(Ilustração: reproduzida de O Cafezinho) |
Os jornais pinçam a palavra “inaceitáveis”, numa frase que menciona, de maneira genérica, atos hostis de manifestantes, para passar a impressão de que o governo ou o Itamaraty compraram as mentiras de Aécio. Não compraram.
A mídia brasileira não consegue mais falar a verdade. E quando diz a verdade, torce-a tanto que esta se torna irreconhecível, como fez com a nota do Itamaraty.
Por Miguel do Rosário, no seu blog O Cafezinho, de 19/06/2015
Alguns amigos se irritaram com a nota do Itamaraty, que reproduzo abaixo, mas eu a achei excelente.
Acontece que é, naturalmente, diplomática…
O Itamaraty não pode humilhar uma comitiva de senadores mostrando a dura verdade: eles se portaram como palhaços. O objetivo do Itamaraty é apaziguar os ânimos.
Entretanto, observe que a mídia brasileira, desesperada para reverter o mico gigante dos senadores patetas, continua mentindo e manipulando como se não houvesse amanhã.
Virou uma imprensa venezuelana de terceira categoria.
Os jornais pinçam a palavra “inaceitáveis”, numa frase que menciona, de maneira genérica, atos hostis de manifestantes, para passar a impressão de que o governo ou o Itamaraty compraram as mentiras de Aécio.
Não compraram.
Membros da delegação brasileira falaram com o assessor para assuntos internacionais da presidenta, Marco Aurélio Garcia, e ele já sabe que foi um factoide de Aécio e seus patetas.
Dilma também já sacou, tanto que não caiu (graças a Deus!) na armadilha da mídia e do PSDB.
A preocupação do governo brasileiro agora é lidar com sua incapacidade crônica de lidar com mais um golpe midiático.
Boa hora para vir à Venezuela e aprender.
Ainda bem que o governo venezuelano pensou à frente e, sabendo que viriam por aí um monte de factoides, convidou uma delegação para fazer o contraponto. Senão, dependeríamos exclusivamente da versão da grande mídia, que iria impor, sem contrapontos, suas mentiras.
O Fernando Brito, do Tijolaço, fez o trabalho que nenhum jornal fez. Entrou em sites de notícia da Venezuela, para confirmar que uma carreta, de fato, virou na estrada que liga o aeroporto a Caracas.
Isso acontece com frequência, infelizmente. É um país latino-americano, sem grandes infra-estruturas. Essa estrada liga também o porto à capital, e por isso tem tráfico pesado de caminhões de carga.
A notícia foi publicada no jornal El Universal, privado e de oposição:
O deputado do PT João Daniel (PT-SE) é a prova viva da mentirada de Aécio.
Ele chegou à mesma hora da comitiva de senadores, pegou o engarrafamento, que bloqueou o trânsito por várias horas, mas decidiu pegar uma via alternativa, como fazem todos os venezuelanos quando isso acontece. Há dois outros caminhos que ligam o aeroporto a Caracas.
Encontramos o deputado no restaurante do hotel, ontem à noite. Se ele chegou todo mundo poderia chegar.
A comitiva de patetas não foi convidada ao país. É uma visita “não-solicitada”. Mesmo assim, o governo autorizou a vinda dos senadores e viu o episódio como oportunidade para desmistificar algumas mentiras midiáticas sobre a prisão de Leopoldo Lopez e, sobretudo, sobre a democracia venezuelana.
O vôo da FAB, em avião militar, com os senadores, foi autorizado. Aliás, a história começou com aquele factoide do Globo e PSDB, vendendo a versão de que o governo venezuelano não havia autorizado a viagem. Era mentira. O governo sempre teve a intenção de autorizar, tanto é que autorizou.
Aécio, ao que parece, não está acostumado com engarrafamentos, porque só anda de jatinho particular.
O governo da Venezuela está um pouco perplexo com o nível de amadorismo político dos senadores brasileiros. Nem os políticos ou partidos da oposição real ao governo foram contatados.
