PARAGUAI: JUIZ DO CASO CURUGUATY CONFESSA JULGAMENTO-FARSA CONTRA CAMPONESES – POR LEONARDO WEXELL SEVERO
Presidente do tribunal Ramón Trinidad Zelaya durante julgamento (Foto: Agência EFE/Opera Mundi) |
30 ANOS DE PRISÃO: “A MÍDIA PARAGUAIA QUER A
SENTENÇA”
Imagens editadas de soldados da polícia chegando ao
assentamento de Marina Cue e sendo teoricamente “emboscados” por “camponeses
covardes” são repetidas à exaustão (em todas as emissoras de rádio e TV do
país), para que a população embarque na campanha desinformativa, julgue e
condene.
Por Leonardo Wexell Severo, no portal Opera Mundi, de 29/07/2015
“A mídia
quer a sentença”. O anúncio do juiz Ramón Trinidad Zelaya, responsável pelo
julgamento dos camponeses de Marina Cue, no município de Curuguaty, evidenciou
nesta terça-feira o jogo de cartas marcadas do mais do que viciado processo.
Para o governo paraguaio, os latifundiários e sua mídia, que utilizaram o
confronto ocorrido no dia 15 de junho de 2012 para justificar o impeachment do
presidente Fernando Lugo, a meta é penalizar os trabalhadores sem-terra com até
30 anos de prisão.
Ao negar
aos advogados que recém assumiram o caso o direito a um estudo pormenorizado de
mais de 7.200 páginas dos autos do processo e marcar para a próxima
segunda-feira, 3 de agosto, o reinício do julgamento, Ramón Zelaya expôs as
vísceras do judiciário paraguaio, intimamente ligado aos poderes político e
econômico. Afinal, disse, é preciso atender aos meios de comunicação. E eles
têm “pressa”.
“Esta é
uma confissão expressa da total ausência de independência do judiciário
paraguaio”, declarou o juiz brasileiro Jonatas Andrade, membro da Associação
dos Juízes pela Democracia e um dos observadores internacionais do caso
Curuguaty, que vieram a Assunção acompanhar o processo. Em geral, ressaltou
Jonatas, “o judiciário é contra as maiorias de ocasião, pois precisa estar
apegado ao Estado de direito, à Constituição, à legislação. Nunca vi um juiz
assumir desta forma que sua decisão é para atender a imprensa, isso é
estupendo. No Brasil até ocorre, mas não se diz”.
Os
jornais ABC Color, Última Hora e Extra, assim como todas as principais emissoras
de rádio e televisão do Paraguai voltaram à carga desde segunda-feira com “o
julgamento sobre a matança que tirou Lugo”. Imagens editadas de soldados da
polícia chegando ao assentamento de Marina Cue e sendo teoricamente
“emboscados” por “camponeses covardes” são repetidas à exaustão, para que a
população embarque na campanha desinformativa, julgue e condene. Como se fosse
crível que 60 camponeses, 25 deles crianças e mulheres, pudessem fazer frente a
mais de 320 militares fortemente armados e contando, inclusive, com
helicópteros.
Rubens
Villalba, Felipe Martínez, Luis Olmedo, Adalberto Castro, Arnaldo Quintana,
Néstor Castro, Lucía Aguero, Fani Oledo e Dolores López Peralta são acusados
por tentativa de assassinato, invasão de imóvel alheio e associação criminosa.
Alcides Ramón Ramírez e Juan Carlos Tílleria de associação criminosa e invasão
de móvel, e Felipe Nery Urbina responde por fugir da perseguição penal. A jovem
Raquel, que tinha então 17 anos, é acusada de invasão de imóvel alheio,
associação criminosa e cumplicidade de assassinato. O caso de Felipe é uma boa
demonstração da violação dos direitos humanos: ao tentar ajudar a um dos
feridos, foi preso e torturado durante três dias. Outros camponeses não tiveram
tanta sorte e foram assassinados pelas costas, a sangue frio.
“Enfrentamento”
pré-fabricado
Há três anos,
17 pessoas morreram depois do “enfrentamento” iniciado por franco-atiradores,
com projéteis de armas privativas das Forças Armadas. Após tiros dispersos,
ouvem-se nove segundos de disparos de armas semiautomáticas. O cenário lembra
Ponte Laguno, na Venezuela, onde atiradores de elite da CIA assassinaram tanto
apoiadores do presidente Hugo Chávez como oposicionistas, provocando uma
sangrenta confrontação. A atuação dos profissionais da morte em Caracas e em
Curuguaty teve por objetivo fomentar o caldo de cultura para a derrubada dos
dois presidentes e sua substituição por nomes mais palatáveis a Washington. Com
a mobilização popular, Chávez resistiu e venceu. Lugo foi derrubado menos de
uma semana após a matança. O plano neoliberal de concessões e privatizações
chegou logo em seguida.
Comentários