ARGENTINA: OS PROCURADORES QUE NÃO TRABALHAM COMO PROCURADORES

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Alberto Nisman (Foto: Carta Maior)

Procuradores convocam publicamente uma marcha de silêncio pela morte de Alberto Nisman, escondendo todo o jogo político que há por trás das cortinas.

PorMartín Granovsky - Página/12 - reproduzido do portal Carta Maior, de 10/02/2015

Na Argentina, os procuradores não comandam as investigações judiciais, tal como ocorre nos Estados Unidos. Mas a morte de Alberto Nisman colocou alguns personagens no primeiro plano da discussão política e concedeu a um grupo de veteranos do menemismo (de Carlos Menem) a fantasia de criar ao mesmo tempo uma corporação e um espírito de corpo. O mais audaz é o procurador da Câmara Federal portenha Germán Moldes, que ontem anunciou a existência de um crime sem denunciá-lo. “Vivi em uma época de medo e vejo que algumas das características dessa época, em que se jogavam os mortos pela cabeça todos os dias, estão lamentavelmente voltando”, disse à Rádio América. Foi sua forma de explicar que a marcha convocada por seu grupo para o dia 18 de março será em busca de “proteção”.

Moldes definiu essa época. Disse que falava do que acontecia “em meados dos anos 70”. No entanto, não deu detalhes sobre quem joga os mortos agora. Como a marcha é em homenagem a Nisman, pode-se supor que, para Moldes, Nisman é um dos mortos arremessados. É como se ele tivesse mudado a máscara colocada pela procuradora Viviana Fein e a morte já não fosse duvidosa. Os funcionários da justiça não têm só direito, mas obrigação de denunciar um suposto crime, e violam a lei se não o fazem.

A atitude da juíza Sandra Arroyo Salgado, ex-esposa de Nisman, teve outro fundamento. Estabeleceu por que queria ser querelante: em nome das filhas que teve com Nisman. O intendente (prefeito) de Tigre, Sergio Massa, não conseguiu ser querelante porque a Justiça não compreendeu em nome de quem ele o fazia.

Moldes fez um ato raro. Apareceu em público. Não esteve na sexta-feira para a foto na convocatória para a marcha realizada pelo procurador Guillermo Marijuán (“A marcha não é contra ninguém”) e seus colegas Carlos Stornelli, Carlos Rívolo, José María Campagnoli, Ricardo Saénz, além do procurador-geral número dois diante da Cassação, Raúl Plee.

Sáenz não evita as fotos e tem uma pertença gremial. É vice-presidente da Associação de Magistrados comandada por Ricardo Recondo, juiz da Câmara Civil e Comercial. Mas o líder do movimento é Moldes, que junto com Plee faz parte dos procuradores mais questionados em diferentes trechos do caso AMIA.

A trama do caso AMIA cruza como nenhuma outra com os serviços de inteligência, oficiais de polícia como Jorge “El Fino” Palacios, juízes e procuradores. Dois dos convocadores públicos da marcha do silêncio do dia 18, Plee e Moldes, foram protagonistas dos capítulos menos radiantes. No dia 19 de junho de 2013, o Página/12 publicou uma coluna de opinião de Paula Litvachky, diretora de Justiça e Segurança do Centro de Estudos Legais e Sociais. Tinha como título “Eu não acuso” e, com o jogo de palavras que invertia o “Eu acuso” de Emile Zola, a autora se referia não a ela, mas aos procuradores que deviam ter atuado, e não o fizeram. Litvachky escreveu que a audiência realizada na “Sala II da Câmara de Cassação para analisar a responsabilidade penal do ex-juiz Juan José Galeano ocorreu com mais de seis anos de atraso por ordem da Corte Suprema”. A advogada do CELS argumentou que “essa decisão deu razão à querela da Memória Ativa sobre a inação de alguns funcionários judiciais e os interesses subterrâneos de outros”. Um exemplo: “Sem explicação, o procurador de cassação Raúl Plee deixou de tocar a causa e a Câmara resistiu a fixar audiência até que o caso ficou em evidência. Ontem, o procurador Plee tornou a se ausentar”.

Outro dos procuradores, o ativo mas discreto Moldes, também aparece na coluna de Litvachky, que reivindica os querelantes da Memória Ativa. No processo tramitado pelo juiz Ariel Lijo, “diante do descumprimento de um grupo de imputados, a querela apelou da decisão, mas foi novamente abandonada pelos procuradores”. Litvachky afirmou que “quem devia levar a ação adiante consentiu nesse descumprimento sem diferenciar situações” e “observou que, como chefe da Unidade AMIA, Nisman “disse que o procurador da Câmara Germán Moldes deu a ordem de não apelar porque compartilhava dos fundamentos do juiz”. Segundo Litvachky, Nisman explicou que não havia apelado porque “carecia de autorização para fazê-lo por sua conta”, já que o procurador natural da causa era o Moldes.
 

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