Fontes do governo me disseram que os senadores poderiam perfeitamente ter se articulado em conjunto com alguma seção da Assembléia Nacional, onde a oposição tivesse espaço, para dar um mínimo toque oficial a sua viagem.
A Justiça venezuelana não foi contatada, a oposição não foi contatada. Nenhuma organização de direitos humanos foi contatada.
Se tivesse um mínimo de honestidade, pediriam entrevistas com setores do governo e com as famílias das vítimas mortas pelas “guarimbas”, as manifestações violentas patrocinadas por Leopoldo Lopez, líder da estratégia chamada “La Salida”, que consistia em tentar derrubar o presidente Maduro, legitimamente eleito em 2013, de “qualquer jeito”.
Aécio caiu na armadilha dos radicais dos radicais do país.
Eles vieram quase que clandestinamente, numa viagem irresponsável bancada com dinheiro público.
Só não culpo o ministro da Defesa, Jacques Wagner, porque entendo que ele atendeu um pedido do próprio presidente do Senado, Renan Calheiros, que a esta hora deve estar arrependido de ter patrocinado um vexame internacional como esse.
Agora, temos de fato um problema aqui.
Um problema epistemológico sério. A mídia brasileira não consegue mais falar a verdade.
E quando diz a verdade, torce-a tanto que esta se torna irreconhecível, como fez com a nota do Itamaraty, transformando um texto diplomático, que tenta não jogar água fria nos ânimos, numa manifestação de indignação do governo.
A reação de Renan, indo à tribuna do senado, para fazer um discurso condenando manifestações violentas, soou incrivelmente irônico em nossos ouvidos. De uma ironia triste, contudo, porque inflada com mentiras.
Excelentíssimo senador Renan Calheiros! A comitiva de patetas veio à Venezuela visitar um bandido que patrocinou manifestações violentíssimas que resultaram na morte de 43 pessoas, outras centenas de feridos, e mais a destruição de patrimônio público.
O bandido Leopoldo Lopez, como já mostrei num post anterior, é tudo, menos democrático. Ele é signatário do decreto do golpe de 2002, que chocou o mundo por seu conteúdo absolutamente fascista.
Nesse decreto, como já disse em post anterior, dissolveu todas as instituições democráticas do país: ministério público, tribunal eleitoral, congresso, supremo tribunal de justiça, defensoria do povo, procuradoria geral da república.
Esse é o homem que Aécio veio visitar, e que a nossa imprensa chama de “preso político”.
Entretanto, o governo da Venezuela não tentou bloquear o acesso dos senadores à prisão onde está Leopoldo. O governo não inventou a capotagem de uma carreta na estrada Caracas-La Guaira.
E os manifestantes, eram pouco mais de meia dúzia. Aécio Neves queria o quê? Que o governo reprimisse os manifestantes como fazem os tucanos em São Paulo e Paraná?
Ora, mas os senadores não vieram para cá justamente para acusar o país de reprimir a democracia?
O presidente Maduro, recentemente, fez uma série de chamamentos aos venezuelanos para que se interessassem mais por política, e fizessem reuniões, por toda a parte, para discutir a situação.
É exatamente o contrário do que fazem ditaduras, que proíbem associações de mais de três pessoas, porque não se pode controlar o que se discute livremente.
A democracia venezuelana é muito mais profunda e radical do que a nossa.
Que país autorizaria a entrada de um avião militar, cheio de senadores, dispostos a visitar um político de oposição preso por incitar e organizar manifestações violentas contra o governo.
Se os deputados venezuelanos quiserem visitar, com grande pompa midiática, políticos brasileiros em prisão domiciliar, e que também se consideram “presos políticos”, como Dirceu e Genoíno, o que dirá o Judiciário e a imprensa?
Lamentavelmente, Aécio e seus pateta, em associação com a mídia, em especial com a TV Globo, hoje convertida num órgão ao estilo “oposição venezuelana”, sem nenhuma preocupação com os fatos, passaram a vender a versão, totalmente exagerada, de que foram “agredidos”.
Ué, ministros do PT são agredidos em restaurantes de São Paulo e a imprensa brasileira trata o fato com quase euforia, sempre classificando esses atos como democráticos.
