LOS CINCO CUBANOS: “NÃO NOS DERAM A GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO”



Marcha em Portland, Estados Unidos, pedindo a libertação de "Los Cinco", agentes cubanos presos nesse país sob acusação de espionagem (Foto: Página/12)
René González, o único libertado até agora dentre os cinco heróis anti-terroristas (Foto: Internet)
Entrevista com o cubano René González, único libertado do grupo de “Los Cinco”: do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias da Comissão de Direitos Humanos da ONU até a Anistia Internacional, diz González, todos concluíram que foi e é arbitrária a privação da liberdade de “Los Cinco”.

Por Alicia Simeoni, de Havana, no jornal argentino Página/12, edição de 17/11/2013 (o tema é objeto do excelente livro “Os últimos soldados da guerra fria”, do brasileiro Fernando Morais, naquele estilo romanceado no qual ele é mestre)

Quando no sábado, dia 23/novembro, e no domingo, dia 24, se realize em Rosario (Argentina) o XIII Encontro Nacional de Solidariedade a Cuba, pela Unidade Anti-imperialista da América Latina e Caribe, com certeza será lembrado que foi um general norte-americano, Edgar Atkenson, quem disse que o país caribenho, situado tão somente a 160 quilômetros da Flórida, deve ter olhos e ouvidos em Miami que o alertam ante uma possível agressão. Atkenson foi chefe do Escritório de Planejamento da Inteligência norte-americana e instrutor do Colégio de Inteligência da Defesa dos Estados Unidos. 

Se bem que os cubanos não necessitavam dessa afirmação – citada por uma testemunha durante o julgamento a que foram submetidos, em 1998, os cinco cidadãos da ilha que chegaram à Flórida para detectar a preparação das mais diversas agressões e atentados contra seu país –, não deixa de ser significativa como mostra do espírito belicista. Ao mesmo tempo, dá razão aos que falam dos 50 anos de permanentes ataques que provocaram 3.478 mortes e feriram outras 2.099 pessoas, segundo dados oficiais do Estado cubano.


Neste contexto, René González, Ramón Labañino, Gerardo Hernández, Antonio Guerrero e Fernando González foram designados por Cuba “para infiltrar-nos nas redes terroristas, conseguir informação e evitar novos ataques”, disse a Página/12 o único libertado depois de cumprir sua condenação, René González. Do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias da Comissão de Direitos Humanos da ONU, até a Anistia Internacional, diz González, todos concluíram que foi e é arbitrária a privação da liberdade de “Os Cinco”, acusados de conspirar contra os Estados Unidos. Em 2005, no Grupo da ONU, se disse que essa privação da liberdade contraria o artigo 14 da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos e, apesar da existência de campanhas internacionais, entre elas a de vários prêmios Nobel – Adolfo Pérez Esquivel, Rigoberta Menchú e Günter Grass –, restam quatro cubanos presos.


“A Justiça norte-americana é cega e surda”, se diz em Havana, e René González, um homem de 57 anos, veterano da guerra de Angola, piloto de profissão, explica que se fala de arbitrariedade porque desde todos os espaços se sustenta que “não tivemos um julgamento com as garantias do devido processo. Nem sequer se aceitou o princípio elementaríssimo de realizar as audiências numa comunidade que não tivesse preconceitos e opinião adversa antes de nos escutar”. O piloto se converteu na voz dos seus quatro companheiros que permanecem presos e aos quais se aplicaram penas que se “consideram desproporcionais à imputação que nos fazia”. René González nasceu em Chicago “quase acidentalmente”, diz, já que seu pai, que jogava beisebol, havia saído de Cuba durante a ditadura de Fulgencio Batista. “Procurava se desenvolver nas ligas mais importantes e minha mãe, que tinha familiares norte-americanos, tinha ido antes, mas quando eu tinha cinco anos regressamos”, relata.


René, Ramón, Gerardo, Fernando e Antonio não se conheciam entre si antes da missão. Houve uma abordagem individual para cada um deles, conta o piloto González, e foi colocada para eles a necessidade do país tomar conhecimento a tempo dos planos dos grupos anti-castristas.
Cartazes nas ruas de Havana pedem liberdade para "os cinco"; este aí está na Praça Copélia, onde são vendidos os deliciosos sorvetes cubanos (Foto: Jadson Oliveira)
(Foto: Internet)
“Temos que esclarecer que foi um trabalho totalmente voluntário ao qual podíamos dizer que não... Me disseram que pensasse sobre o assunto, que era perigoso, porém não tive que pensar porque passei minha infância e o resto da minha vida vendo, de maneira constante, como o terrorismo proveniente de Miami maltratava a população cubana. Eu tinha 17 anos quando assisti o enterro dos passageiros do avião da Cubana (companhia de aviação) que foram assassinados em 1976, ao sair de Barbados, pelo terrorista Luis Posadas Carriles, treinado pela CIA e que ainda vive em liberdade em Miami. Posadas Carriles deixou rastos de sangue não só em Cuba, mas no continente sul-americano por sua participação na Operação Condor (articulação criminosa das ditaduras militares da América do Sul, inclusive a do Brasil).”


