ALFREDO ZAIAT: FUGA E EVASÃO: IDENTIFICADAS 4.040 CONTAS DE ARGENTINOS NO HSBC DE GENEBRA



Faz-se luz: A AFIP (órgão do governo argentino) acusa o HSBC de montar uma plataforma ilegal com o único fim de ajudar a evadir impostos (Fotos: Página/12)
O conteúdo do CD – entregue pelo governo francês ao governo argentino - contém os titulares das contas, o endereço na Argentina, telefones, atividades, profissão, data de nascimento, tipo de vinculação com o banco, saldos e movimentos das contas, comunicações pessoais com o banco, jantares, almoços, e-mails trocados, visitas ao HSBC, no país e no exterior ao HSBC Genebra, e as relações com intermediários, procuradores, assim como os beneficiários efetivos (familiares).

É o “círculo mágico offshore”: grandes bancos disponibilizam uma plataforma de serviços para facilitar a evasão e o depósito nos paraísos fiscais. Uma rede integrada por advogados, economistas, contadores e procuradores, dependentes ou agregados às entidades, que se ocupam em girar, ocultar e administrar o dinheiro.

Por Alfredo Zaiat, no jornal argentino Página/12, edição impressa de 30/11/2014

O relato amadorístico do movimento de dinheiro não declarado aguça a imaginação com a utilização de valises, aviões para transportá-lo e mesas cobertas com montes de cédulas. A indústria do cinema e das séries para TV colabora na construção da fantasia de milhões de dólares físicos viajando pelo mundo até encontrar refúgio numa entidade financeira localizada num paraíso (guarida) fiscal. Existe esse tipo de tráfico de fundos, mas são irrelevantes diante do imenso circuito de fuga de capitais rumo às praças dedicadas ao sigilo financeiro. O fluxo desse dinheiro não é assim tão rudimentar. Esses capitais são canalizados através duma plataforma de serviços disponibilizada por grandes bancos para facilitar a evasão e o depósito do capital nas guaridas fiscais. Essa rede está integrada por advogados, economistas, contadores e procuradores, dependentes ou agregados a essas entidades, que se ocupam em girar, ocultar e administrar o dinheiro. Um dos capítulos inéditos da denúncia judicial realizada pela AFIP (Administração Federal de Rendas (Ingressos) Públicas do governo argentino) é a menção ao leque de protagonistas nas operações ilegais de fuga de capitais. Eles e o banco são suportes para as operações. A representação judicial é contra o HSBC (Hong Kong and Shanghai Banking Corporation - Corporação Bancária de Hong Kong e Xangai) por evasão fiscal e associação ilícita para facilitar a abertura e ocultação de 4.040 contas de argentinos, perfazendo um total de mais de 3 bilhões de dólares em sua sucursal suíça de Genebra.

A demanda também foi contra um grupo de profissionais dedicados a desenhar a estratégia jurídica, societária e financeira da fuga e evasão. São os encarregados de armar as redes de empresas offshore para vedar o aceso aos dados dos donos dos capitais. A denúncia da AFIP, detalhada por este jornal na edição dos últimos dois dias, menciona a existência de uma “plataforma facilitadora para a evasão” formada por procuradores, advogados, economistas e contadores. Assinala que esses especialistas colaboraram na elaboração da rede de sociedades e fideicomissos estrangeiros (trust) radicada em paraísos fiscais como Panamá, Jersey, Guersney, Suíça, Uruguai, Bahamas e Ilhas Virgens. O objetivo de sua tarefa é criar complexas estruturas jurídicas e societárias para ocultar a identidade dos titulares dos fundos depositados nessas praças. O caso denunciado refere-se a contas na Suíça.
O assunto vem sendo noticiado pelo Página/12 desde sua edição do dia 29/novembro: agora está sendo discutida uma investigação através duma comissão no Congresso
Apesar das tentativas de melhorar sua reputação relaxando o sigilo bancário e firmando acordos de cooperação e intercâmbio de informação tributária e financeira, a Suíça continua sendo um dos principais refúgios de capitais não declarados. O investigador Nicholas Shaxson, do Instituto Real de Assuntos Internacionais (Chatham House), informa no livro ‘Las islas del tesoro - Los paraísos fiscales y los hombres que se robaron el mundo’ (As ilhas do tesouro - Os paraísos fiscais e os homens que roubaram o mundo) que, segundo cálculos do Banco Nacional da Suíça em 2009, 3,1 trilhões de dólares (no original: 3,1 billones de dólares) estão depositados em contas offshore em nome de pessoas que não residiam no país. “A Suíça continua sendo um dos maiores depositários mundiais de dinheiro sujo”, sentencia Shaxson.

As guaridas fiscais ou as praças financeiras como a Suíça não se limitam a oferecer formas de evadir impostos. Também brindam uma confidencialidade que permite manter dados fundamentais em sigilo e a possibilidade de burlar regulações financeiras. A informação entregue pelo fisco francês à AFIP rompeu esse muro para começar a revelar não só quem são os donos das contas não declaradas, mas também conhecer todos os protagonistas da armação financeira e jurídica dos facilitadores ou intermediários que colaboram na fuga e evasão.