Um punhado de senadores reaças vem à Venezuela visitar um crápulo sem nenhuma popularidade no país, pertencente a um partido que não possui um mísero representante na assembléia legislativa, e querem criminalizar a manifestação de meia dúzia de chavistas? Se é que eram chavistas mesmos, porque nem isso ainda está esclarecido.
De qualquer forma, não foi nada organizada pelo PSUV ou pelo governo venezuelano. A região do aeroporto, contudo, é fortemente chavista, e pode ser que os populares, vendo a quantidade de jornalistas e tendo acompanhado as notícias sobre a vinda dos parlamentares pela imprensa, tenham mesmo ido lá protestar espontaneamente.
E aqui entre nós: se foi isso, lhes dou inteira razão. Aécio não tinha nada que fazer na Venezuela, sobretudo não numa missão indiana jones, organizada de maneira unilateral, demonstrando um inacreditável desrespeito às instituições democráticas venezuelanas. Não respeito a justiça do país. Não respeito o ministério público do país. Não respeitou o poder legislativo. Não respeito o Executivo. Não foram agendados encontros com nenhum representante das forças democráticas que governam o país. Nem sequer com a oposição organizada no parlamento!
E não teve “pedrada” nenhuma. Não teve agressão nenhuma. Os manifestantes deram tapinhas na parte externa da lataria do micro ônibus e entoaram refrões políticos em favor de Chávez. As imagens e vídeos mostram.
Acompanhamos por aqui a movimentação midiática e parlamentar no Brasil. Ao fim da noite, percebemos o golpe sujo que mídia & oposição deram, em especial na Câmara Federal: a base aliada terminava uma votação importante para o governo, que a oposição passou a tentar obstruir acenando com a “agressão” aos senadores. Foi nesse clima emocional de defesa corporativa de parlamentares supostamente agredidos, numa atmosfera envenenada pela desinformação (e aí entra a mídia, claro) que a oposição arrancou das bancadas uma moção de repúdio. A base aliada aderiu à moção como tentativa de fazer o jogo parlamentar e aprovar o que se discutia na casa.
Mas foi errado, naturalmente, do ponto-de-vista da política com P maiúsculo, dos princípios, mas esperar o quê de uma Câmara que apenas se informa via uma mídia tradicional que aderiu a uma espécie de jihadismo informacional, abandonando todos os escrúpulos jornalísticos em prol de seus interesses políticos?
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Abaixo, a nota do Ministério das Relações Exteriores
O Governo brasileiro lamenta os incidentes que afetaram a visita à Venezuela da Comissão Externa do Senado e prejudicaram o cumprimento da programação prevista naquele país. São inaceitáveis atos hostis de manifestantes contra parlamentares brasileiros.
O Governo brasileiro cedeu aeronave da FAB para o transporte dos Senadores e prestou apoio à missão precursora do Senado enviada na véspera a Caracas.
Por intermédio da Embaixada do Brasil, o Governo brasileiro solicitou e recebeu do Governo venezuelano a garantia de custódia policial para a delegação durante sua estada no país, o que foi feito.
O Embaixador do Brasil na Venezuela recebeu a Comissão na sua chegada ao aeroporto de Maiquetía, onde os Senadores e demais integrantes da delegação embarcaram em veículo proporcionado pela Embaixada, enquanto o Embaixador seguiu em seu próprio automóvel de retorno à Embaixada.
Ambos os veículos ficaram retidos no caminho devido a um grande congestionamento, segundo informações ocasionado pela transferência a Caracas, no mesmo momento, de cidadão venezuelano extraditado pelo Governo colombiano.
O incidente foi seguido pelo Itamaraty por intermédio do Embaixador do Brasil, que todo o tempo se manteve em contato telefônico com os Senadores, retornou ao aeroporto e os despediu na partida de Caracas.
À luz das tradicionais relações de amizade entre os dois países, o Governo brasileiro solicitará ao Governo venezuelano, pelos canais diplomáticos, os devidos esclarecimentos sobre o ocorrido.
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