– No dia em que partiu de Havana, em 8 de dezembro, você havia acertado com sua mulher ir ao cinema...


– Já tínhamos a Irmita, de seis anos. Nesse dia fui a meu trabalho no aeroporto de San Nicolás de Bari, a 50 quilômetros de Havana, onde trabalhava como instrutor. Quando surgiu a oportunidade me fui com um avião e enquanto o resto do pessoal se dava conta, eu já estava voando.


Ao pequeno apartamento que ocupavam chegaram funcionários do Ministério do Interior com uma notícia que estremeceu sua mulher Olga: “Seu marido desertou, levou um avião e está na Flórida”, disseram. Daí em diante foi tudo um desconcerto para a mulher e o resto da família, Roberto, o irmão do piloto, Irma sua mãe, seus amigos. Como prova cabal da fuga, a voz de René González podia ser escutada repetidas vezes, insistentemente, pela Rádio Martí, a emissora criada pelo ex-presidente Ronald Reagan como porta-voz do anti-castrismo mais virulento. De Miami o piloto repetia que estava farto de Cuba, dos racionamentos mais elementares e da vida na ilha. Tinha 38 anos então e desde esse momento em que foi recebido como um herói em Miami, não passaria muito tempo até que conseguisse aproximar-se e “fazer parte” de Hermanos al Rescate, comandada por um acérrimo e ativo anti-castrista, José Basulto.


– Você já conhecia Basulto?


– Eu tinha lembranças de minha infância, quando duma lancha metralharam um hotel em Havana e ali também estava Basulto. Nós necessitávamos chegar a eles, aos terroristas, e se houve algo que me beneficiou foi ter levado o avião: isso me dava certo status de celebridade, me tornava simpático. Cheguei a outros grupos como o Comando de Libertação Unidos e o PUND (Partido da União Nacional Democrática), estes dois mesclas de terroristas e narcotraficantes com atuação dirigida a Cuba. Como eu era piloto, o próprio Basulto chegou a me consultar acerca da maneira de introduzir explosivos e até de explodir torres de eletricidade em Havana. E ademais, na época dos “balseros” (balseiros que fugiam de Cuba rumo a Miami), tinham a esperança de provocar no país um clima de rebelião. Com nosso trabalho puderam ser desativadas muitas dessas ações e, indiretamente, houve uma colaboração com o FBI no tema do narcotráfico. Em relação a atentados a bomba em hotéis de Havana, em 1997, chegamos a localizar o paradeiro de Posadas Carriles.


“Os Cinco” se foram de seus lares em Cuba de maneira parecida, ainda que atuassem em diferentes grupos dos que empreendem as principais atividades contra a ilha e foram detidos em 12 de setembro de 1998, depois que em Cuba – explica René González – “o Ministério do Interior se reunira com representantes do FBI, aos quais foram entregues detalhes dos planos detectados para atentar contra a ilha... Ao invés de usar a informação fornecida por nosso governo para deter os terroristas, o FBI nos procurou e nos prendeu”.


O país inteiro pede a liberdade de “Los Cinco”. Faixas, inscrições diversas, em escritórios públicos, bares, hotéis e casas comerciais. Os cubanos clamam para que “Los 5 Héroes” regressem para casa. Um cartaz mostra uma mão que pede e a legenda é categórica: “Obama... Give me five! Libertad para Los Cinco” (“Obama… Me devolva os cinco! Liberdade para Os Cinco”). René González, esse homem alto, esbelto, de inquietos olhos verdes e fala tranquila, assegura que enquanto seus companheiros não estejam em liberdade “seguiremos sendo cinco encarcerados”.


– Vocês tiveram acesso a informação classificada?


– Não, nem nos interessava a informação classificada dos EUA. Nós queríamos prevenir os atos terroristas. É que o julgamento foi um circo romano, que violou a 6ª. Emenda e qualquer legalidade. Assim, depois que a própria Corte de Apelações revogou o veredito de culpabilidade porque considerou que em Miami não se fez um julgamento justo, a Corte de Apelações de Atlanta ratificou as condenações com algumas modificações no que considerou incorreto: Antonio Guerrero, de uma prisão perpétua mais 10 anos passou a ter que cumprir 21 anos e 10 meses; no caso de Fernando González, de 19 anos passou a 17; para Ramón Labañino, que tinha uma prisão perpétua mais 18 anos, passou a ter 30 anos; se ratificaram as penas de duas prisões perpétuas mais 15 anos para Gerardo Hernández e os 15 anos para mim. A Corte Suprema disse que não revisará o caso. O que se defende, então, é que o presidente Barack Obama os indulte.

Tradução: Jadson Oliveira

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