A primeira lista de 44 empresas e 36 pessoas com contas não declaradas no HSBC Genebra, de um total de 4.040, gerou inquietação entre os titulares das que ainda não se fizeram públicas. Esses nomes como outros que se difundiram em outra oportunidade por capitais evadidos através do Banco JP Morgan têm como atração o fato de ser de companhias, empresários, políticos, banqueiros e juízes conhecidos ou vinculados ao poder econômico. No momento de sua difusão aparece o questionamento diante de discursos de dupla moral e da responsabilidade individual por evadir o pagamento de impostos e promover a fuga de capitais. Sem deixar de lado o olhar sobre esse comportamento dos indivíduos, é necessário olhar também para as estruturas que alentaram e facilitaram a fuga e evasão. O economista francês Frédéric Lordon escreveu em ‘Adiós a las finanzas - Reconstrucción de un mundo en quiebra’ (Adeus às finanças - Reconstrução de um mundo em quebradeira) que “assim como incriminar a responsabilidade dos agentes (investidores) tal e como se encontram imersos nas estruturas é inútil, o que é pertinente, em troca, é que se analise a questão da responsabilidade dos que instalaram as estruturas e dos que trabalharam para eternizá-las. Diante duma questão formalmente idêntica – a “responsabilidade” –, vemos como a vista se volta para uma direção completamente diferente: já não é somente a responsabilidade dos usuários da estrutura, mas também a responsabilidade de seus arquitetos, e de seus guardiões”.

Este aspecto é uma das grandes contribuições realizadas pela denúncia judicial da AFIP sobre as contas não declaradas no HSBC de Genebra. A informação proporcionada ao Juízo Nacional no Penal Tributário Nº 3, da juíza María Verónica Straccia, não tem apenas a conta de 68 milhões de dólares em nome de Amalita Lacroze de Fortabat, a mulher do cimento (Loma Negra) falecida em 2012, e de sua neta Amalia Amoedo, mas também em nome de seu procurador: Alfonso Prat-Gay. Na apresentação judicial os advogados da AFIP assinalam que “quem possui a autorização delegada pelas titulares para administrar os fundos depositados no exterior não pode desconhecer que não se encontram exteriorizados no país e o fim explícito de evadir o pagamento de impostos sobre ditos fundos”. Prat-Gay, ex-executivo do JP Morgan, como procurador de Amalita, é um dos membros dessas redes acima mencionadas de advogados, contadores, economistas vinculadas aos grandes bancos internacionais para facilitar a fuga e evasão. Por isso, o desmentido de que não é titular nem beneficiário de uma conta na Suíça não se relaciona com a denúncia, porque a apresentação da AFIP em juízo é por seu papel de procurador das contas de Amalita.

Nicholas Shaxson explica que “o mundo extraterritorial (paraísos fiscais) é um eco-sistema que muda sem cessar. Cada uma dessas praças desenvolveu sua própria infraestrutura particular de advogados, contadores, banqueiros e agentes corporativos especialistas que se dedicam a atender as necessidades desses capitais”. Informa que muitas das empresas que funcionam nas jurisdições extraterritoriais são quase desconhecidas, e detalha quem participa do que denomina “círculo mágico offshore”: escritórios jurídicos como Appleby, Carey Olsen, Conyers, Maples and Calder, Mourant du Feu & Jeunes, e Ozannes and Walkers. “São jogadores respeitados num batalhão muito mais amplo de elegantes contadores, advogados e banqueiros: peças duma infraestrutura privada internacional que põe em funcionamento todo o sistema”, indica Shaxson.

O trabalho dessa rede de profissionais e banqueiros consiste em oferecer brechas para burlar as obrigações que decorrem de viver numa sociedade: impostos, regulação financeira, legislação penal, direito hereditário. Se dedicam a colaborar com as elites ricas e poderosas para fugir dessas responsabilidades. Nesse mundo de fuga e evasão, o sigilo bancário é bom, qualquer um que traga dinheiro às entidades radicadas em paraísos fiscais é bom e quem rompe o código de silêncio é um traidor. A confidencialidade ou o sigilo é o valor essencial dos paraísos fiscais, muralha de silêncio vulnerada por Hervé Falciani, o empregado do HSBC que entregou ao fisco francês informação de 130 mil clientes da sucursal de Genebra. Deste total, 4.040 correspondem a argentinos, conforme informação que a AFIP recebeu com base em convênio com a França para evitar a dupla imposição e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda e o patrimônio, de 2007. Das 4.040 contas somente 39 pessoas têm depósitos nessa entidade declarados à AFIP.

Essa informação criptografada foi entregue num CD em envelope lacrado ao titular da AFIP, Ricardo Echegaray, por parte da Direção Geral de Finanças Públicas da França, em 25 de setembro último. O pedido de cooperação às autoridades francesas havia sido realizado pelo ministro da Economia, Axel Kicillof, numa carta datada de 10 de julho último. O conteúdo deste CD contém os titulares dessas contas, o endereço na Argentina, números de telefone, atividades desenvolvidas, profissão, data de nascimento, tipo de vinculação com o banco, saldos e movimentos das contas bancárias, comunicações pessoais com o banco, jantares, almoços, e-mails trocados e visitas ao HSBC no país e no exterior ao HSBC Genebra, e as relações com os intermediários, procuradores, assim como os beneficiários efetivos (familiares). Com essa quantidade de informação, figurar nessa lista e pretender desmenti-lo é imprudência ou a arrogância da impunidade.


Tradução: Jadson Oliveira

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