CRIMES DA DITADURA NO BRASIL: A VERDADE COMO PONTO FINAL OU COMO PONTO DE PARTIDA?



Comovida, a presidenta Dilma recebeu o informe da Comissão da Verdade em 10 de dezembro último (Foto: Página/12)
Após o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, a expectativa é saber se chegarão ao julgamento dos responsáveis pelos crimes: o investigador Marcelo Torelly afirma que compete ao Poder Judiciário, e não ao Executivo, interpretar corretamente a Lei de Anistia e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos para acabar com a impunidade.

Por Mercedes López San Miguel, no jornal argentino Página/12, edição impressa de 02/01/2015

O relatório que a Comissão Nacional da Verdade divulgou em 10 de dezembro último teve ampla cobertura nos meios de comunicação, diante duma audiência que nunca antes esteve tão atenta por saber quem são, com nome e sobrenome, os responsáveis pelas violações aos direitos humanos no Brasil. Os canais de televisão transmitiram documentários sobre a ditadura, entrevistaram ex-detidos, familiares e analistas, e passaram várias vezes a imagem da presidenta Dilma Rousseff com os olhos umedecidos ao receber o documento, ela própria vítima das torturas. No entanto, a grande imprensa – jornais O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo – deixou bem claro seu repúdio à revisão da Lei de Anistia promulgada pelo ditador João Baptista Figueiredo em 1979 e, em consequência, se possa julgar os que cometeram crimes de lesa humanidade. O Globo, que em 2013 pediu perdão por haver apoiado o regime militar, publicou em 15 de dezembro o editorial intitulado “Ampla e irrestrita”, no qual questiona o pedido feito pela Comissão da Verdade no sentido de julgar os denunciados. “A anistia foi desenhada entre militares e representantes da oposição para pacificar o país, convertendo-se na expressão dum projeto que apostou na reconciliação”. Diferentemente do resto dos países do Cone Sul, o Brasil não encarcerou nenhum repressor.

Em seu informe final depois de dois anos e sete meses de trabalho, a Comissão da Verdade estabeleceu que durante a última ditadura (entre 1964 e 1985) houve um total de 434 mortos e desaparecidos e identificou 377 pessoas, em sua maioria militares e policiais, como responsáveis por esses crimes. O trabalho assinalou que foram perseguidos não apenas membros de grupos armados, mas também críticos, acadêmicos, religiosos, sindicalistas, camponeses e até militares que defendiam o retorno à democracia. Ao longo do tempo em que a comissão investigou, as Forças Armadas se negaram sistematicamente a colaborar. Human Rights Watch (HRW) pediu que o Brasil avance na direção da punição dos culpados por delitos de lesa humanidade e lembrou que 200 dos agentes acusados continuam vivos. “A Comissão da Verdade traz uma fundamental contribuição ao oferecer um relato categórico, guardado durante muito tempo, sobre os mais graves crimes cometidos durante a ditadura”, declarou a diretora de HRW no Brasil, Maria Laura Canineu. E acrescentou que tão importante quanto o que foi feito é que a comissão aplane o caminho para uma próxima e crucial medida que o Brasil deve adotar, que é garantir que aqueles que cometeram atrocidades respondam perante a Justiça. Segundo Canineu, este documento histórico não deve ser considerado o final do processo e seu conteúdo deve servir para redobrar os esforços para responsabilizar os autores desses graves crimes.

Marcelo Torelly, investigador da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e ex-diretor de Memória e Cooperação Internacional da Comissão de Anistia, destacou em conversa com Página/12 o passo que significou o trabalho da comissão criada no governo de (Dilma) Rousseff. “A Comissão da Verdade recompilou muitas das violações aos direitos humanos das duas comissões anteriores (de Anistia e de Desaparecidos), e reconheceu outros crimes como produto de sua investigação. São graves violações aos direitos humanos que, segundo o direito internacional, não podem receber anistia”. Torelly esclareceu que a Comissão da Verdade recomendou que o Poder Judiciário interprete corretamente a Lei de Anistia, cuja vigência foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010. “A comissão não questiona a Lei de Anistia como tal, uma vez que esta foi uma vitória social relevante e permitiu o regresso ao Brasil dos exilados e a saída de muitos militantes da clandestinidade e foi um primeiro passo rumo à democracia. O que diz é que a interpretação que o Poder Judiciário deu à Lei, dizendo que é ‘bilateral’, é equivocada e incompatível com o direito internacional”.

Continua em espanhol (com traduções pontuais):

En 1995, durante el gobierno de Fernando Henrique Cardoso, se creó la Comisión sobre Muertos y Desaparecidos Políticos, que reconoció que al menos 135 desaparecidos fueron asesinados por militares. En 2001, Cardoso reglamentó la Comisión de Amnistía que se encargó de documentar los casos y fijar los montos (fixar os valores das indenizações) de las reparaciones a las víctimas. Posteriormente, un fallo (uma sentença, decisão) de la Corte Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) de 2010 condenó la amnistía bilateral, señalando que los crímenes de lesa humanidad, o sea (ou seja) los que se cometieron desde el Estado, son imprescriptibles.

Para Torelly, no le corresponde a la presidencia de la república, pero sí a los tribunales y la Corte Suprema (STF), responder a la Comisión de la Verdad. “Después del fallo (da decisão) Gomes Lund de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, la Fiscalía Federal (Ministério Público Federal) ha iniciado 190 investigaciones criminales y está enviando denuncias a las Cortes locales. Además, el Supremo Tribunal Federal tiene dos (2) procesos donde puede cambiar (mudar) su interpretación pro impunidad. El primero es la Acción de Incumplimiento de Precepto Fundamental (ADPF 153), donde se solicita que se compatibilice la primera decisión del Supremo, que afirma que la amnistía es bilateral, con el fallo (com a decisão) internacional. En la segunda, la ADPF 320, se pide a la Corte que excluya del ámbito de la amnistía las graves violaciones a los derechos humanos por parte de los agentes del Estado, otra vez citando la decisión internacional”.

La Justicia penal ya ha aceptado varias acusaciones de fiscales (procuradores, promotores) contra represores, pero éstas aún están en trámite o (ou) han sido rechazadas en otras instancias. Torelly se mostró entre cauteloso y escéptico. “No creo que en Brasil algún día pase (aconteça) lo mismo que en la Argentina, con juicios (julgamentos) generalizados, pero quizás algo como en Chile, con una combinación entre amnistía y juicios (julgamentos)”.

En Brasil, 50 años después del golpe de Estado, se mantiene la impunidad de los represores, pero se logró dar un paso en materia de verdad y reparación a las víctimas. La prensa dominante espera que sea el punto final, los organismos de derechos humanos reclaman que sea un punto de partida.

Tradução (parcial): Jadson Oliveira

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