do PT marcaram presença. “A preocupação com o momento atual é geral e, por isso, vários movimentos se somaram”, afirma Mariano.  
 
‘A praça é do povo’
 
Militante histórico na luta pela democracia, José Geraldo elogiou a iniciativa de reunir militantes na praça para debater os rumos do país. “A rua é o lugar onde a multidão se transforma em povo”, lembrou, citando o filósofo marxista Marshal Berman, autor do clássico “tudo que é sólido se desmancha no ar”, um dos maiores tratados sobre a modernidade. 
 
O acadêmico lembrou que a emergência da condição do povo como sujeito na história do país é recente e dramática. Segundo ele, para alcançá-la, é preciso lutar até mesmo contra as leis,por causa da cultura jurídica da punição que sobressai no país. “No Brasil, a luta pela cidadania sempre foi a luta contra a criminalização do protesto”, afirmou. 
 
José Geraldo acrescentou que o projeto colonizador sempre “coisificou” quem já vivia no Brasil para que a opressão não gerasse dramas morais. E destacou que esta herança continua viva no patrimonialismo, no machismo, no clientelismo, na defesa dos privilégios, nos estereótipos reproduzidos pela mídia. 
 
“A perpetuação desses estereótipos fazem com que a sociedade desqualifique o sujeito para retirar dele toda a sua solidariedade. “Crianças são as ‘nossas’. As ‘deles’ são menores, pivetes. É por isso que a sociedade aceita o extermínio, a redução da maioridade”, exemplificou. 
 
Coordenadora do Intervozes, Bia Barbosa qualificou ainda mais o efeito da brutal concentração dos meios de comunicação de massa no Brasil sobre a orientação ideológica da população. “Alguém acha que as 7 horas diárias de programas policialescos em todos os estados do Brasil não influenciou para que a maioria da população defendesse a redução da maioridade? “, questionou.
 
A jornalista afirmou que a concentração dos meios prejudica não só a discussão sobre as pautas de interesse do governo, mas sobre todos os temas propostos na sociedade brasileira. “O avanço conservador no Brasil se dá via concentração dos meios de comunicação”, alertou.
 
Bia ressaltou que a quebra da estrutura de concentração de mídia no Brasil é essencial para manutenção da democracia. E lamentou o fato dos governos do PT não terem enfrentado essa questão, que é uma agenda herdada do século XX. “Dos parlamentares eleitos, pelo menos 44 são donos diretos de meios de comunicação, o que a Constituição proíbe”, reforçou.
 
A coordenadora do Intervozes também alertou os militantes sobre o avanço do conservadorismo no Congresso. Segundo ela, enquanto muitos estão preocupados com um possível impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados a ordem constitucional já foi quebrada. 
 
“Se do ponto de vista do Executivo há a ameaça de impeachment, no Legislativo o rompimento institucional já aconteceu. E isso não está posto para a sociedade. Estamos vivendo uma constituinte e, daqui a pouco, não restará mais nada da Constituição de 1988”, alertou. 
 
Com isso, entretanto, ela não deixou de fazer críticas ao governo Dilma. Repudiou tanto a recém aprovada Lei Antiterrorismo que criminaliza as ações dos movimentos sociais, enviada ao Congresso pelo Executivo, quanto a CPI de Crimes Cibernéticos, proposta pelo PT que, segundo a jornalista, pode descontruir os avanços conquistados pela sociedade civil com o marco civil da internet.
 
Outro militante histórico, Cezar Britto saudou a disposição das mais de cem pessoas que compareceram ao evento com o propósito de ajudar a discutir uma outra proposta de país. Segundo ele, o Brasil vive um momento em que as máscaras estão caindo e, assim, fica mais fácil saber quem está de que lado.  
 
O ex-presidente da OAB justificou o recuo da esquerda brasileira como fenômeno diretamente ligado à redemocratização, já que, após a Constituição de 1988, muitos acharam que os principais problemas do país estavam resolvidos. Outra questão relevante, segundo ele, foi a queda do Muro de Berlim, que deixou a esquerda atônita. 
 
Para completar o quadro, o advogado citou a vitória do governo popular, em 2003, que deu novas esperanças à militância de esquerda. “Mas o governo popular acabou se aproximando dos seus inimigos, que mesmo assim agora dá o troco”, avaliou. 
 
Britto acredita que, apesar dos tempos difíceis, há novidades na conjuntura que podem incidir em um futuro melhor. Primeiro, ele cita o papel das redes sociais, que ajudam a quebrar a hegemonia dos meios de comunicação e, assim difundir versões diferenciadas para os mesmos fatos. 
 
Segundo, a política de cotas que, no futuro, promete quebrar a composição classista do Poder Judiciário. “Não se discute o acesso ao Poder Judiciário, que só é dado à classe média alta que nunca pegou um ônibus. É possível que as cotas mudem isso, o que significará a democratização do Poder Judiciário”, ressaltou.
 
Ele também comemorou o fato de que a reação espontânea ao avanço do conservadorismo conta com cada vez mais pessoas dispostas a lutar. “Nós vamos conquistar no Brasil uma reação contra a direita? Não sei. Mas se nós não tentarmos, a direita será mais fortalecida”, afirmou. 
 
Um dos coordenadores nacionais do MST, Alexandre Conceição falou do ponto de vista daqueles que ainda nem sequer usufruíram a democracia prevista pela Constituição de 1988, hoje sob ataque. “A Constituição já está sendo desmontada e ainda não chegou lá debaixo da lona”, ressaltou.
 
Conceição manifestou sua insatisfação com o espaço dado ao agronegócio em um país que é comandado há 12 anos por um governo popular. “O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo e o segundo país em concentração de renda. Só perde para o Paraguai, onde são os brasileiros que são os donos da terra”, apontou.
 
Para ele, a ameaça de impeachment é a prova de que a elite não tolera um governo popular, ainda que ele lhe faça as mais diversas concessões. “Parece que esse povo do governo não aprendeu com a contradição e com a luta de classes. Esse povo do governo acha que, alisando a direita e passando a mão na Rede Globo, vão ter governabilidade para fazer um bom governo. Chega de ‘ingenuidade’, para não dizer outra coisa”, desabafou. 
 
A exemplo dos demais palestrantes, o dirigente também criticou a doutrina antiterror, difundida mundo afora após os atentados de 11/9 e que agora se implantou definitivamente no país, a partir da Lei Antiterrorismo. “É uma lei contra protesto, contra ocupação, contra manifestação e contra a praça”, denunciou.
 
 
Okupa Praça do Balaio
 
Com a pretensão de se reunir pelo menos uma vez por mês, o Okupa Praça do Balaio capta bem o sentimento difuso na esquerda de que é preciso reagir com urgência. Para o próximo encontro, já colocou em discussão vários temas: reforma política, direito à cidade, violência contra a juventude pobre e negra, auditoria da dívida e política econômica... 
 
Também está no horizonte próximo a criação de uma página no Facebook para organização do coletivo. Por hora, as discussões são feitas pela página do primeiro Okupa Praça do Balaio.  

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