EMILIO GODOY (TIERRAMÉRICA): PAPA FRANCISCO SE UNE À BATALHA CONTRA OS TRANSGÊNICOS

(Foto: Carta Maior)

O Papa criticou os transgênicos por seus impactos agrários, sociais e econômicos, e fala da necessidade de um debate amplo sobre o tema.


O primeiro papa latino-americano denuncia a precarização do emprego, a migração rural às periferias urbanas, a devastação dos ecossistemas e o surgimento de oligopólios de sementes e de insumos.
Por Emilio Godoy - Tierramérica - reproduzido do portal Carta Maior, de 11/08/2015

MÉXICO, 10 de agosto de 2015 (IPS) – Há alguns séculos atrás, a indústria da biotecnologia poderia ter comprado uma bula para autorizar seus pecados e obter a redenção prévia. Porém, em sua ecológica encíclica Laudato si, o papa Francisco condenou os organismos geneticamente modificados (OGM) sem perdão possível.
 
Em sua primeira carta circular aos católicos desde que iniciou seu pontificado, no dia 24 de maio de 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio critica os OGM por seus impactos agrários, sociais e econômicos, e fala da necessidade de um debate amplo sobre o tema, e não somente desde a esfera científica.
 
Laudato si – “louvado sejas”, em italiano antigo – faz referência ao título de um cântico de Francisco de Assis que reza: “louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa Mãe Terra, a qual nos sustenta, nos governa e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas”.
 
É a primeira encíclica na história dedicada à situação ambiental e à reflexão sobre “a casa comum” da humanidade, o planeta.
 
O documento reconhece a falta de “comprovação contundente” sobre o dano que os OGM poderiam causar aos seres humanos, mas destaca que existem “problemas importantes que não devem ser relativizados”.
 
“Em muitos lugares, após a introdução desses cultivos, se constata uma concentração de terras produtivas nas mãos de alguns poucos, devido à progressiva desaparição dos pequenos produtores, obrigados deixar a produção direta, como consequência da perda das terras exploradas”, segundo a encíclica.
 
A partir disso, o primeiro papa latino-americano denuncia a precarização do emprego, a migração rural às periferias urbanas, a devastação dos ecossistemas e o surgimento de oligopólios de sementes e de insumos.
 
Nesse contexto, Francisco propõe “uma discussão científica e social que seja responsável e ampla, capaz de considerar toda a informação disponível e de chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome”, porque “às vezes não se põe na mesa toda a informação, selecionada entre acordos pelos próprios interesses, sejam eles políticos, econômicos ou ideológicos”.
 
Está faltando esse tipo de debate em torno dos OGM, sobretudo porque a indústria biotecnológica se nega a abrir seus bancos de dados para comprovar se os produtos são mesmo inócuos, como eles defendem, ou se existem efeitos, e quais são.
 
Esse debate necessita, segundo argumenta a encíclica, “espaços de discussão onde todos aqueles que possam ser direta ou indiretamente afetados de alguma forma (agricultores, consumidores, autoridades, cientistas, produtores e vendedores de sementes, povoados vizinhos aos campos cultivados e afetados quimicamente, entre outros) exponham suas problemáticas ou tenham amplo e fidedigno acesso a informação, para tomar decisões visando o bem comum, o presente e o futuro”.
 
“O México já é uma referência na luta pela ‘justicialização’ do direito a um ambiente saudável, pela constância decidida das organizações sociais. Nossa demanda coletiva se robustece com a encíclica”, disse o sacerdote Miguel Concha, diretor do Centro de Direitos Humanos Frei Francisco da Vitória, em entrevista para Tierramérica.
 
O religioso católico faz suas as palavras da encíclica sobre as implicações sociais, econômicas, legais e éticas relacionadas aos transgênicos.
 
A encíclica dá uma especial importância às nações como o México, cenário de uma intensa luta sobre os transgênicos, principalmente no caso do milho, grão de enorme simbolismo cultural para este país latino-americano, além de base da sua alimentação.
 
E igualmente para Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica, que, junto com o sul do México, conformam o berço da civilização maia, na América Central.
 
O papa conhece de perto o impacto dos cultivos transgênicos, porque sua Argentina natal é o país latino onde as sementes modificadas mais alteraram a agricultura tradicional. Um exemplo disso é o cultivo da soja, onde 20,2 dos 31 milhões de hectares cultivados no país são de sementes modificadas.

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