FERNANDO PESSOA: POEMA EM LINHA RETA




Fernando Pessoa (1888-1935)
Por Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) – (citado no artigo Em Câmara Lenta: a tragédia da esquerda brasileira, de José Benedito Pires Trindade, postado neste blog em 18/01/2014) - reproduzido do site http://www.releituras.com/fpessoa_linhareta.asp

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Uma visão breve sobre a vida e a obra do maior poeta da língua portuguesa:

- 1888: Nasce
Fernando Antônio Nogueira Pessoa, em Lisboa.

- 1893: Perde o pai.

- 1895: A mãe casa-se com o comandante João Miguel Rosa. Partem para Durban, África do Sul.

- 1904: Recebe o Prêmio Queen Memorial Victoria, pelo ensaio apresentado no exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança.

- 1905: Regressa sozinho a Lisboa.

- 1912: Estréia na Revista Águia.

- 1915: Funda, com alguns amigos, a revista Orpheu.

- 1918/1921: Publicação dos
English Poems.

- 1925: Morre a mãe do poeta.

- 1934: Publica
Mensagem.

- 1935: Morre de complicações hepáticas em Lisboa.


Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.

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