ESTUDANTES NAS RUAS DE SP: ENFRENTANDO A POLÍCIA E OS BLACK BLOCS



Faixa que abria a manifestação dos estudantes (os black blocs iam à frente): "Mais democracia e educação! DCE Livre da USP"; havia bandeiras da UNE, UEE, UBES, Anel/Livre, UJS, Conlutas, Levante Popular da Juventude, Juntos por um outro futuro, PCR, PSTU, etc (Fotos: Jadson Oliveira)
Início da marcha por volta das 18 horas na Avenida Faria Lima, com palavras de ordem: "Eu quero cota já, pra USP democratizar", "Eu pago não devia, Educação não é mercadoria", "O Amarildo são mais de mil, tem que acabar com a polícia do Brasil", etc
Os moços e moças de roupa preta e máscara preta certamente acreditam que estão contestando o sistema capitalista, mas eles são um álibi perfeito para a violência policial contra as manifestações de rua.

De São Paulo (SP) – Minha amiga, há muito não te escrevo. Quebro o jejum hoje pra te falar do fenômeno chamado black bloc, a tradução literal seria bloco negro, são jovens aparentemente classe média vestidos de preto, com máscaras pretas, que se metem nas manifestações de rua do movimento democrático e popular e saem depredando tudo o que encontram pela frente: ônibus, abrigos de parada de ônibus, fachadas de prédios públicos, etc, etc, seus alvos preferidos são as vidraças de agências de bancos, símbolos mais vistosos do capitalismo.

Você deve estar acompanhando aí pela TV, é o “espetáculo” predileto da mídia hegemônica atualmente, são os “vândalos”, como eles chamam. Não sei até que ponto a querida amiga está inteirada: os grupos black bloc representam um tipo de ação, uma filosofia política de matriz anarquista, surgiram na Europa no início dos anos 80, não se organizam numa entidade ou num partido, por exemplo. Na verdade, não são formalmente organizados, não têm lideranças explícitas, atuam de forma horizontal e se mobilizam através das redes sociais da Internet, em especial o Facebook.
Repúdio e acusação de corrupção ao governador Geraldo Alckmin desfilaram em duas grandes faixas (aí uma delas)
Repetindo a voz ao megafone, os estudantes comentaram e festejaram a decisão judicial que lhes deu mais 60 dias para desocupação da Reitoria da USP
Felipe Moda (camiseta amarela), do DCE, na cabeça do desfile, um dos que coordenavam a movimentação
Então, já virou rotina o noticiário: os protestos começam pacificamente com suas bandeiras e reivindicações e, do meio pra o fim, ou no final, vem o belo espetáculo pirotécnico do quebra-quebra e do enfrentamento com a repressão policial. Depois o número de feridos entre manifestantes e policiais e o número de prisões.

Manchete da capa da Folha de S.Paulo da quarta-feira, dia 16: “Atos em SP e no Rio têm depredação e 176 prisões”. Foram pelo Dia do Professor, dia 15. Os professores do ensino público estão em greve no Rio de Janeiro há mais de dois meses e, aqui em SP, a manifestação, além de solidariedade aos grevistas, foi pelo ensino público e pela democratização da USP (Universidade de São Paulo – do estado de SP): eleição direta para reitor e reforma dos estatutos. Havia umas 3.000 pessoas, a maioria estudantes da USP, cuja Reitoria está ocupada desde o início do mês.

Tensão permanente durante a passeata

Eles se concentraram na Avenida Brigadeiro Faria Lima (perto da estação do metrô), no bairro de Pinheiros. A partir das 18 horas marcharam e pegaram a Avenida Rebouças. Após a Ponte Eusébio Matos, saltaram ou passaram entre as barras dum alambrado e desceram uma rampa para a Avenida Marginal. A ideia era chegar até o palácio do governador no Morumbi. Seria ao todo um percurso de 13 quilômetros, conforme me informou Felipe Moda, 24 anos, que estuda Ciências Sociais e faz parte da direção do DCE Livre da USP (é dum coletivo estudantil chamado Movimento Primavera).
Discussões tensas entre os que tentavam coordenar o ato e o pessoal do black bloc, enquanto se ouvia a consigna: "É o governo o inimigo, seja bem-vindo quem quiser lutar comigo"

Muitos tentaram, sem muito sucesso, demarcar o terreno entre os dois tipos de manifestação
Uma das duas vidraças quebradas numa concessionária Honda, na Avenida Rebouças
Durante a passeata – com faixas, cartazes, bandeiras de partidos e entidades e gritos com palavras de ordem, como de praxe – davam-se a todo momento discussões entre os que tentavam coordenar o ato e o pessoal black bloc. Era uma tensão permanente. Alguns de máscara preta chegaram a jogar uns sacos de lixo contra manifestantes. E tome discussão, uns gritavam ao redor: “É provocação!”, “o inimigo é a polícia, porra!” Ainda na Rebouças os black blocs quebraram duas vidraças numa concessionária da Honda. Seria a primeira depredação da noite em SP.

E assim chegaram à Marginal, como relatei acima. E, enquanto manifestação organizada pelos universitários da USP, acabou aí, bem longe do palácio do governador. A Polícia Militar, que até então acompanhava o ato só se ocupando do trânsito, atacou com sua tropa de choque, na base de bombas de gás, e dispersou o pessoal. Um pouco antes vi um policial apontar para um clarão, denunciando se tratar de coquetel molotov, e um outro, que comandava – certamente oficial -, chamar com gestos apressados a tropa de choque, gritando “fogo, fogo!”.

Minha amiga, foi uma agonia. Daí em diante não sei relatar o que realmente aconteceu. Me meti no meio de manifestantes – me lembro que alguns, revoltados, gritavam “filhos da puta!” – que subiram uma rampa saindo da Marginal. Os olhos ardiam e eu tentava proteger a respiração com um lenço, mas foi fraca a carga de gás que me atingiu. Não conheço a região. Sei que me vi com grupos – que cogitavam se reorganizar - numa confusão de trânsito, a duas quadras da estação de metrô de Butantã. Passava das 20 horas quando embarquei no metrô.
Descendo a rampa da Ponte Eusébio Matos para a Avenida Marginal
Pelo que se pode deduzir do noticiário de jornais e TVs, a noite foi mais larga para os principais protagonistas do espetáculo em que se transformam os protestos de rua no Brasil, desde as históricas jornadas de junho: os black blocs e a polícia.

Conclusões preocupantes:

1 – Os black blocs, sem querer, dão à polícia uma fácil justificativa para a repressão violenta, imagino que com o respaldo da maioria da população;

2 – Os black blocs criam uma tensão a mais, uma dificuldade a mais para o movimento democrático e popular;

3 – Os black blocs e a repressão policial afugentam parcelas mais amplas da população que poderiam aderir às manifestações de rua;

4 – E os monopólios da mídia hegemônica, tarimbados em criminalizar os movimentos sociais, especialmente os de esquerda, deitam e rolam na demonização dos “vândalos” (ou seja, os black blocs, não os policiais).

É isso aí, minha querida amiga, antes a velha mídia cobria as manifestações de rua como um problema de trânsito, agora como um problema de vandalismo.

Na próxima carta espero falar de assuntos mais “leves”, beijo.

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