CHEGA A SER CRIMINOSA A OMISSÃO DOS GOVERNOS LULA E DILMA NA “BATALHA DA COMUNICAÇÃO”

(Foto: Internet)

“A verdade é uma só, são várias”, já disse o poeta. Nós também, da esquerda, temos o direito e o dever de alardear a nossa, como a direita propaga a sua, aos quatro ventos e há décadas, através da Rede Globo e sua gangue dos monopólios da mídia hegemônica.


Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) – editor do blog Evidentemente – publicado em 27/07/2015


Será que sou demasiadamente rigoroso ao chamar de criminosa a omissão do governo brasileiro no quesito comunicação? Pode ser, mas é inaceitável o aparente descaso dos governos de Lula e Dilma diante do envenenamento paulatino e constante dos corações e mentes dos brasileiros, forçados a ler, ouvir e ver só uma “verdade”, a deles.


Deles: dos banqueiros especuladores, do grande empresariado corrupto e corruptor, das grandes corporações multinacionais, mancomunados com a Rede Globo e os demais monopólios da imprensa hegemônica. A “verdade” dessa gente chega a toda hora, todo santo dia, em todo lugar, ao povo brasileiro. E quem não luta contra isso (ou não sabe lutar, por ignorância ou por estar contaminado com o vírus da conciliação) comete crime de responsabilidade diante da história.


Falar em história dá assim um tom grandiloquente que me cheira à ostentação vazia. Mas procuro justificar: Getúlio Vargas teve seu lado torturador na sua ditadura e depois o seu lado nacionalista, mas arrisca-se a ficar na história como o responsável pelo famoso “mar de lama” inventado pela direita, através das mesmas armas que continua usando: a mídia hegemônica.


(E observe que naquela época, início da década de 1950, Getúlio não podia ser defendido através da Internet, mas tinha pelo menos uma poderosa bala na agulha: um jornal diário de grande circulação e alcance nacional, chamado Última Hora, liquidado depois do golpe de 1964).


Outro exemplo histórico: João Goulart, o popular Jango, poderia ter seus defeitos, como todos temos, mas seu governo lutou bravamente pelas chamadas “reformas de base” (das quais até hoje carecemos). E arrisca-se a ficar na história como um “incompetente e corrupto”, porque assim inventaram as mesmas forças da direita, através dos mesmos instrumentos: TV Globo e sua gangue da mídia hegemônica.


E nós, da esquerda, que buscamos uma democracia mais avançada, participativa, popular, nacionalista, que buscamos a segunda e efetiva independência do Brasil, que buscamos uma sociedade humanista, solidária, fraterna, sem esse consumismo desvairado do capitalismo, sem essa gula louca pelo dinheiro, não temos também o direito de propagandear nossa “verdade”?


Ou nossas “verdades”, porque como diz o poeta baiano Antônio Brasileiro (mora em Feira de Santana, a 100 quilômetros de Salvador), “a verdade é uma só, são várias” (cito de memória, se as palavras não são exatamente estas, o sentido é exatamente este). Nós temos o direito e o dever de propagar a nossa, como eles, da direita, também têm.


Mas a grande questão é que eles têm armas, munição pesada e abundante, na tal da “batalha da comunicação”, como se referiu um dia desses a nossa presidenta Dilma Rousseff. E nós não temos, somos literalmente desarmados. 


E não me venham, pelo amor de Deus, dizer que hoje temos a Internet. Claro, temos a Internet, temos nossos combativos blogueiros chamados progressistas (ou “sujos”), os sites progressistas, nossos bravos ativistas das redes sociais (ai de nós se não tivéssemos). Mas isso eles também têm e com maior poder de fogo, porque as grandes corporações da mídia estão lá.


Por que a Telesur não chega às TVs nos lares brasileiros?


Fora a Internet, o que temos? A Carta Capital, que faz um jornalismo criteriosa e confiável, mas é apenas uma revista semanal; o jornal Brasil de Fato, com poucos recursos, a revista mensal Caros Amigos... o que mais?  A TV Brasil, que poderia ser realmente uma arma poderosa, tem uma política editorial acanhadíssima do ponto de vista do enfrentamento com as “verdades” hegemônicas da direita.


