EM BUSCA DA VERDADE: A CRENÇA NUM DEUS E O MEDO DA MORTE

(Foto: Reprodução da capa)


Ignorância coletiva versus inteligência coletiva: poderá soar estranho para o crente religioso colocar na mesma classificação conceitos como Papai Noel, coelho da Páscoa, fada do dente e deus. (...) Dificilmente se enxerga o conceito de deus como parte do mesmo esquema de fantasias.

Por Fabiano Viana Oliveira (publicitário e professor) - trecho extraído do livro 'Em busca da verdade: Epistemologia, Ignorância e Ateísmo', páginas 46 a 49 - Link para o livro

Os caminhos da ignorância coletiva são muitos e parecem começar ainda na infância. Os pais passam para seus filhos seus medos e preconceitos, deixando pouco espaço para que as crianças e jovens formem por conta própria uma opinião crítica a respeito do mundo, de si mesmos e da sociedade em que vivem. Desde cedo o ser humano infante é colocado em contato com uma série de conceitos obscuros, cuja obscuridade reside nos medos e preconceitos dos pais.



As fantasias infantis, tais como Papai Noel, coelho da Páscoa, Fada do Dente e Deus são introduzidas no seio familiar por uma série de conjunturas históricas e culturais. Seu papel é representar o contato do ser humano com transcendências suprahumanas ou parahumanas, cujo motivador básico é a negação da morte.



A criança nasce mortal, mas lhe é apresentada ao longo da infância uma série de fantasias que escondem a morte como destino final do ser humano. A moral envolvida em tais fantasias tem seu papel pedagógico de fundamental importância para o aprendizado, no entanto estas fantasias são ensinadas como se fossem verdades.



Poderá soar estranho para o crente religioso colocar na mesma classificação conceitos como Papai Noel, coelho da Páscoa, fada do dente e deus. Para o adulto médio os três primeiros entes são evidentemente criações culturais que funcionam para promover certos comportamentos nas crianças: ser boa, não temer a mudança de dentição, etc. Porém, dificilmente se enxerga o conceito de deus como parte do mesmo esquema de fantasias. No entanto, que outra coisa seria, senão a tentativa infantil do ser humano de ir além de sua mortalidade? Imaginar que existe um ente transcendente que move tudo no universo me parece tão ingênuo quanto acreditar que o bom comportamento ao longo do ano vai significar um presente no dia 25 de dezembro. Que crueldade isso não é para uma criança pobre cujos pais não podem comprar presentes e também não se caiu nas graças de uma pessoa hipocritamente caridosa que se “fantasiou” de Papai Noel e distribuiu presentes para crianças carentes. Essa criança foi má ao longo do ano?

Pode-se estar divagando além do tema proposto, mas é uma linha de argumentação que reforça a hipótese que a ignorância coletiva é construída ao longo do tempo e da cultura. Porém a percepção de maior deterioração da Inteligência parece repousar com mais força a partir do momento em que tais fantasias atingem públicos cada vez mais amplos devido às ferramentas eletrônicas e de comunicação.

A ingenuidade maior repousa no fato de essas fantasias culturais, somadas aos mitos da mídia eletrônica (de que cada indivíduo é importante e que é extraordinário em si mesmo), criam indivíduos eternamente em negação. Pode soar meio freudiano e meio existencialista (heideggeriano e sartreano), mas de fato a crença em entidades suprahumanas benevolentes é a negação da morte, da dor e da contingência que é ser vivo e adulto. Por outro lado, crer em entidade suprahumanas malevolentes é negar a responsabilidade humana nas ações (má fé) e negar o acaso como força que parece mover o universo.

Do ponto de vista da psicanálise freudiana isso é uma negação da maturidade. Criam-se avatares de figuras paterna e materna para suprimir a angústia da existência em aberto que é a vida humana. Veja-se a força alentadora que tem a figura de Nossa Senhora (nas suas várias versões) para as culturas neolatinas. Não se quer um projeto, típico de um ser humano maduro e independente, prefere-se um destino traçado pelas figuras da fantasia. Por que isso? Por causa da ignorância coletiva.

O leitor dessas palavras deve estar neste momento, acredito, indignado; supondo que alguém um dia vá ler isto. Mas se é possível encontrar ressonância em algum leitor que partilha, como eu, do medo do futuro diante de tanta ignorância coletiva, talvez se identifique o suficiente para saber que no mesmo ambiente onde repousa a ignorância coletiva em escala de massa (a Internet e as mídias), é também de onde pode surgir a força para lutar contra a mesma. Nesse sentido, talvez possa realmente existir uma inteligência coletiva.

Diferente do que Pierre Lévy supõe, ao invés da inteligência coletiva ser uma consequência do ambiente comunicacional eletrônico, ela seria a consequência de um movimento de resistência contra a ignorância coletiva.

Salvador, Janeiro de 2013.

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