SÃO PAULO: POLÍCIA MILITARIZADA NÃO RESOLVE CONFLITO ALGUM, DIZ SECRETÁRIO

O secretário Rogério Sottili durante entrevista no programa municipal de webTV São Paulo Aberta (Foto: da RBA)

Rogério Sottili ressalta curso em direitos humanos para a GCM (Guarda Civil Municipal) e 32 centros de mediação de conflitos como passos pela desmilitarização da segurança pública. 'É processo de muito tempo', ressalta.

Da Rede Brasil Atual - RBA, de 18/09/2014


São Paulo – "Evidente que é complexo, que é problemático, mas temos que começar a discutir a desmilitarização da polícia. É um processo de muito tempo, mas a discussão já é importante para abrir a cabeça das pessoas." O apelo foi feito pelo secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Rogério Sottili, um dia antes de a operação de reintegração de posse de um hotel no centro da capital se transformar em conflito aberto nas ruas da cidade, levando à detenção de 70 pessoas –inclusive idosos e crianças– e um festival de bombas e balas de borracha por parte da Tropa de Choque. "Está comprovado que uma polícia armada não resolve nenhum conflito", antecipou.
 
O secretário foi o convidado desta semana do programa de webTV Gabinete Aberto, parte da iniciativa São Paulo Aberta, da gestão de Fernando Haddad (PT), que convida mídias alternativas e a Agência Jovem de Notícias para entrevistar gestores das pastas municipais. A Rede Brasil Atual e os portais Opera Mundi e Bolivia Cultural conversaram com o secretário por uma hora e 20 minutos sobre políticas públicas para os direitos humanos, com enfoque em direitos dos imigrantes, a democratização dos espaços da cidade, direito à memória e segurança pública (confira, abaixo, o vídeo na íntegra).
 
"O processo mais importante que estamos implantando é a educação em direitos humanos. Existe uma cultura de violência na cidade que é preciso desconstruir. É natural o pai bater, o professor trata o aluno de forma inadequada, trata o golpe militar como 'revolução'", exemplificou, ressaltando a criação de quatro centros de educação em direitos humanos em quatro Centros de Educação Unificados (CEUs), e a formação oferecida à Guarda Civil Municipal, que, na opinião do secretário, já caminha no sentido da desmilitarização.
 
"Nosso objetivo é criar as bases para que, daqui até o final do mandato, tenhamos uma guarda cidadã, com atenção central à proteção do cidadão, e não à repressão. Por isso devemos inaugurar, até o fim do ano, 32 centros de mediação de conflitos da Guarda Civil Municipal, para criar uma nova cultura de segurança pública", afirmou Sottili. O secretário destacou também que, ainda que a desmilitarização completa das forças de segurança pública seja um objetivo distante, os esforços atuais servem para combater o "primeiro raciocínio" sobre uma força civil de segurança: "hoje, ainda se pensa que você vai desarmar o policial e deixar o bandido toma a cidade. Obviamente não é assim", disse.
 
Desde agosto, quando a presidenta Dilma Rousseff (PT) sancionou o Estatuto das Guardas Municipais, as forças municipais de segurança passaram a ter, também, poder de polícia –antes, tinham função única de defesa do patrimônio público. A lei permite que a prefeitura, em coordenação com o governo estadual, compartilhe das ações de policiamento ostensivo e repressivo com a Polícia Militar.
 
Questionado pela Agência Jovem sobre a violência que é cotidiana nas periferias, Sottili admitiu que "enquanto as taxas de homicídio caíram consistentemente no Brasil nos últimos dez anos, se você observa o jovem de 15 a 29 anos, negro, na periferia, a taxa aumentou inversamente proporcional". "Porque a polícia é violenta, e geralmente esses homicídios são cometidos pelo agente do estado, que vê uma pessoa e já atira. Ele vê um cara de moto e atira. É um genocídio da juventude", lamentou. A Secretaria de Direitos Humanos planeja ainda criar uma Ouvidoria Municipal para coletar relatos de abusos contra os direitos humanos, inclusive os cometidos pelas polícias.


Memória

 
O secretário destacou as ações do governo municipal pelo direito à memória da repressão cometida durante a ditadura civil-militar (1964-1985), como a encomenda do primeiro monumento público de homenagem às vítimas da repressão, com projeto de Ricardo Ohtake. Além disso, Sottili informou que o prefeito Haddad deve criar, no próximo dia 25, a Comissão Municipal da Verdade. "Serão cinco membros, que já estão escolhidos, mas que eu não posso revelar ainda. A Comissão Nacional da Verdade termina seu relatório em dezembro, mas o mais importante é garantir as bases para a reparação de vítimas de repressão e bases para a punição de servidores que compactuaram com crimes contra a humanidade", ponderou.
 
O secretário anunciou ainda o início dos trabalhos de identificação das ossadas do cemitério de Perus, trabalho desenvolvido pela Universidade Federal de São Paulo em Parceria com a prefeitura e a secretaria de Direitos Humanos do governo federal. Uma casa em endereço sigiloso abriga especialistas forenses que treinaram com peritos argentinos e peruanos, que acumulam experiência na área, e que tentarão descobrir se há vítimas da ditadura entre as 1.049 ossadas encontradas no cemitério municipal no início da década de 1990, na gestão de Luiza Erundina (PSB, à época no PT). As primeiras 140 partes já estão sob análise. "É um trabalho que não pensa apenas no passado, mas no presente. Quando você resolve esse assunto, você mostra que não quer que isso se repita nunca mais no Brasil", afirmou.

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