"Eram poucos, quase
inexistentes, os que de nós defendiam a substituição da ditadura por algum grau
de democracia, onde os revolucionários comunistas pudessem atuar com mais
liberdade, mas sem deixar de combater o capitalismo e de lutar pelo socialismo".
“Fomos todos derrotados. Derrotados, destroçados, estraçalhados. De nossas organizações não restou praticamente nada".
“Fomos todos derrotados. Derrotados, destroçados, estraçalhados. De nossas organizações não restou praticamente nada".
Por José Benedito
Pires Trindade, jornalista (foto acima), no sítio web do PCB – Partido Comunista Brasileiro, de 09/01/2014 (artigo enviado
pelo companheiro Otto Filgueiras; o
título original é apenas “Em Câmara Lenta”)
Quando a esquerda brasileira egressa da APML, do
PCdoB, do PCR, do PCBR, da ALN, do MOLIPO, da Ala Vermelha, do MR-8, da
VAR-Palmares, da POLOP e do POC e daquela infindável constelação de
organizações que foram ao desforço com a ditadura, quando a autodenominada esquerda revolucionária vai reconhecer que fomos
derrotados e que jamais, a tal da redemocratização fez parte de nossos planos?
Eram poucos, quase
inexistentes, os que de nós defendiam a substituição da ditadura por algum grau
de democracia, onde os revolucionários comunistas pudessem atuar com mais
liberdade, mas sem deixar de combater o capitalismo e de lutar pelo socialismo.
O chamado Partidão talvez tenha sido o melhor exemplo dessa tática.
Lembram-se como chicoteávamos o PCB por causa disso:
Reformistas! Revisionistas! Legalistas! Uma das cenas mais constrangedoras
dessa época deu-se na Maria Antônia, no Grêmio da Filo-USP, em um debate com
Caio Prado Jr., em 1968. Ele aceitara convite para debater o seu livro
“Revolução Brasileira” mas, apedrejado com palavras, zombaria e vaias, o velho
comunista mal conseguiu articular a defesa de uma, digamos, tática mais
“flexível” de combate à ditadura.
Outro exemplo: na APML, Paulo Wrigth, ex-deputado,
cassado em 1964, era um dos poucos, caso não o único dirigente, a ter uma
posição menos dogmática sobre a participação na chamada frente legal. No entanto, Paulo era
extremamente cuidadoso ao expor essa posição, para evitar críticas como as
listadas contra o Partidão. A verdade, inescapável e
límpida verdade, é que a nossa conversão à democracia veio bem depois.
Veio quando fomos, todos, derrotados, quais fossem
as táticas de luta em que nos dividíamos, quais fossem a nossa linha. Foram derrotados os foquistas e sua pretensão de transplantar para a realidade
brasileira o sucesso de Cuba e as teses de Regis Debrey; foram derrotados os militaristas e sua crença na possibilidade
de se reproduzir aqui, caso não um 1917 pelo menos um 1935 mais bem articulado;
foram derrotados os pregoeiros da guerra popular prolongada que fantasiaram o Brasil de
China e o Norte brasileiro de Hunan e Jiangxi; foram derrotados também os que
acordaram a tempo dessas fantasias, que se apartaram desses “kits de montar”
importados de outras realidades, mas que não tiveram tempo e forças para
transformar a autocrítica em prática revolucionária.
Fomos todos derrotados.
Derrotados, destroçados, estraçalhados. De nossas
organizações não restou praticamente nada. Quem se reorganizou o fez de ajuntar
cacos, pedaços. Outros, cansados
da revolução, converteram-se em
ardorosos democratas e apressaram-se em conhecer as
delícias da legalidade e dos estofos parlamentares, presidenciais ou
ministeriais. Mas, nem estes e nem aqueles submeteram a militância anterior a
uma sincera e criteriosa avaliação.
Pousaram todos (e todas, não devo esquecer) de
homens e mulheres inflexíveis, que nunca pecaram, que nunca erraram. Homens e
mulheres do Poema Em Linha Reta de Fernando Pessoa. Sim, é
claro, saudemos, louvemos, respeitemos os que resistiram, especialmente os que
foram presos, torturados, assassinados.
Exaltemos e glorifiquemos a generosidade e a coragem
de quem se atirou à luta pouco se importando com as consequências da decisão.
Porque um valor mais alto se alevantava.
Mas, como não se tratava de uma aventura, de uma
gincana ou de uma festa, não podemos virar as costas e seguir em frente
carregando apenas as medalhas do heroísmo, as citações e referências elogiosas,
negligenciando ou mesmo recusando um balanço dos caminhos que percorremos; ou
então, fazendo-o, mas de forma complacente e autocomplacente.
São poucas (uma ou duas?) as rememorações que buscam
uma reflexão sincera, honesta, militante. Cite-se uma, Em Câmara Lenta, de Renato Tapajós. Mesmo que
se discorde da escolha final dos personagens, que tendem a outro descaminho, o
escritor e cineasta não negaceou com a verdade dos fatos e muito menos agitou a
bandeira branca, capitulando, como fizeram (e fazem) quase todos os
memorialistas daquele período.
Não se fala aqui dos que apostataram, dos que se
arrependeram e passaram a menoscabar, ridicularizar ou mesmo denegrir toda a
militância.
Hoje, no Parlamento e no Executivo, há razoável
quantidade de “companheiros de armas”. O que eles pensam, como avaliam a
militância? Por que não são mais militantes de organizações revolucionárias,
onde a crítica e a autocrítica estava incorporada à vida, estão isentos da
prática?
A resposta parece clara. Basta ver como e para quem
governam. Essa a tragédia da esquerda brasileira. Erra uma, duas, três vezes,
persiste errando mas não dá o braço a torcer. Impostura, jactância,
irresponsabilidade. Mas segue em linha reta para o abismo, lentamente, em
câmara lenta.
Observação do Evidentemente: me lembrei de Dante Guedes, médico em Brumado-Bahia, irmão do meu velho companheiro de militância Geraldo Guedes, que volta e meia me sugere algum artigo para meu blog. Dante também militou contra a ditadura nos tempos de estudante.
Uma vez conversando com ele lá em Brumado, me
comentou: quem mais acertou na tática de luta contra a ditadura foi o pessoal
do Partidão (o antigo PCB - Partido Comunista Brasileiro, o Pecesão, só para
caracterizar bem, o de Prestes, o que foi contra a luta armada), justamente os que nós mais esculhambávamos (e
bota “nós” nisso, veja o monte de siglas que o autor do artigo arrola aí
encima).
Achei sua opinião interessante e pouco ortodoxa.
Agora a vejo aí bem desenvolvida pelo José Benedito.
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