Aliás, a TV Brasil é o retrato pronto e acabado do acanhamento dos governos de Lula e Dilma no item comunicação. É como se avisassem: é somente até aqui que podemos chegar. Às vezes penso: Lula teve uma larga convivência com Hugo Chávez, não é possível que ele não tenha visto e sentido que a comunicação na Venezuela foi tratada como um ponto estratégico fundamental.


(Um caso que chega a ser inacreditável: o governo brasileiro nunca teve sequer a “ousadia” de trazer para o Brasil a Telesur – Telesul -, uma televisão hoje poderosíssima que comemorou seus 10 anos na sexta-feira, dia 24, de alcance inclusive internacional, patrocinada por vários governos da América Latina, a partir da Venezuela. Um dia esta história ainda será revelada aos brasileiros: por que a Telesur não chega às telas da TV nos lares brasileiros, por que o brasileiro não tem o direito de ver e ouvir as “verdades” transmitidas pela Telesur? Durante o governo de Requião no Paraná, por exemplo, o noticiário da Telesur passava todos os dias na TV do governo estadual).  


O brasileiro talvez não perceba, porque pouco se fala disso no Brasil, mas será que alguém imagina que os governos da Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador estariam ainda de pé se eles – juntamente com o movimento democrático, popular e de esquerda (ou de centro-esquerda) – não tivessem construído uma poderosa rede de mídia contra-hegemônica? (Governos que, além disso e ao contrário do nosso, conseguiram regular os meios de comunicação, com a democratização das concessões de rádio e TV).


São jornais diários e emissoras de rádio e TV públicos, estatais, comunitários, sindicais, partidários e, em alguns casos, também privados, além das mais diversas plataformas na Internet. Toda a programação e toda a política editorial de tais meios procuram difundir uma outra “verdade”, uma outra maneira de ver as coisas, outros valores ideológicos e culturais, fora dessa cultura de ódio e violência, fora portanto do “pensamento único”, da “verdade” única da mídia hegemônica.


Será que alguém imagina que se tivéssemos uma rede de mídia contra-hegemônica, aferrada a um trabalho jornalístico sério e ético, comprometida com os interesses populares e nacionais, haveria no Brasil fenômenos midiáticos e judiciais como Joaquim Barbosa, Sergio Moro e Gilmar Mendes? Teríamos uma Justiça/Ministério Público/Polícia Federal com ação tão enviesada como essa da Lava Jato? Teríamos um Congresso tão direitista, sempre mais a cada legislatura?


Teríamos apresentadores/animadores de auditório em TVs e rádios – que funcionam sob concessões públicas - pregando linchamento de pobres e pretos? Teríamos todos os dias policiais assassinando pobres e pretos, denominados a grosso modo de “bandidos”? Teríamos gente com tanta desenvoltura agredindo autoridades e “petistas” nos restaurantes de São Paulo? Teríamos parlamentares encorajados a votar uma coisa atrasada como a redução da maioridade penal? E senadores querendo votar a entrega do nosso petróleo? E parlamentares defendendo a tortura e a volta da ditadura?


Pensadores do porte do espanhol Ignacio Ramonet, jornalista e acadêmico, diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol, tem alertado sobre o quanto é estratégico a questão da comunicação, inclusive abordando especificamente a situação da América Latina.


Na sexta-feira mesmo publiquei aqui neste meu blog matéria com Ramonet dizendo que “a principal batalha da América Latina é midiática”.  No primeiro semestre, quando eu estava no Equador, traduzi e publiquei aqui uma longa entrevista sua, sobre o mesmo tema: ao ser mencionada a situação difícil do Brasil, ele chamou a atenção justamente para o fato dos governos do PT terem se descuidado (ou não terem conseguido) da construção duma rede de mídia pública e comunitária.

Comentários

Muito bom artigo. Rui Baiano Santana
Muito bom artigo. Rui Baiano Santana